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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pazuello alegou 'soberania' para rejeitar oferta de vacina da Pfizer

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Imagem: Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Colunista do UOL

21/05/2021 14h53

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Entre uma mentira e outra na CPI da Covid, Eduardo Pazuello deu respostas enroladoras para não se complicar sobre as omissões do governo Bolsonaro. Por exemplo, usou a "soberania" para justificar decisões que levaram brasileiros à morte.

Excitando o naco ultranacionalista dos fãs do presidente, o general reforçou o óbvio, afirmando que o Brasil é autônomo para tomar suas decisões.

O que é questionável. Isso é o que deveria ser, mas, sob o chanceler Ernesto Araújo, a diplomacia brasileira abandonou mais de 100 anos de independência para encarnar o papel de poodle do governo Donald Trump.

De qualquer forma, uma coisa é autonomia, outra é burrice. Quando um vizinho ou um amigo avisa que não é saudável pular de um penhasco e o cabra vai lá e pula mesmo assim só para mostrar que é livre, temos patologia, não geopolítica.

Questionado, nesta quinta (20), sobre a razão da demora em adquirir a vacina da Pfizer, ofertada sistematicamente pela empresa desde agosto do ano passado, mas adquirida apenas em março deste ano, Pazuello usou a "soberania".

O discurso ensaiado pelo general foi de que houve um "constante trabalho de pressão" por mudanças nas cláusulas que isentam a farmacêutica de responsabilidade em caso de efeitos colaterais, pois "o Brasil não merecia esse tipo de tratamento" uma vez que "não somos um país caloteiro".

Quase era possível ver a mão peluda do treinamento de mídia que ele recebeu pairando sobre sua cabeça nessa hora. Encurralado, apelou para "nosso país é um país soberano", distorcendo o conceito.

Será que Jair Bolsonaro teria coragem de chegar na cara dos primeiros-ministros da Hungria, Viktor Orbán, e de Israel, Benjamin Netanyahu, e dizer que ambos os aliados não são soberanos? Pois eles assinaram contrato com a Pfizer e começaram a vacinar sua população ainda em dezembro do ano passado.

Foi lembrado a Pazuello que, segundo Carlos Murillo, gerente-geral da Pfizer para a América Latina, mais de 100 países aceitaram as condições. E que se precisasse de amparo legal para tanto, o Congresso Nacional poderia ter resolvido isso rapidamente. O PL 534/2021, que possibilitou a compra do imunizante em março, foi aprovado em uma semana.

Na quarta (19), primeiro dia de depoimento, Pazuello já havia apelado para a "soberania" para dizer que o Brasil não era obrigado a seguir orientações sanitárias da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Ao ser perguntado pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) qual orientação que o Ministério da Saúde seguia então, Pazuello respondeu que as posições da OMS "iam e viam, não eram contínuas, pela própria incerteza da situação". Disse que eram usadas para amparar o processo decisório federal, mas que o governo federal tomava suas próprias decisões.

"A OMS e a Opas [Organização Panamericana de Saúde] não impõem nada para nós. Nossa decisão é plena, o Brasil é soberano para tomar suas decisões em qualquer área, inclusive saúde", afirmou o ex-ministro.

As orientações da OMS não "iam e viam", como diz o general, mas avançavam na medida que cientistas descobriam mais sobre a covid-19. Bolsonaro, desde o início da pandemia, acusou a agência das Nações Unidas de ser contraditória em questões com máscaras e cloroquina simplesmente porque acompanhava os avanços de conhecimento sobre a doença - enquanto ele, não.

Pazuello mentiu ao dizer que o governo seguiu recomendações sobre o estímulo ao uso de máscaras e ao distanciamento social. Além do aparecimento tardio de campanhas tratando desses temas, o presidente Jair Bolsonaro sistematicamente promovia aglomerações, reclamando de ser cobrado por não usar máscaras. Em uma live, em fevereiro, chegou a dizer que elas causam dor de cabeça.

Na quarta, Pazuello disse que o chefe não usa máscaras e produz aglomerações por estar "tratando a parte do psicossocial" do povo.

Com suas constantes aparições públicas, promovendo aglomerações e menosprezando a gravidade da doença, Bolsonaro sabotou os esforços da sociedade para reduzir o ritmo de mortes. Criticou a OMS sempre que pode.

Isso se encaixou na estratégia do governo de acelerar o contágio da população para atingir uma imunidade de rebanho e garantir que o vírus pare de circular. O problema é que o efeito colateral da estratégia é a morte em massa - o Brasil passou de 444 mil cadáveres até agora.

No dia 17 de abril, sem máscara, interagindo com fãs e mandando às favas qualquer cuidado sanitário, Jair Bolsonaro promoveu mais uma aglomeração, em Goianópolis. Levou a tiracolo um sorridente Pazuello.

Em vários municípios, como Manaus, faltou oxigênio para pacientes não morrerem sufocados. A promoção de cloroquina e ivermectina levou muita gente a acreditar que há uma cura barata e fácil para a doença e, portanto, abandonar cuidados sanitários. E o atraso na imunização tirou vidas e deprimiu a economia, atraso que é responsabilidade do governo federal, pois se negou a encomendar vacinas em quantidade suficiente no ano passado.

O Brasil tem soberania. Infelizmente, seu governo se aproveita usa contra seu próprio povo.