Leonardo Sakamoto

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Opinião

Lula questionou leis sobre armas de fogo em 80% das vezes em que foi ao STF

Dados do grupo de pesquisa Supremo em Pauta, da FGV Direito SP, mostram que em 13 das 16 vezes em que o presidente Lula acionou o Supremo Tribunal Federal neste terceiro mandato foi para questionar legislações, estaduais ou municipais que tratam da ampliação de posse e do porte de armas.

O tema do controle de armas praticamente monopoliza a agenda da Presidência e da Advocacia Geral da União (AGU) no STF.

De forma geral, a argumentação do governo é que tais leis afrontam a competência privativa da União para legislar sobre o tema e de administrativamente autorizar e fiscalizar o uso de material bélico. Exatamente o ponto que alguns políticos bolsonaristas querem ignorar.

Na semana passada, dando continuidade ao projeto bolsonarista de armamento da população, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei complementar que autorizaria estados e Distrito Federal a legislarem sobre "posse e porte de armas de fogo para defesa pessoal, práticas desportivas e controle de espécies exóticas invasoras".

A proposta foi apresentada pela deputada Caroline de Toni (PL-SC), atual presidente da CCJ, e tem como relator o deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP).

A CCJ parece ignorar a Constituição Federal, que estabelece que é de competência privativa da União legislar sobre "normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares" (artigo 22, inciso XXI) e de competência exclusiva tratar da autorização e fiscalização da produção e o comércio de material bélico (artigo 21, inciso VI).

E, de fato, essa competência foi exercida, com chancela no Congresso Nacional, representada no Estatuto do Desarmamento, uma lei federal plenamente em vigor.

Assim, eventual autorização do Congresso Nacional para que estados legislem sobre a questão (artigo 22, parágrafo único) jamais poderia permitir uma violação da lei federal, fruto de exercício primário da competência legislativa. A ideia de que seria possível autorizar estados a legislarem contrariamente a uma lei federal em vigor só parece viável a quem ignora não só a Constituição, mas também a lógica jurídica.

O próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu várias vezes, dezenas de vezes, sobre a inconstitucionalidade de normas estaduais que tratavam sobre porte de armas de fogo, cuja competência é da União, que o fez por meio do Estatuto do Desarmamento.

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Após anos de armamento desenfreado, reconstruir uma política de controle de armas se tornou um desafio para o governo Lula. O ex-presidente Jair Bolsonaro era um apoiador do armamento da população, Lula sancionou, ainda em seu primeiro mandato, o Estatuto do Desarmamento e, tão logo iniciou seu terceiro mandato, editou decretos limitando a aquisição de armas.

As ações no STF mostram que não é só por meio de decretos e outras medidas administrativas que Lula vem tentando alterar o cenário deixado pelo seu antecessor.

Bolsonarismo viola Constituição e, depois, reclama que STF 'legisla'

Bolsonaro nunca escondeu sua intenção de armar a população e essa talvez tenha sido sua política mais efetiva. O governo Bolsonaro foi responsável por uma ampliação do porte e do posse de armas de fogo, através da edição de vários decretos.

A maior parte desses decretos foi questionada no STF. Ao todo, 16 ações questionaram a constitucionalidade dessas medidas. Porém, as ações só foram julgadas após o término do governo Bolsonaro, em julho de 2023.

A demora no julgamento das ações se deu principalmente pelo pedido de vista do ministro indicado por Jair Bolsonaro ao Supremo, Kassio Nunes Marques, feito em setembro de 2021 e devolvido só em junho de 2023.

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É válido apontar, além disso, que parte do não controle por parte do tribunal se deu pelo comportamento do próprio governo, ao constantemente revogar e reeditar decretos, estrategicamente ocasionando a perda de objeto das ações no tribunal. Algumas liminares foram concedidas nesse meio tempo, mas não foram capazes de barrar a disseminação das armas.

Dados dão conta de que mais de 1 milhão de armas entraram em circulação entre 2019 e 2022.

O cenário mostra que o projeto de armamento da população segue vivo no Congresso Nacional e nos legislativos locais. Ainda que haja uma reação por parte do governo Lula de reorganizar a política de controle de armas desde a instância federal, a tarefa necessariamente demanda atuação do Supremo Tribunal Federal, diante da profusão de normas locais aumento hipóteses de posse e porte de armas.

Mesmo que o Supremo apenas reitere o que já vem decidindo há décadas, será acusado de "legislar".

Essa é a armadilha bolsonarista: violam a Constituição e reclamam de quem busca protegê-la. O tempo todo. Mais grave do que qualquer tribunal ativista é um Legislativo sem compromisso com a Constituição.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL