Decisão de Alexandre de Moraes coíbe ataque ao povo de rua, diz padre Júlio
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, proibiu o recolhimento forçado de pertences de pessoas em situação de rua, bem como a retirada compulsória desse grupo de locais públicos por estados, municípios e o Distrito Federal.
Também determinou que sejam efetivadas medidas para garantir a segurança de pessoas e de seus bens em abrigos, bem como o apoio a seus animais. E deu um prazo de 120 dias para que o governo federal elabore um plano de ação para implementar a Política Nacional para a População em Situação de Rua, de 2009.
"A decisão do ministro foi claríssima e coíbe ações, como as da Prefeitura de São Paulo, de recolhimento de barracas, cobertores, documentos, remédios e até água potável que acontece diariamente", diz o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua na capital paulista.
"Também decidiu que quando for ocorrer zeladoria urbana, a população em situação de rua deve ser avisada antes e os serviços ocorrerem feito sem conflitos. Mostrou um caminho e está pedindo uma proposta nacional", diz.
A decisão, em caráter liminar, responde a uma ação apresentada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), pelo PSOL e pela Rede.
Guilherme Boulos (PSOL-SP) afirmou à coluna que a liminar concedida por Moraes "acaba com o absurdo e a barbárie que é a retirada de pertences de pessoas em situação de rua".
"Ninguém quer que pessoas fiquem em barracas, o pedestre não quer, os moradores não querem, o comerciante não quer e muito menos a pessoa que está embaixo da barraca. Mas atuar de forma desumana, arrancando colchão, cobertor, pertences, além de ilegal, é inaceitável", avalia.
Para Boulos, a decisão de Moraes coloca um parâmetro do que pode ser feito. "Lamentavelmente, isso nem deveria ser necessário, mas falta tanta humanidade que foi preciso", diz o deputado federal, que também é coordenador nacional do MTST.
Moraes ouviu sociedade antes da decisão
Padre Júlio Lancellotti ressalta que a decisão de Moraes é fruto de audiência pública realizada, em novembro do ano passado, no STF para ouvir órgãos públicos, sociedade civil e, principalmente, representantes de pessoas em situação de rua.
Na audiência, Fernanda Balera, defensora pública em São Paulo e representante da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos, relatou que "os agentes públicos subtraem e destroem os poucos bens e pertences das pessoas". Segundo ela, "as pessoas não são informadas da destinação dos seus bens e tão pouco que precisam fazer para reavê-los".
Para exemplificar, Vânia Maria Rosa, coordenadora do Fórum Permanente sobre População Adulta em Situação de Rua do Rio de Janeiro, apresentou um vídeo em que um homem revira um caminhão de lixo atrás de seus pertences, entre eles uma dentadura. Desesperado, ele se revolta no calçadão de Copacabana.
Proibição de arquitetura hostil
Alexandre de Moraes também proibiu o uso da chamada "arquitetura hostil", que emprega estruturas e materiais para afastar as pessoas, sejam pessoas em situação de rua, jovens ou idosos, de praças, viadutos, calçadas e jardins.
Isso reforça o que ficou decidido na lei 14.489/2022, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), promulgada em 21 de dezembro passado pelo Congresso Nacional após a derrubada do veto do então presidente Jair Bolsonaro.
Ela ficou conhecida como Lei Padre Júlio Lancellotti, pelo fato dele ser um dos principais críticos da arquitetura hostil, tendo usado uma marreta para remover pedras pontiagudas instaladas sob um viaduto de São Paulo colocadas para impedir que pessoas em situação de rua se protegessem.
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Quero receberMas a legislação está à espera de regulamentação, que apontará o que fazer com as estruturas já existentes. "Com a decisão de Moraes, isso terá que ocorrer o quanto antes", avalia padre Júlio.
Boulos também avalia que a decisão é um reforço para a necessidade de efetivar a política federal para a população em situação de rua.
"O governo Lula já está trabalhando nisso, tanto no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania quanto no Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social. Tem uma preocupação do governo federal que a decisão fortalece", afirma.
De acordo com levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), entre 2019 e 2022, o número de pessoas vivendo nas ruas cresceu 38%, chegando a 281 mil pessoas em todo país.