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Análise: manifestações no Pará abordam do transporte fluvial à morte de bebês

Manifestantes se concentraram em frente ao Mercado de São Brás, em Belém, no dia 24 de junho - Thiago Gomes/Futura Press
Manifestantes se concentraram em frente ao Mercado de São Brás, em Belém, no dia 24 de junho Imagem: Thiago Gomes/Futura Press

Roberto Ribeiro Corrêa*

Especial para o UOL

03/07/2013 07h00

As manifestações no Pará seguem o mesmo ritmo das que ocorrem em outros Estados da federação, tendo por motivação básica a insatisfação dos jovens com a política e com os políticos. Se em Belém elas iniciaram com a demanda do passe livre, seu avanço acabou por transformá-las em estradas cognitivas que têm por consequência o surgimento de postulações difusas e variadas, algumas até próximas as postulações de direita, como a que pede a redução da idade mínima para adolescentes infratores, bem exemplificadas em alguns cartazes. Em termos de personas políticas, o alvo principal das criticas tem sido a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. São inúmeros, entretanto, os cartazes direcionando críticas às administrações municipal e estadual, sobretudo em razão do descalabro em que se encontram os serviços públicos de saúde, educação, mobilidade urbana e segurança, entre outros.

O acordar do “monstro kubitchekiano”**, como em todo o Brasil, deveu-se, em grande parte, às novas tecnologias da informação, que têm nas redes sociais o esforço da autoinformação que, reativa à vídeopolitica dos poderosos meios de comunicação de massas, traduzem em ódio o desvendar dos absurdos vigentes na representação política brasileira, com seus continuados escândalos de corrupção, mordomias e privilégios, que fazem do público um universo decisório a serviço das facções estruturadas para atuar nos três Poderes, em todos os níveis da federação, tornando ineficazes as políticas públicas. Ou seja, parece que estamos diante de uma inflexão qualitativa das relações Estado-sociedade, cumprindo o mais antigo preceito da lógica política: quando a sociedade muda, mudam também as instituições estatais. Daí o aparecimento da demanda genérica por reforma política e da solidariedade global às jornadas do despertar da virtude cívica nacional. Daí a necessidade de atualizar a divisa revolucionária marxista por: “internautas do mundo inteiro, uni-vos na fiscalização dos poderes públicos”.

Mapa dos protestos

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Outra particularidade importante das manifestações no Pará é que, graças aos fortes efeitos residuais da consulta plebiscitária sobre a redivisão territorial do Estado, as manifestações tornaram-se regionalizadas e diferenciadas em algumas demandas específicas de cada cidade, na dependência de sua localização coincidir com os projetos derrotados de criação dos Estados do Carajás, Tapajós e Pará Remanescente, ou, simplesmente, Pará. Atores políticos bem votados nessas regiões acabam influenciando, mesmo que indiretamente, por meio de militantes infiltrados, a escolha dos alvos preferenciais dos protestos da massa, demonstrando, com isso, a hipótese basilar de que política e território andam juntos.

Como efeito da regionalização da política paraense, despontam, pela sincronia das redes sociais, as manifestações em cidades como Belém (Pará), Ananindeua (Pará), Castanhal (Pará), Capanema (Pará), Cachoeira do Arari (Pará), Santa Cruz do Arari (Pará), Marabá (no que seria o Estado de Carajás), Redenção (Carajás), Parauapebas (Carajás), Tucuruí (Carajás), Pacajá (Carajás), Novo Repartimento (Carajás), Santarém (no que seria o Estado de Tapajós) e Altamira (Tapajós). Em comum, as manifestações regionais metropolitanas e interioranas apresentam como prioridade as questões da saúde e da educação, sendo a corrupção um tema presente em todas, geralmente acoplado à reforma política. Nas questões específicas aparece, mormente nas cidades do interior, a qualidade e o preço dos transportes rodoviários (Carajás) e fluviais (Tapajós e Pará), além das péssimas condições das estradas, praticamente intrafegáveis nas épocas coincidentes com o inverno amazônico.

No que toca aos aspectos político e partidário das passeatas, vale a pena reportar as observações das estudantes Thais Oliveira Pinheiro e Taritha Figueiredo, bolsistas e pesquisadoras da UFPA/CNPq /GEPEM, participantes das demonstrações de rua. Suas observações dão conta de um sem número de reivindicações, como as que dizem respeito aos direitos das mulheres, dos homossexuais, educação, saúde, transporte público, corrupção; e outros temas visíveis nos cartazes, como os que denunciam a tragédia da morte de dezenas de bebês no Hospital da Santa Casa de Misericórdia, além de temas outros como a natureza suprapartidária do movimento e as criticas direcionadas a grande mídia. As pesquisadoras destacam o Facebook como importante instrumento de mobilização e informação. Segundo elas, nas redes sociais, o movimento, além de informar o dia e a hora das manifestações, estimula, sobretudo entre os mais jovens, o debate sobre temas políticos, como partido, esquerda, direita, democracia, Estado, sociedade e tantos outros; alertando os participantes sobre os riscos de desmoralização e desagregação do movimento caso não seja coibida à ação dos vândalos e dos marginais infiltrados.

Manifestação por melhorias no transporte hidroviário e contra o aumento na tarifa são temas das manifestações ocorridas na cidade de Cachoeira do Arari e outras do arquipélago do Marajó. De acordo com o relato de um dos manifestantes, a tarifa passou recentemente de R$ 15 para R$ 20 no trecho Belém-Cachoeira do Arari. Os protestos denunciaram a ação monopolista das empresas responsáveis, incorporando ao mesmo tempo pesadas críticas ao governo do Estado por seu descaso diante do problema.

O Movimento Belém Livre, segundo as pesquisadoras, ao que parece, estaria tomando um rumo diferenciado de seus propósitos iniciais. Dizem elas que se antes parecia ser um movimento centrado e alinhado ao movimento nacional pela redução tarifa e passe livre, agora parece mais disperso e sem uma meta política definida, incorporando demandas múltiplas e difusas. Tudo leva a crer que o movimento está seguindo uma tendência nacional de ataque ao governo federal centrado na figura da presidente Dilma e do ex-presidente Lula.


No Pará, as críticas, em Belém, se orientam em variadas direções, atacando políticos de quase todos os grandes partidos (em especial PT, PTB, PSDB e PMDB), independentemente da orientação ideológica ser de esquerda, centro ou direita. Mesmo diante desse paradoxo, uma pergunta não quer calar: por que ainda não houve passeata dirigida à Câmara Municipal de Belém? Afinal, não é o poder legislativo corresponsável pela aprovação de leis de impacto na administração municipal? No Rio de Janeiro e em outras metrópoles esse tipo de jornada ocorreu. Será que em Belém essa prática política não interessa a algumas lideranças partidárias de elevada protuberância no interior do movimento, em sua maioria integrante da esquerda extremada (PSTU e PSOL)? Quais as razões desse comportamento político diferenciado? Amnésia política ou ação destinada a provocar queda da popularidade de seus adversários políticos, Dilma Rousseff, Zenaldo Coutinho e Simão Jatene, entre outros? Ou seja, as ações políticas nas passeatas de Belém, do restante do Pará e do Brasil, têm por desdobramento inevitável as eleições gerais de 2014.

Num adequado postscriptum, vale dizer que logo após o encerramento deste artigo (30 de junho), vim a conhecer fatos que terminam por relativizar a hipótese acima. A Câmara Municipal de Belém acaba de ser ocupada (na manhã de 2 de julho) pelos manifestantes que, em número de 600, passaram a noite do dia 1º para 2 de julho acampados no prédio da mesma, exigindo sessão especial para aprovar o Plano Plurianual - PPA, tendo por foco político a aprovação do passe livre para estudantes, a redução da tarifa de ônibus para R$ 2 e o  congelamento desta por dois anos. O movimento promete não desocupar o prédio do legislativo municipal belenense enquanto essas reivindicações não forem aprovadas. Relatos da imprensa local dão conta de que o movimento estaria sendo marcado pelas declarações e pronunciamentos de lideranças estudantis ligadas a PPS, PSOL e PSTU.

* Roberto Ribeiro Corrêa é professor doutor em ciência política, pesquisador da UFPA/FCS/PPGCP

** Alusão à frase proferida pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek, em 1974, frente à derrota da ditadu-ra nas urnas: “O que vai acontecer, não sei. Soltaram o monstro. Ele está em todos os lugares”.