Leonardo Sakamoto

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Opinião

Marco temporal é julgamento mais relevante da história do STF, diz defensor

O julgamento do chamado marco temporal será retomado pelo Supremo Tribunal Federal nesta quarta (20). Em tese, a contagem, até o momento, está em 4 a 2 a favor dos direitos territoriais indígenas. Mas apenas em tese.

Antes de mais nada, uma explicação: marco temporal é a tese pela qual os direitos indígenas sobre suas terras tradicionais previstos na Constituição Federal só seriam reconhecidos em relação àquelas que estivessem ocupadas por eles em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nossa Carta Magna.

É uma criação mirabolante que não existe no direito, não era discutida seriamente antes do julgamento do caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e que se utiliza de uma interpretação equivocada e enviesada do que neste caso foi decidido. Ou seja, é uma aventura jurídica que tenta dobrar e driblar a literalidade do que está previsto no artigo 231 da Constituição, em benefício de grileiros, invasores e da desenfreada expansão do agronegócio.

Por isso, qualquer decisão que não seja a aplicação da regra constitucional expressa, que é o voto do ministro Edson Fachin, já será uma vitória para grileiros e agronegócio.

Por isso é enganoso o placar de 4 a 2 contra o marco temporal. Os dois votos favoráveis à adoção da tese até agora foram (sem surpresa) proferidos pelos ministros indicados por Jair Bolsonaro, Kassio Nunes Marques e André Mendonça. Este último baseando-se em tal "direito de conquista da coroa portuguesa", que faria corar os rábulas do século 16.

Dois votos contrários ao marco temporal, contudo, são problemáticos.

O voto do ministro Alexandre de Moraes cai exatamente na confusão de tratar as terras indígenas como se reguladas pelo direito civil.

Os três principais problemas são a necessidade de indenização prévia (inclusive da terra nua) para que haja demarcação de terras indígenas - o que inviabilizaria qualquer nova demarcação; a possibilidade de rediscussão da demarcação de terras indígenas já demarcadas; e a possibilidade de "compensação" da terra por outra equivalente - o que ignora o tipo de relação que os povos indígenas estabelecem com os locais onde vivem, como se de fato fosse uma mera questão de propriedade.

Já o voto do ministro Cristiano Zanin, embora mais palatável, segue linha semelhante, e parece querer consertar o voto de Moraes onde este foi criticado.

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Seu voto determina que não poderão ser indenizadas terras já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório (o que não exclui a possibilidade de rediscussão aventada por Moraes); não trata da possibilidade de "compensação" de terras; e separa os procedimentos de demarcação e de indenização em dois, de modo a que a indenização não inviabilize a demarcação.

Ainda que amenizada, a possibilidade de indenização da terra nua, mesmo com o texto constitucional prevendo expressamente o contrário, ou seja, que a indenização é apenas sobre as benfeitorias, embora não interrompa imediatamente os processos demarcatórios pode vir a também os inviabilizar na prática. Pois o custo de tais indenizações poderia vir a ser estratosférico, o que poderia afetar a concretização de outros direitos, tendo em vista os limitados recursos estatais.

Aliás, indenização nem deveria ser tema deste julgamento. E, se fosse para extrapolar o tema com algum tema acessório, que fosse para determinar que a União conclua, enfim, a demarcação das terras indígenas, já que o constituinte definiu o prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição para tal medida. Ou seja, estamos 30 anos atrasados.

Essa tentativa de criar mecanismos de indenização ou outras medidas que mitiguem o que está expresso em uma regra constitucional, como se conciliatórios fossem, é extremamente perigosa.

Estamos vivendo o julgamento mais importante da história do STF, cujo resultado pode afirmar a existência jurídica dos povos indígenas, reconhecer suas diferenças e a importância delas para a sociedade, pavimentando o caminho para as reparações históricas que o país fatalmente terá um dia que enfrentar.

Sim, ao Brasil, resta três grandes reparações históricas: a do genocídio indígena, a da escravidão e a da ditadura que começou em 1964.

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Tais reparações não passam apenas pelo Poder Judiciário, mas por ele passam, principalmente por sua mais alta corte.

Buscar soluções pseudoconciliatórias contra a literalidade da Constituição e dos direitos por ela protegidos, inventando indenizações para aqueles que se locupletaram e enriqueceram com violações históricas, não parece o melhor caminho para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária que consiga romper com seus problemas crônicos e estruturais de discriminações e privilégios.

Rechaçar completamente a tese do marco temporal é reconhecer que este país foi fundado sobre o genocídio indígena. Mas tal reconhecimento só tem relevância se o que se busca é mudar o sistema que floresceu graças a esse genocídio e que ainda o explora.

Não é inventando uma tese que contraria a Constituição e que, de algum modo, vitimiza posseiros de terras indígenas que haverá algum avanço.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL