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Tudo de ruim acontece aqui, diz moradora de favela no Rio onde 10 morreram em ação do Bope

Segundo a ascensorista Maria José Pereira, a polícia não tem respeito por quem mora na favela - Julia Affonso/UOL
Segundo a ascensorista Maria José Pereira, a polícia não tem respeito por quem mora na favela Imagem: Julia Affonso/UOL

Julia Affonso

Do UOL, no Rio

02/07/2013 15h25

"Tudo de ruim acontece aqui dentro, porque a gente se cala. Se botar a boca no mundo, a polícia não vai mais chegar aqui de forma truculenta", diz a ascensorista Maria José Pereira, 41, moradora há 40 anos do Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro. Ela participa, na tarde desta terça-feira (2), de um ato ecumênico em memória de dez mortos durante uma operação do Bope (Batalhão de Operações Especiais) nos dias 24 e 25 de junho. A manifestação após o ato ecumênico reúne cerca de 2.000 pessoas.

Segundo Maria, a polícia não tem respeito por quem mora na favela. "Aqui é na base do tapa na cara, do esculacho. Em abril, a polícia chegou aqui e entrou na minha casa. Eu fui acordada com um fuzil na cara", conta.  "As pessoas têm medo de vir, mas têm que protestar."

Ela contou que as entradas do Bope na Maré têm sido constantes este ano. No dia da operação que terminou com a morte das dez pessoas, ela estava chegando ao complexo. "Fiquei do lado de fora esperando acabar para entrar. Era muito tiro. Bandido tem que prender, e não matar”, disse. “Matar é um troféu para eles [policiais]."

Segundo a ONG Redes da Maré, a manifestação deve acontecer na passarela 9 da avenida Brasil. "Os fatos ocorridos na comunidade Nova Holanda são tragicamente comuns em diversas favelas da cidade do Rio de Janeiro. Sabemos muito bem qual é a sua cor e sua dor. Precisamos dizer: Nunca mais!", diz um texto divulgado pela organização.

A nota cita ainda o nome de todos os mortos na operação policial: Ademir da Silva Lima, 29, André Gomes de Souza Júnior, 16, Carlos Eduardo Silva Pinto, 23, Ednelson dos Santos (sargento do Bope), 42, Eraldo Santos da Silva, 35, Fabrício Souza Gomes, 26, Jonatha Farias da Silva, 16, José Everton Silva de Oliveira, 21, Renato Alexandre Mello da Silva, 39, e Roberto Alves Rodrigues.

Veja divulgado pela PM mostra homens armados

A Polícia Militar entrou na comunidade no fim da tarde do dia 24 de junho, em busca de homens que aproveitaram uma manifestação nas proximidades para promover arrastão, roubando mercadorias de lojas e assaltando motoristas que passavam pela avenida Brasil. Entre os mortos, estão um policial do Bope e outros três moradores que não tinham antecedentes criminais.

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A ação gerou diversas manifestações de organizações de direitos humanos. O Conselho Universitário da UFRJ(Universidade Federal do Rio de Janeiro) divulgou uma moção criticando a ação do Bope e afirmando acompanhar com indignação as "ações militarizadas truculentas nas regiões mais carentes de recursos da cidade, que evidenciam o tratamento diferenciado que o Estado ainda confere às populações pobres".

Já a ONG Justiça Global anunciou que vai denunciar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entidade da OEA (Organização dos Estados Americanos), o subcomandante do Bope, major João Jacques Busnello, responsável pela operação na favela Nova Holanda.

Preocupada com o agravamento da situação, a Anistia Internacional Brasil entrou em contato com o comando da operação, com o gabinete do Secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, e com o gabinete do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), solicitando que não houvesse mais violência.

"Uma operação policial com nove mortos não pode ser considerada bem sucedida. A polícia não pode tratar a favela como se ali fosse um território de exceção, é preciso romper a lógica da guerra. As pessoas que vivem na favela precisam ter seus direitos reconhecidos, os criminosos são uma minoria", afirmou Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional Brasil. "Uma atuação mais cuidadosa da polícia certamente evitaria a morte de muitos inocentes."