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"Não se trata de fato isolado", diz MP sobre tortura de Amarildo na UPP da Rocinha

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

23/10/2013 06h00

A denúncia apresentada à Justiça pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), nesta terça-feira (22), deixa clara a convicção dos promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de que a tortura praticada contra o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, 43, morador da favela da Rocinha, na zona sul da cidade, fazia parte da rotina dos policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da comunidade.

"O crime de tortura ora imputado não se trata de fato isolado no comportamento dos denunciados. A prova dos autos demonstra que o atuar violento é rotineiro, tanto assim que também foram denunciados pelo crime de formação de quadrilha armada", relata o documento.

Nesta terça, outros 15 policiais militares foram denunciados por participação na morte de Amarildo. Ao todo, a denúncia responsabiliza 25 PMs pelo desaparecimento -- Amarildo foi visto pela última vez no dia 14 de julho. Todos foram denunciados por tortura seguida de morte, 17 por ocultação de cadáver, 13 por formação de quadrilha e quatro por fraude processual.

O Ministério Público pediu a prisão preventiva de três dos 15 PM que integram a nova denúncia: o sargento Reinaldo Gonçalves, o sargento Lourival Moreira e o soldado Vagner Soares do Nascimento, que foi concedida pela juíza Daniela Alvarez Prado na noite da terça-feira (22).

A inclusão de mais policiais ocorreu após cinco PMs da UPP da Rocinha mudarem seus depoimentos ao Gaeco. Os dez PMs denunciados após o encerramento do inquérito da DH (Divisão de Homicídios) da Polícia Civil, no início do mês, já estão presos. Entre eles estão o ex-comandante da UPP da Rocinha, major Edson Santos, e o ex-subcomandante, tenente Luiz Felipe de Medeiros.

CÂMERAS NÃO FUNCIONARAM

  • Alessandro Buzas/Futura Press

    A ONG Rio de Paz colocou manequins na praia de Copacabana, na zona sul, em protesto contra o desaparecimento de Amarildo

  • As câmeras da UPP da Rocinha pararam de funcionar no mesmo dia em que Amarildo foi levado para lá por policiais "para averiguação". O relatório da empresa Emive mostra que, das 80 câmeras instaladas na favela, apenas as 2 da sede da UPP apresentaram problemas. MAIS

"Como integrantes de uma inovadora polícia, de uma polícia dita pacificadora, que tem como norte trazer de volta à população da comunidade o real sentido de cidadania, foi neles depositada a esperança de uma sociedade já há muito subjugada pela violência do tráfico de entorpecentes. Significavam para os moradores do local o Poder Público digno de crédito", descreve a denúncia.

"No entanto, optaram por fazer exatamente o que estavam por lei e juramento obrigados a reprimir, atingindo sobremaneira a tranquilidade e a paz social. Com seu comportamento criminoso, desonraram a instituição a que pertencem, gerando profunda insegurança na sociedade que deveriam proteger e descrédito na corporação que deveriam enaltecer", criticam os quatro promotores que assinaram o documento, Cláucio Cardoso da Conceição, Carmen Eliza Bastos de Carvalho, Daniel Faria Braz e Felipe Soares Tavares Morais, todos do Gaeco.

Na denúncia, o Ministério Público também solicitou o afastamento dos 15 PMs de suas funções. Na noite desta terça, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora informou que eles já foram afastados, por determinação do corregedor da Polícia Militar, Cezar Tanner.

BLOG DO MÁRIO MAGALHÃES

"A coragem que tempera o inquérito do caso Amarildo é inversamente proporcional ao destaque diminuto que as conclusões policiais receberam nos meios de comunicação: parece que se trata apenas de mais uma peça produzida pela Polícia Civil do Rio de Janeiro"

Ainda de acordo com o MP, nessa segunda parte da investigação foi possível identificar quatro dos policiais que participaram diretamente da tortura de Amarildo. São eles o sargento Reinaldo Gonçalves, o soldado Anderson Maia, tenente Luiz Medeiros e o soldado Douglas Vital, conhecido como "Cara de Macaco", um dos oito PMs que abordaram Amarildo na favela.

Durante a entrevista coletiva que apresentou a nova denúncia, Cezar Tanner afirmou que a corporação "não vai titubear em tomar a atitude que tem que tomar". "Não compactuamos com desvios de conduta e, nesse caso, infelizmente, houve", declarou.

Tortura

Para a Polícia Civil, Amarildo foi torturado e morto depois de ter sido levado por policiais para a sede da UPP da Rocinha, um dia depois de a PM realizar a operação Paz Armada, que investigou o tráfico de drogas na Rocinha.

De acordo com o delegado titular da DH, Rivaldo Barbosa, que coordenou a investigação, as pessoas que se disseram vítimas de tortura de policiais da unidade foram ouvidas de março a julho deste ano para revelar detalhes do esquema do tráfico de drogas no local.

Todas as 22 testemunhas que narraram mecanismos de tortura apontam homens comandados pelo major Edson Santos (ex-comandante da UPP afastado no mês passado após ser denunciado pelo caso Amarildo) como agressores. Pela linha de investigação da polícia, Amarildo seria a 23ª vítima do grupo - e a única que foi morta.

Asfixia com saco plástico, choque elétrico com corpo molhado, introdução de objetos nas partes íntimas e até ingestão de cera líquida eram alguns dos "castigos" aplicados aos moradores da Rocinha, dentro e fora das dependências da UPP -- alguns depoimentos falam em sessões de tortura em becos da comunidade, incluindo o beco do Cotó, onde, segundo a polícia, Amarildo foi sequestrado.

À época do desaparecimento do pedreiro, o ex-comandante da unidade sustentou que Amarildo foi ouvido e liberado, mas nunca apareceram provas que mostrassem o pedreiro saindo da UPP, pois as câmeras de vigilância que poderiam registrar a saída dele não estavam funcionando.

Os 25 PMs da UPP da Rocinha réus no caso Amarildo

Major Edson Raimundo dos SantosTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha / Fraude processual (2x)
Tenente Luiz Felipe de MedeirosTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha / Fraude processual (2x)
Soldado Marlon Campos ReisTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha / Fraude processual
Soldado Douglas Roberto Vital MachadoTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha / Fraude processual
Sargento Jairo da Conceição RibasTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Anderson Cesar Soares MaiaTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Fábio Brasil da Rocha da GraçaTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Jorge Luiz Gonçalves CoelhoTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Victor Vinicius Pereira da SilvaTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Wellington Tavares da SilvaTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Sargento Reinaldo Gonçalves dos SantosTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Sargento Lourival Moreira da SilvaTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Wagner Soares do NascimentoTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Rachel de Souza PeixotoTortura / Ocultação de cadáver
Soldado Thaís Rodrigues GusmãoTortura / Ocultação de cadáver
Soldado Felipe Maia Queiroz MouraTortura / Ocultação de cadáver
Soldado Dejan Marcos de Andrade RicardoTortura / Ocultação de cadáver
Sargento Rodrigo Molina PereiraTortura (por omissão)
Soldado Bruno dos Santos RosaTortura (por omissão)
Soldado João Magno de SouzaTortura (por omissão)
Soldado Jonatan de Oliveira MoreiraTortura (por omissão)
Soldado Márcio Fernandes de Lemos RibeiroTortura (por omissão)
Soldado Rafael Bayma MandarinoTortura (por omissão)
Soldado Sidney Fernando de Oliveira MacárioTortura (por omissão)
Soldado Vanessa Coimbra CavalcantiTortura (por omissão)