Josias de Souza

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Ao convidar Jair Bolsonaro, Milei desconvida Lula para sua posse

Um pedaço da diplomacia brasileira apostava que Javier Milei seria pragmático nas suas relações com o Brasil. Embora não endossassem a aposta, escorada na sinalização feita nos bastidores por assessores de Milei ao Itamaraty, pelo menos dois ministros brasileiros, um deles com gabinete no Planalto, torciam para que o presidente eleito da Argentina trocasse a retórica inflamada por gestos práticos que atenuassem os ataques que fez a Lula durante a campanha. Deu-se o oposto.

Milei decepcionou os apostadores do Itamaraty e irritou os torcedores do governo ao participar nesta segunda-feira de uma videochamada com Bolsonaro e seu filho Eduardo. Na noite da véspera, Lula reconhecera a legitimidade da vitória de Milei. Numa postagem nas redes sociais, desejou "boa sorte e êxito ao novo governo". Sem mencionar o nome do vitorioso, realçou que "o Brasil sempre estará à disposição para trabalhar junto com nossos irmãos argentinos". Esperava uma reação amistosa de Milei. Recebeu uma cotovelada.

Ao convidar Bolsonaro para sua posse, obtendo dele resposta positiva, Milei como que desconvidou Lula, a quem chamou durante a campanha de "corrupto" e "comunista", com "vocação totalitária". Assessor internacional da Presidência, o embaixador Celso Amorim praticamente descartou a ida de Lula a Buenos Aires no dia 10 de dezembro. O governo brasileiro enviará um representante.

Esboça-se para os próximos anos um relacionamento glacial entre o Planalto e a Casa Rosada, com a mesma ausência de diálogo que marcou as relações entre Bolsonaro e o argentino Alberto Fernández. Ruim para o Brasil, que tem na Argentina seu terceiro maior parceiro comercial, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Pior para a Argentina, às voltas com uma ruína econômica que desaconselharia o desprezo de Milei pelos negócios com o mercado brasileiro.

O Brasil está decidido a preservar o relacionamento institucional que mantém com a Argentina. Uma relação entre Estados. A intenção leva em conta o fato de que o relacionamento entre empresários brasileiros e argentinos vem sobrevivendo às oscilações ideológicas ao longo dos anos.

Numa evidência de que há males que vêm para pior, Milei reiterou nas primeiras entrevistas concedidas após a abertura das urnas a sinalização de retirar a Argentina do Mercosul. Remando na contramaré, Lula manteve nesta segunda-feira uma conversa telefônica de cerca de 40 minutos com Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão da União Europeia. Falaram sobre a conveniência de apressar o fechamento do acordo comercial entre os dois blocos.

O Brasil sediará em 7 de dezembro, apenas três dias antes da posse de Milei, uma reunião de cúpula do Mercosul. O desapreço do presidente eleito da Argentina joga água no chope dos negociadores que se esforçam para apressar o acordo entre bloco sulamericano e a União Europeia. Na discussão técnica, as negociações avançaram.Trava-se no momento, porém, uma corrida contra o relógio.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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