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Violência em reintegração de posse traumatiza crianças do Pinheirinho

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

22/01/2013 06h00

Mesmo com apenas 11 anos de idade, Iris Guimarães de Oliveira parece ter muito a contar sobre sua experiência de vida. Com um tímido sorriso nos lábios e um brilho nos olhos tristes, a criança volta no tempo e relembra o fatídico dia da reintegração de posse do Pinheirinho, em São José dos Campos, cidade no Vale do Paraíba a 97 km da capital paulista, um ano atrás, em 22 de janeiro de 2012.

"Um dia que nunca mais vou esquecer", diz. A fala é interrompida por um choro com direito a soluço mas, logo o fôlego é retomado e ela continua: "Estava ao lado de outras crianças quando, de repente, uma bomba de gás caiu próximo de mim. Fiquei desesperada e sai correndo. Meu corpo tremia dos pés as cabeças e não conseguia controlar o choro. Queria parar de chorar, mas era mais forte do que eu", contou.

As lembranças desse dia também se misturam com tudo que ela teve que deixar para trás. "Meus brinquedos ficaram todos na minha casa, que foi destruída. Meus quatro cachorros se perderam no meio de toda a confusão. E meu gatinho deve ter sido queimado junto com o material reciclado do meu pai", recorda.

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Iris também lamenta ter se distanciado dos amigos que fez na comunidade e ter tido que trocar de escola. "Nesta nova escola, um menino de chamou de favelada e sem-teto", lembrou ela, que voltou a chorar. E, ao ser questionada sobre seu maior sonho, a resposta é rápida e direta: "Voltar a morar no Pinheirinho."

A irmã mais nova de Iris, Talita Estefani de Oliveira, de seis anos, é bem mais reservada. Mas, embora não tenha falado muito sobre suas lembranças, diz ter bastante medo de policiais. "Toda vez que ela vê um policial, se esconde", afirma o pai das meninas, José Nivaldo de Melo, 44.

Medo também compartilhado por Michael Gabriel Silva, 6, que ao passar em frente ao terreno do Pinheirinho exibe um sorriso e mostra para a equipe de reportagem do UOL onde brincava com os amigos. "Até fugia da minha mãe para poder jogar bola com eles. Agora, não tenho mais com quem brincar", conta.

Entenda o caso

No dia 22 de janeiro de 2012, a Polícia Militar de São Paulo entrou no terreno conhecido como Pinheirinho, em São José dos Campos, interior de São Paulo, para cumprir o mandado de reintegração de posse da área, que pertence à massa falida da empresa Selecta, do grupo do empresário Naji Nahas. O terreno de 1,3 milhão de metros quadrados, ocupado desde 2004, abrigava cerca de 9.000 pessoas.

A ordem de desocupação foi expedida pela juíza estadual Márcia Loureiro, mesmo após o TRF (Tribunal Regional Federal) ter suspendido a ação. Apenas na noite do fatídico dia 22 que o Superior Tribunal de Justiça emitiu uma decisão liminar que dava a competência sobre a permissão de reintegração de posse para a Justiça Estadual.

Área é desocupada pela PM
em São José dos Campos (SP)

  • Arte/UOL

A ação, que durou três dias, foi marcada por violência. Ao menos uma pessoa ficou ferida com gravidade e pelo menos 22 foram detidas. O aposentado Ivo Teles dos Santos, que teria sido espancado por três policiais durante a ação, morreu em abril do mesmo ano de traumatismo craniano.

Todos os moradores desalojados foram identificados com uma pulseira e encaminhados para abrigos na cidade, como quadras e igrejas. Na ocasião, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, prometeu a construção de moradias para as famílias em até três anos e ofereceu um aluguel social no valor de R$ 500 até que as unidades habitacionais fiquem prontas.

Ao todo, 138 animais de estimação dos moradores da comunidade foram levados a dois canis particulares de São José dos Campos (SP). Os animais foram recolhidos por veículos do centro de controle de zoonoses e por empresas especializadas. Os gastos com cada animal foi quase o dobro do valor da bolsa aluguel pago às famílias despejadas.

No dia 31 de janeiro, organizações não governamentais encaminharam à ONU (Organização das Nações Unidas) e à OEA (Organização dos Estados Americanos) um relatório denunciando violações de direitos humanos que teriam ocorrido durante a desocupação da área.

Até julho do mesmo ano, a Defensoria Pública de São Paulo já havia ingressado com cerca de 600 ações judiciais de indenização em favor dos ex-moradores do Pinheirinho.

Um leilão do terreno, avaliado em R$ 187,4 milhões, foi marcado para outubro de 2012, mas as famílias do Pinheirinho entraram com uma ação na Justiça questionando o pregão e conseguiram suspendê-lo por tempo indeterminado.