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Alberto Bombig

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula e Alckmin: o desafio de ser feijão com arroz

O ex-presidente Lula (PT) e ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) - STRINGER/REUTERS
O ex-presidente Lula (PT) e ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) Imagem: STRINGER/REUTERS

Colunista do UOL

06/05/2022 11h53Atualizada em 06/05/2022 11h53

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Na única vez em que enfrentou Lula diretamente em uma eleição, Geraldo Alckmin venceu a disputa em dez estados no primeiro turno: os três da região Sul, um da Sudeste, quatro deles da Centro-Oeste e dois da Norte. O ex-governador de São Paulo ganhou também no Distrito Federal. Tudo isso aconteceu em 2006, quando a polarização entre PT e PSDB dominava o cenário político-eleitoral brasileiro, e o então candidato tucano representava o campo da centro-direita e encarnava quase à perfeição os valores dessa fatia do eleitorado, da economia aos costumes.

Mas eis que, em 2018, chegou a roda viva e carregou Alckmin do PSDB para a órbita de Lula no espectro político-partidário, depois de ter empurrado o eixo da direita para o extremo, rumo a Jair Bolsonaro. O que não mudou desde 2006 é que o ex-presidente petista, pré-candidato de novo neste 2022, ainda enfrenta dificuldades eleitorais nos mesmos estados em que foi derrotado por Alckmin naquele primeiro turno: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Distrito Federal, Acre, Roraima e Rondônia.

O mapa da votação de 2006 simboliza o grande desafio da união entre Lula e Geraldo Alckmin, hoje no PSB: serem complementares, em diversos sentidos e em várias esferas que, uma vez somadas, apresentem como resultado final a vitória nas urnas sobre Bolsonaro (PL). Em linhas gerais, significa dizer que o ex-tucano e ex-governador de São Paulo precisa ajudar o líder petista em colégios onde o PT, na série histórica das eleições, costuma ir mal (por razões estruturais e conjunturais sobre as quais muita gente boa já se debruçou), o famoso contraste "azul e vermelho" do mapa eleitoral.

Na definição de um experiente profissional da comunicação política, Lula e Alckmin precisam ser "feijão com arroz", no sentido de algo complementar, simples, brasileiro raiz, gosto popular. Para que a magia aconteça (ela ainda não aconteceu) a partir deste sábado, 7, quando a chapa será oficialmente lançada, a química entre ambos tem de continuar boa. Nesta semana, em entrevista a uma emissora de rádio, Lula defendeu seu novo parceiro com uma contundência que ele só costuma reservar aos mais fiéis companheiros. De seu lado, o ex-tucano já chamou o petista de maior líder popular do Brasil e até ouviu o Hino da Internacional Socialista.

Ou seja, na relação privada e pessoal, eles parecem estar afinados. Na mesma entrevista, Lula também deu o tom do que espera da aliança em termos políticos-eleitorais, ser o chamariz do eleitorado azul: "Eu acho que o Alckmin agrega experiência, agrega o setor da sociedade que durante muito tempo não votou no PT, não quis votar no PT, e o Alckmin agrega pessoas que pensam diferente de nós em muitas outras coisas", disse à CBN Campinas.

Em teoria, muito simples. Na prática, um pouco mais complicado, com ao menos sete tarefas a serem cumpridas pelos dois protagonistas eleitorais e suas equipes:

1) convencer o eleitor de que ambos abriram mão das vaidades porque a união é necessária diante da crise, da pobreza e da ameaça à democracia; 2) resistir à exposição de eventuais e antigos ataques mútuos; 3) não deixar que os muxoxos dos petistas das alas de esquerda que ainda não elaboraram o fato de ter o "conservador" Alckmin como aliado se transformem em fogo amigo; 4) convencer o eleitor de que as disputas entre Lula e Alckmin ficaram no passado e que elas sempre foram travadas no jogo limpo da democracia; 5) Lula se espelhar em Alckmin e emitir algum sinal para a centro-direita, em contraste com suas posições esquerdistas de tempos passados, algo que o ex-presidente até agora se recusa a fazer; 6) Alckmin ter paciência suficiente para lidar com as idiossincrasias do PT; 7) a comunicação da campanha funcionar, algo que também não aconteceu até agora, pelo contrário, tem derrapado em todas as mídias.

Não será fácil cumprir esses requisitos, que, mesmo devidamente "ticados" daqui até outubro, não garantirão a vitória nas urnas, apesar de criarem boas condições para tanto. Como diz a canção da Legião Urbana, até quem gosta de jogar futebol de botão com o avô pode dar liga com quem gosta do Bandeira e do Bauhaus. Se transmitirem essa ideia para o eleitor, contida na letra de Renato Russo, muita gente vai dizer que Alckmin completa Lula e vice-versa, que nem feijão com arroz. Caso contrário, a aliança poderá ficar para a história da política brasileira apenas como mais um cruzamento exótico, de jararaca com chuchu.