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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Impeachment de Bolsonaro depende de direita e esquerda juntas nas ruas

Colunista do UOL

30/06/2021 17h21

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Parte significativa do Congresso Nacional, inclusive sua liderança, não representa o interesse público, mas suas necessidades pessoais. O fato dessa frase ser estupidamente óbvia ajuda a explicar a razão do superpedido de impeachment de Bolsonaro, apresentado nesta quarta (30), na Câmara dos Deputados, ser uma aposta difícil. Mas civilizatória e, portanto, imprescindível.

Mais de 120 pedidos de impeachment engavetados na presidência da Câmara, primeiro por Rodrigo Maia (DEM-RJ) e, agora, por Arthur Lira (PP-AL), foram reunidos em um só e apresentados por parlamentares da esquerda à direita, entidades da sociedade civil, movimentos sociais, sindicatos, entre outros.

O advogado Mauro Menezes, um dos responsáveis pela consolidação do texto, afirmou na coletiva à imprensa que nele estão listados 23 crimes de responsabilidade que teriam sido cometidos pelo presidente de acordo com a lei 1.079/1950. Vinte e três. Tentativa de impedir o funcionamento do Congresso, opor-se ao livre exercício do Poder Judiciário, incitar militares a desobedecer à lei, só coisa leve.

E também prevaricação, por ter se omitido diante das denúncias de que a negociação para a compra da Covaxin demonstrava evidências de ilegalidade. Jair Bolsonaro afirmou ao deputado Luiz Miranda (DEM-DF), que levou a ele o problema, que o caso envolvia o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e que o encaminharia à Polícia Federal. Claro, nada fez.

O presidente da República quis alugar uma base no Congresso para afastar a possibilidade de cassação e garantir algum nível de governabilidade no ano passado. Aquela história de "nova política" sem toma-lá-dá-cá? Cascata tão grande quanto "no meu governo, não há corrupção".

Os tubarões, contudo, sentiram o gosto de sangue ao primeiro ferimento de Jair. Desde então, são eles que têm um mascote no Planalto, não o contrário. Bolsonaro é sua ema.

Desde que o contrato entre as partes passou a valer, bilhões fluíram em emendas regulares e secretas, leis que destroem direitos e interessam a grupos de pressão foram aprovadas e cargos distribuídos em postos estratégicos. Cargo significa poder e poder faz dinheiro.

Como aqueles cargos no Ministério da Saúde que pressionam pela compra de uma vacina mais cara e não aprovada, como a indiana Covaxin, ou que ajudam a incluir uma propina de um dólar por dose em uma negociação de 400 milhões de doses do imunizante AstraZeneca.

Para que o superpedido avance, seriam necessários 342 de 513 votos na Câmara. Os signatários têm, hoje, metade disso. Arthur Lira já deixou claro que não vai sacrificar a sua galinha dos ovos de ouro, ou seja, o controle que tem sobre o presidente da República. Pelo menos não enquanto a própria sobrevivência de Lira não estiver ameaçada.

E não é só ele. Além da base bolsonarista-raiz, há um grupo amplo de parlamentares do centrão que está se refestelando com o patrimônio da República e não quer que isso acabe. Pelo contrário, quanto mais Jair se ajoelhar no milho, mas vai gritar "centrão, acode!" Vai arrastar o quanto for possível o apoio e, se necessário, pula para dentro de outro barco antes ou depois da eleição em 2022. Afinal, independentemente do governo, vai haver centrão e sua fome.

A alternativa ao Congresso, a Procuradoria-Geral da República, está ocupada por um aliado seu com olho em uma indicação ao STF. A chance de algo tramitar por lá é igual à do tal camelo passar pelo buraco da tal agulha.

Ressalte-se que há disputas internas no próprio centrão - quem pensa que ele é um grupo coeso está enganado, parece mais uma massa amorfa de interesses que apontam em direção semelhante, ou seja, à pilhagem do Estado.

Bolsonaro estava se negando a dividir o poder. Queria apenas dividir os problemas. Não é à toa que o capitão seja campeão de Arremesso de Responsabilidade à Distância e de Lançamento de Cortina de Fumaça.

No dia em que o Brasil completou os primeiros 300 mil mortos, em março, fruto de sua omissão e seu negacionismo, ele organizou um teatrinho com líderes dos três poderes, governadores, ministros e afins para criar uma saída à crise da covid. Novamente cascata.

Nesse contexto, surgiu o discurso do presidente da Câmara dos Deputados "apertando um sinal amarelo para quem quiser enxergar" e avisando que "os remédios políticos no parlamento são conhecidos e são todos amargos, alguns fatais". Nem precisou colocar #impítima #ficadica no final. Desde então, os pedidos vêm sendo atendidos com mais celeridade. E Lira já disse, em entrevistas, que o impeachment não rola porque falta "materialidade". É, parece brincadeira, mas não é.

Quanto mais enfraquecido, mais Bolsonaro precisará de votos para se sustentar no poder. E isso terá um preço, como teve com Michel Temer - muito mais hábil politicamente.

Mas a "galinha" tem que entender que para rir vai ter que fazer rir também. Só que o faz-me-rir tem limites financeiros para um país em crise.

Parte do centrão discorda e aponta para os mais de 150 bilhões que devem "sobrar" no orçamento graças às exportações do agronegócio e ao crescimento no ano que vem.

Claro que se o Brasil ainda estiver socialmente e economicamente moribundo em 2022, o centrão não vai afundar com Bolsonaro. O centrão nunca afunda. Até lá, ele vai usar o medo do impeachment para ganhar espaço no governo, com orçamento, com cargos, com poder de fato.

A única coisa capaz de alterar essa configuração é a rua. Mas a rua extremamente colorida, com insatisfeitos à esquerda, ao centro e à direita no espectro político.

Bolsonaro tem, segundo a pesquisa Ipec, de junho, 24% de aprovação. Desses 14%, são seus seguidores mais fiéis do bolsonarismo-raiz. Deputados que sabem fazer contas entendem que se ele descer até a sua base mínima será um alerta de que o apoio a ele evaporou, pelo menos conjunturalmente. Isso abre uma janela de oportunidade política.

Se campos opostos ideologicamente conseguirem reproduzir nas ruas o discurso que fizeram no evento da tarde desta quarta (30), de que sabem que estarão em lados opostos nas eleições e que discordam de muitas coisas, mas que, neste momento, a pauta não é direita e esquerda, mas civilização e barbárie, há uma chance da pressão decorrente levar o centrão a abandonar Jair.

É difícil, dado nível da ultrapolarização no país e a proximidade das eleições de 2022, mas não impossível.