O combate à pobreza na Índia

Siddharth George e Arvind Subramanian

De Nova Délhi

A transferência de dinheiro para famílias pobres, com a condição de que seus filhos frequentem a escola e tomem suas vacinas, provou-se uma maneira eficaz de reduzir a pobreza e melhorar a saúde e o bem-estar. A América Latina é amplamente reconhecida como pioneira dos programas de transferência de renda condicionada em larga escala, começando com o México no final dos anos 90 e expandindo-se pelo Brasil ao longo da última década.

Agora, esses programas têm o potencial de fazer uma séria diferença na situação de pobreza na Índia. Sob o acrônimo JAM -Jan Dhan, Aadhaar, Mobile- uma revolução silenciosa da política de bem-estar social está se desenrolando. Jan Dhan é o programa carro-chefe do Primeiro-Ministro Narendra Modi para dar às pessoas pobres acesso aos serviços financeiros, incluindo contas bancárias, crédito e seguros.

Aadhaar é a iniciativa de emitir cartões de identificação biométrica para todos os indianos. Juntamente com plataformas de dinheiro móvel, eles vão permitir que o Estado transfira dinheiro diretamente aos necessitados -sem que tenha que passar por intermediários que às vezes tiram uma parte.

A Índia, que é a maior democracia do mundo, também é o maior país pobre do mundo. A legitimidade de qualquer governo eleito gira em torno de sua capacidade de atender aos pobres. Assim, tanto os governos federal e estadual subsidiam uma ampla gama de produtos e serviços com a intenção expressa de torná-los acessíveis para aos necessitados: arroz, trigo, legumes, açúcar, querosene, gás de cozinha, nafta, água, eletricidade, fertilizantes, ferrovias.

O custo desses subsídios é de cerca de 4,2% do produto interno bruto da Índia, que é mais do que suficiente para elevar o nível de consumo das famílias indianas para cima da linha de pobreza.

Infelizmente, o fornecimento pelo governo destes subsídios tem falhas significativas. Por exemplo, até 41% do querosene subsidiado que as famílias pobres usam para iluminar suas casas "se perde" e provavelmente vai para o mercado negro. Ele é vendido para intermediários que o misturam ao diesel e o revendem, o que é ruim para a saúde e para o meio ambiente.

Além disso, alguns subsídios beneficiam aqueles que não precisam deles. Os subsídios de energia elétrica, por exemplo, favorecem os dois terços da Índia (geralmente mais ricos) que têm acesso à rede regular e, em particular, as famílias mais ricas, que consomem mais energia.

Por que, então, os subsídios aos produtos formam uma parte tão central das políticas de combate à pobreza do governo indiano? Os subsídios são uma maneira para os Estados que não têm capacidade de implementação de políticas ajudarem os pobres; é mais fácil vender querosene e alimentos a preços subsidiados do que administrar escolas e sistemas eficazes de saúde pública.

Os três elementos do JAM juntos têm o potencial de mudar o jogo. Considere a escala estonteante de cada elemento. Cerca de 118 milhões de contas bancárias foram abertas pelo Jan Dhan. Quase um bilhão de cidadãos têm um cartão de identidade único biometricamente autenticado emitido pelo Aadhaar. E cerca de metade dos indianos agora têm um celular (enquanto apenas 3,7% têm linhas de telefone fixo).

Aqui vai um exemplo de como esses três elementos podem ser colocados para funcionar.O governo indiano subsidia a compra de gás de cozinha das famílias; esses subsídios totalizaram aproximadamente US$ 8 bilhões (em torno de R$ 24 bilhões) no ano passado. Até recentemente, os subsídios eram fornecidos através da venda de botijões para os beneficiários a preços abaixo do mercado.

Agora os preços foram desregulamentados e o subsídio é entregue mediante depósito em dinheiro diretamente nas contas bancárias dos beneficiários, que estão ligados a celulares, de modo que apenas os beneficiários elegíveis -não intermediários "fantasmas"– recebem as transferências.

 

No sistema anterior, a grande diferença entre preços subsidiados e não subsidiados criou um próspero mercado negro, onde os distribuidores desviavam o gás subsidiado das famílias para as empresas com um ágio. Em uma nova pesquisa desenvolvida junto com o economista da Universidade de Columbia Prabhat Barnwal, descobrimos que as transferências de renda reduziram estes "vazamentos", resultando em economias fiscais estimadas em cerca de US$ 2 bilhões.

A possibilidade de ampliar estes benefícios é enorme. Imagine a união de todos os subsídios em uma única transferência de dinheiro de montante fixo para as famílias, uma ideia sugerida décadas atrás pelo economista Milton Friedman como o Santo Graal da política de assistência eficiente e equitativa. O JAM torna isso possível.

Para usufruir de todos os benefícios do JAM, o governo precisa -e já começou- enfrentar os desafios do primeiro e do último quilômetro.

Os desafios "do primeiro quilômetro" são identificar os beneficiários elegíveis e coordenar os departamentos estaduais e federais. Para distribuir benefícios via transferência de renda, o governo precisa de uma forma de identificar os pobres e ligar os potenciais beneficiários a contas bancárias.

Além disso, os critérios de elegibilidade e listas beneficiários variam, e as plataformas tecnológicas, caso existam, talvez não se encaixem perfeitamente. Daí a necessidade de um extenso exercício de coordenação do governo nacional, que pode incentivar os Estados a participarem compartilhando sua poupança fiscal.

O desafio "do último quilômetro" surge porque os programas de transferência de renda talvez excluam beneficiários genuínos por não terem contas bancárias. Na verdade, mesmo que tenham uma conta, muitas vezes moram tão longe de um banco - a Índia tem apenas 40 mil agências bancárias rurais para atender 600 mil aldeias - que torna-se difícil sacar os benefícios.

A inclusão financeira de forma que atinja os mais distantes e pobres exigirá um programa de fomentação aos bancos que facilitam os pagamentos através de redes móveis, o que teve grande sucesso em países como o Quênia. A Índia pode, então, saltar de uma sociedade sem acesso aos bancos para uma sociedade para além do dinheiro em espécie, da mesma forma que deixou de ser um país sem telefone para outro saturado de celulares.

Acima de tudo, o JAM oferece benefícios substanciais para o governo, para a economia e especialmente para os pobres. As finanças públicas terão uma melhora pela redução da carga dos subsídios; ao mesmo tempo, o governo também será legitimado e reforçado por sua capacidade de transferir recursos aos cidadãos de forma mais rápida e eficaz.

A experiência com o maior programa de seguro desemprego do mundo -o esquema de garantia de emprego rural Mahatma Gandhi- mostrou que o pagamento de salários através de um sistema biometricamente autenticado reduziu a corrupção e permitiu que os trabalhadores recebessem o benefício mais rápido.

Com os pobres protegidos, as forças do mercado ficam livres para alocar seus recursos com enormes benefícios para a eficiência da economia e melhoria da produtividade. Os principais beneficiários serão os pobres da Índia; as transferências de dinheiro não são uma panaceia para eliminar suas dificuldades, mas podem percorrer um longo caminho no sentido de melhorar suas vidas.

 (Siddharth George é doutor em economia pela Harvard University e Arvind Subramanian e chefe do Conselho de Economia do governo da Índia)

Tradutor: Deborah Weinberg

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