Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bolsonarismo vê PEC como 1º passo para anular decisões do STF no Congresso

A grita dos ministros do Supremo Tribunal Federal e de uma parte do mundo jurídico contra a PEC que limita decisões monocráticas da corte não se deve ao texto em si, mas ao precedente que carrega. Ou seja, a cúpula do Poder Legislativo reduzir os poderes da cúpula do Poder Judiciário por retaliação.

Pois a aprovação da restrição das decisões individuais de ministros que tratam de ações relacionadas a outros poderes ocorre não em um contexto de um debate mais amplo de reforma, mas de forma oportunista.

O texto não é lá tão diferente do movimento que vinha sendo tomado pela própria corte sob a presidência de Rosa Weber para limitar decisões monocráticas - que, por exemplo, impediram que Lula assumisse como ministro-chefe da Casa Civil da Dilma, em 2016, o que poderia ter evitado o impeachment.

Além disso, o próprio STF, responsável por julgar a constitucionalidade de leis, vai abatê-la antes que levante voo.

Mas esse é um abate que o bolsonarismo aguarda com ansiedade. Contam com ele para reforçar sua velha narrativa distorcida de que o STF é um poder autoritário e atua à revelia dos demais - quando, na verdade, foi fundamental para evitar a consumação do golpe bolsonarista.

A medida aprovada no Senado, na prática, atua como uma trinca na relação entre os dois poderes. A partir do momento em que ela aparece, fica mais fácil rachar a relação, aprovando outras ideias que já circulam no Legislativo.

Uma das piores é a que garante ao Congresso derrubar decisões judiciais do STF, defendido com vigor pelo bolsonarismo. Esse modelo não é novidade e vem sendo empurrado por governos pouco afeitos à democracia, como o de Benjamin Netanyahu em sua reforma para emparedar a Suprema Corte local.

O primeiro-ministro de Israel teve interesse próprio e reduzir o poder do Judiciário por conta das acusações de corrupção contra ele e o risco de ir parar no xilindró. Tal qual seu antigo aliado por aqui, hoje ex-presidente, que está mais próximo da Papuda do que voltar ao Palácio do Planalto.

Não à toa, o bolsonarismo adoraria transformar o Brasil no caos da política israelense pré-guerra. Ou até na política israelense de guerra, haja visto que botar Gaza abaixo para caçar os terroristas do Hamas é muito semelhante à defesa que a extrema direita faz aqui de metralhar a favela para caçar narcotraficante.

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A tendência é o presidente da Câmara Arthur Lira botar o projeto na mesma gaveta que já guardou, um dia, dezenas de pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro - que serviram para ajudar a manter o ex-presidente no cabresto político.

Pode ficar lá um tempo, lembrando ao Supremo de que a trinca pode ser criada e, a partir daí, só Deus sabe o que acontece. Um instrumento de dissuasão para que o STF não declare inconstitucionais todas as leis inconstitucionais aprovadas pelo parlamento. Como o marco temporal das terras indígenas, que favorecia o naco arcaico do agronegócio.

Os ministros da corte perceberam até onde isso pode dar e se manifestaram, mudando o tom anteriormente posto pelo presidente Luís Roberto Barroso de que nenhum debate era tabu. Tabu não é, mas fratricídio é o primeiro crime cometido pela humanidade sob o ponto de vista da civilização judaico-cristã. No meio do caminho, a base do governo Lula vota a favor e contra a proposta, acendendo uma vela para o céu e outra para o inferno em nome da governabilidade.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL