Pelo WhatsApp, fazendeiros organizam ataque a indígenas, queimadas e golpe
O assassinato da indígena Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó, e a tentativa de homicídio de seu irmão, o cacique Nailton Muniz, no último domingo (21), no Sul da Bahia, reforçam o papel do WhatsApp para o cometimento de crimes de fazendeiros organizados em milícias rurais.
O Ministério dos Povos Indígenas afirmou que cerca de 200 desses criminosos, entre produtores rurais e comerciantes, se organizaram usando a plataforma para tramar um ataque ao acampamento do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe a fim de retomar a área com as próprias mãos. Ou seja, sem decisão judicial, o que é ilegal. O Movimento Invasão Zero convocou o ataque.
Ainda é necessário esclarecer se a polícia garantiu segurança aos milicianos, concordou com o crime através de sua inação ou foi incompetente por não ter impedido. Tanto o Ministério Público Federal quanto as Defensorias Publicas do Estado e da União apontam que a ação pode ter contado com a participação de policiais.
Em dezembro, o cacique Lucas Pataxó também foi assassinado. Segundo a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), ao longo de uma década anos 29 indígenas Pataxó Ha-Hã-Hãe foram mortos "devido à morosidade na demarcação e homologação das terras indígenas".
Essa violência organizada por via digital não é novidade, nem monopólio da Bahia. Por exemplo, em 2016, um indígena morreu e outros seis ficaram feridos no que ficou conhecido como o Massacre de Caarapó, no Mato Grosso do Sul. Segundo o Ministério Público Federal, fazendeiros organizaram via WhatsApp e executaram um ataque à comunidade Tey'i Kue em 14 de junho daquele ano. Teriam participado cerca de 40 caminhonetes, com três pás carregadeiras e mais de 100 pessoas, muitas delas armadas.
O objetivo seria retirar um grupo de 40 indígenas Guarani-Kaiowá de uma propriedade ocupada por contra própria. O ataque ocorreu após a publicação, pelo governo federal, de um relatório antropológico que reconhecia o direito desses povos sobre uma área onde estavam produtores.
A ação armada resultou na morte do indígena Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza, que era agente de saúde, com um tiro no abdômen e outro no tórax. Outros seis, inclusive uma criança de 12 anos, foram atingidos por disparos e ficaram gravemente feridos.
O MPF denunciou Virgílio Mettifogo, Nelson Buaianin Filho, Jesus Camacho, Dionei Guedin e Eduardo Yoshio Tomonaga ainda em 2016, e eles ficaram um tempo presos. Respondem, agora, em liberdade, pelos crimes de formação de milícia armada, homicídio qualificado, tentativa de homicídio qualificado, dano qualificado e constrangimento ilegal. A 1ª Vara da Justiça Federal em Dourados decidiu que os cinco serão levados ao Tribunal do Júri por conta do crime.
O mesmo modus operandi usado contra indígenas também é empregado no ataque ao meio ambiente.
O Dia do Fogo, quando fazendeiros do Pará combinaram de atear fogo na Amazônia, em 2019, por exemplo, foi organizado pelo WhatsApp. Nos dias 10 e 11 de agosto daquele ano, os sistemas de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectaram 1.457 focos de incêndio no estado, 2.000% a mais em relação ao ano anterior.
E, claro, na investida contra a democracia. Produtores rurais foram apontados como financiadores de bloqueios de rodovias e acampamentos de bolsonaristas que defendiam um golpe militar, primeiro para impedir que Lula chegasse ao poder após ter vencido as eleições, depois para derrubá-lo do cargo e devolver Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto.
Depois, apareceram como tendo ajudado a bancar a ida de militantes de extrema direita a Brasília para a fracassada tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro, que terminou com a invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
Investigação da Repórter Brasil, publicada em janeiro do ano passado, aponta que o PIX de uma loja de informática do Sul do Pará era divulgado por pecuaristas da região via WhatsApp a fim de arrecadar recursos para os acampamentos golpistas no estado e na capital federal. Lembrando que o núcleo de Brasília foi usado como base para queimar ônibus e carros, plantar uma bomba a fim de explodir o aeroporto e atacar as sedes dos Três Poderes.