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"Manifestantes de hoje são filhos da democracia cobrando as promessas dela", diz pesquisador da USP

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

22/06/2013 06h00

Jovens e adolescentes que têm saído pelas ruas do Brasil em uma onda de protestos nos últimos dias são “filhos” de um sistema democrático que encheu as gerações anteriores de promessas, mas não as cumpriu.

A análise é do sociólogo José Álvaro Moisés, coordenador do grupo sobre a qualidade da democracia no IEA (Instituto de Estudos Avançados), da USP (Universidade de São Paulo), que reúne os principais pesquisadores do tema no país.

Em entrevista ao UOL, o estudioso, que esteve na manifestação na Paulista na última quinta-feira (20), disse o desfile de uma série de cartazes sem um foco unificado nas reivindicações são reflexo não só das “promessas não cumpridas” sobretudo por organismos como partidos políticos, como desejo de ocupar o espaço público.

“Falei com muitos manifestantes e boa parte tinha 22, 25, 27 anos –todos, filhos da democracia dos anos 80. Esse pessoal resolveu dizer que quer que as promessas desse sistema democrático sejam cumpridas  e resolveu apresentar no espaço público suas propostas, como se fosse um post do Facebook. E isso tem uma energia, um fluxo de força muito forte”, disse.

"Mal estar com a democracia" explica expulsão de partidos

Episódios como a expulsão de partidos políticos dessas manifestações –nascidas a partir do MPL (Movimento Passe Livre), inicialmente, pela redução das tarifas de transporte coletivo --, na avaliação do pesquisador, ocorreram “em um contexto de mal estar com a democracia”.

“A continuidade dessas manifestações depende de como movimentos como o Passe Livre vão tratar os temas abraçados daqui em diante. Nisso, o MPL viverá um dilema: ficará só no tema inicialmente abraçado, ou, se não quiser ficar apenas no aspecto de transporte, terá uma palavra de ordem específica às causas que vieram no bojo dessas manifestações?”, indagou. “Esses jovens iniciaram algo que cresceu muito e não podem abandonar isso agora. Duvido que vão abandonar.”

"Partidos deixaram de intermediar anseios da sociedade"

Na avaliação do pesquisador, comportamentos que resultaram na expulsão de representantes de partidos políticos nas últimas manifestações refletem o que ele chama de perda de função de intermediação desses grupos entre o anseio popular e os governantes.

“Já fizemos pesquisas que apontam que as instituições campeãs de desconfiança por parte do cidadão, nesta ordem, são os partidos políticos e Congresso. A análise das pessoas é que os partidos e os parlamentares estão mais preocupados em atender interesse de seus próprios membros que os da população”, disse. “A democracia só funciona com partidos, eles são necessários. Mas precisam se renovar e recobrar essa intermediação de interesses que estão na sociedade e não são necessariamente representados”.

De acordo com o sociólogo, a “perda de característica” dos partidos, desde 1988, com “diluição de programas e alinhamento ao centro” atingiu em cheio os jovens de agora.

“Agora esses jovens são eleitores que, sem ver um canal para levar para dentro do sistema político suas reivindicações, suas utopias, passam a se manifestar diretamente –seja nas ruas, nas redes sociais. Olhando com mais cuidado, não é que esses jovens pensem que não precisam dos partidos: a crítica a eles é que, do jeito que eles estão funcionando, não está certo”.

"Cidadão se reapropriou do espaço público"

Se as causas abraçadas pelo MPL e pelos manifestantes podem extravasar as manifestações em redes sociais e ir para as ruas – a exemplo da tarifa?

“Se os partidos entenderem o recado das ruas, farão um processo de mudança interna para poder analisar essas reivindicações e reconhecer a relevância delas. Mas o lado positivo que ficou é que, pela primeira vez, essas gerações de fato se se apropriaram do espaço público --dominado normalmente pelo excesso de trânsito e o qual não se consegue usufruir”, declarou, para completar: “Cada cartaz nessas manifestações é um post, era a mensagem que aquele indivíduo queira levar ao espaço público reapropriado. É como se as pessoas ali sentissem que a cidade, de fato, é delas.”

OS PROTESTOS EM IMAGENS (Clique na foto para ampliar)

  • Manifestante tenta invadir a sede da Prefeitura de São Paulo, na região central da cidade

  • Carro de TV Record é incendiado em frente à Prefeitura de São Paulo durante protestos

  • Manifestante corre ao lado de estabelecimento comercial em chamas no centro de São Paulo

  • PM espirra spray de pimenta em manifestante durante protesto no Rio

  • Em Brasília, manifestantes conseguiram invadir a área externa do Congresso Nacional

  • Milhares de manifestantes tomam a avenida Faria Lima, em SP

  • Após protesto calmo em SP, grupo tenta invadir o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo

  • Manifestantes tentam invadir o Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio

  • Um carro que estava estacionado em uma rua do centro do Rio foi virado e incendiado

  • Cláudia Romualdo, comandante do policiamento de Belo Horizonte, posa com manifestantes