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Mãe de jovem morto por ex-deputado diz que irá às ruas por julgamento

Christiane Yared, 53, mãe de Gilmar Yared, 26, um dos jovens mortos no acidente envolvendo o ex-deputado paranaense Luiz Fernando Ribas Carli Filho (sem partido), em 2009 - Osny Tavares/UOL
Christiane Yared, 53, mãe de Gilmar Yared, 26, um dos jovens mortos no acidente envolvendo o ex-deputado paranaense Luiz Fernando Ribas Carli Filho (sem partido), em 2009 Imagem: Osny Tavares/UOL

Osny Tavares

Do UOL, em Curitiba (PR)

19/02/2014 06h00

“Se não for decidido pelo júri popular, convoco uma manifestação nas ruas”, diz Christiane Yared, 53, mãe de Gilmar Yared, 26, um dos jovens mortos no acidente envolvendo o ex-deputado paranaense Luiz Fernando Ribas Carli Filho (sem partido), em 2009.

Na quinta-feira (20), deve chegar ao fim um processo que se arrasta há cinco anos. O Tribunal de Justiça do Paraná vai avaliar se o réu irá a júri popular, dando fim a uma batalha de cinco anos entre defesa e acusação que em 2013 chegou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), antes de voltar à Justiça paranaense.

Desde a noite da tragédia --“Fui acordada por agentes funerários”, lembra--, a empresária se tornou uma ativista contra a violência ao volante.

Fundou o Instituto Paz no Trânsito, onde recebe familiares de vítimas e aconselha motoristas infratores. Tornou-se uma pessoa pública em Curitiba, e diariamente recebe o apoio de pessoas que ela sequer conhece.

“Meu filho está morto, não precisa de justiça. Quem precisa de justiça é a sociedade”. Às vésperas da decisão sobre o julgamento, ela concedeu a seguinte entrevista ao UOL.

UOL - A senhora  considera que o processo está chegando perto do fim?
Christiane Yared - Provavelmente, estamos no começo do fim. Precisamos de uma definição do Tribunal de Justiça. Definam de uma vez: vocês acham que é um mero acidente ou um crime de trânsito? Beber e dirigir em alta velocidade, sem ter o direito de dirigir [Carli Filho somava 130 pontos na carteira à época do acidente, tinha consumido álcool e andava a 167 km/h], é um crime ou uma fatalidade? Entendo que fatalidade seja um mal que não se pode evitar. Eu espero que o TJ se pronuncie a favor da família. Ele realmente precisa ser julgado pela população. Caso isso não aconteça, vou convocar a sociedade para ir às ruas. De onde quiserem vir, vamos para as ruas de Curitiba. Porque a falta de júri popular vai extrapolar todo bom senso. Porém, vivemos num país complicado, onde ainda predomina a cultura das carteiradas e a proteção dos coronéis da política.

  • João Carlos Frigério

    Carro onde estava Gilmar Yared, filho de Christiane Yared

Uma das suas posições mais fortes é a crítica severa à forma como o caso vem sendo conduzido.
Christiane - Temos um problema seríssimo. São muitos amigos políticos em volta da situação, e todos procurando brechas na lei para beneficiar o colega. Graças a Deus pudemos nos levantar. A imprensa abriu espaço para falarmos. Tudo isso ajudou num processo impossível de acobertar. A tendência era esperarem abaixar a poeira. Pensaram que a mãe ia cansar em algum momento, mas mãe é incansável. Enquanto puder, continuarei gritando.

Que tipo de pressão a sra. tem recebido?
Christiane - Tive a visita de um policial civil que ofereceu dinheiro para abandonar o caso. Tive ameaças de morte --inclusive o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) investigou e confirmou que a ameaça procedia e que haviam prendido a pessoa. Todos os nossos telefones foram grampeados. Já tive diversas ameaças cara a cara. Um ex-policial me olhou nos olhos e disse: “vão te apagar”. Outro disse que era muito fácil acontecer um acidente aqui na saída do instituto.

Como tem sido a vida da família Yared desde a madrugada do dia 7 de maio de 2009?
Christiane - Fui acordada às 2h30 da madrugada por agentes funerários querendo o número do DPVAT (seguro obrigatório). A partir daquele minuto, nossa vida teve uma reviravolta. O acidente de trânsito é brutal. Você está aqui conversando comigo, de repente sai e acabou. Essa sensação é horrorosa. A impressão é que foi passada uma borracha em toda aquela história e fica um vácuo que não tem o que preencha. Esses dias alguém me ressaltou que tenho outros dois filhos. É como dizerem: você perdeu as duas pernas, mas ainda tem os dois braços. Tem sido muito complicado. Não vejo melhora com o passar dos anos, como as pessoas afirmam que acontece. O passado dos anos só confirma aquilo que você não quer acreditar. Aquela pessoa ficou parada no tempo, não chegou ao seu fim. Isso é muito dolorido. Normalmente as famílias se desestruturam. O pai perde o filho e às vezes perde a esposa, que não consegue superar o trauma. Tenho conseguido viver a partir do instituto. Quando aceno a luz para alguém, ilumino o meu caminho. Aqui nós temos trabalhado com muitas famílias. Há psicólogos, médicos, advogados trabalhando conosco.

Qual é principal proposta do instituto? De que forma vocês atuam?
Christiane - Estamos trabalhando com os infratores. A partir de uma parceria com a Justiça, parte das penas alternativas a motoristas alcoolizados consiste em passar um tempo conosco. Ninguém mata na primeira vez que bebe e dirige. Isso vai criando uma espiral de coragem a ponto de ele achar que não tem problema, que “sabe” dirigir bêbado.  Da forma como são penalizados hoje, com o pagamento de multa ou cestas básicas, eles voltam para a rua da mesma forma. Até bravos porque foram pegos. Quando são encaminhados para cá, eles ficam comigo e vão conhecer histórias reais de pais que perderam filhos porque alguém resolveu beber e dirigir. Nesse momento eles param para refletir. São histórias extremamente emocionante, impossível não pensar nelas ao longo de muito tempo. Dos 200 infratores, nenhum reincidiu, segundo estatística do própria do tribunal de delitos de trânsito.

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A sra. acabou assumindo uma faceta pública. Como de repente se transforma numa ativista?
Christiane - Sou uma voluntária do instituto que criamos. Me tornei uma pessoa pública. As pessoas abraçam, consolam, incentivam. O carinho das pessoas nos sustenta --elas procuram líderem em quem se espelhar. Graças a Deus, minha vida é um livro aberto e não tenho do quê me envergonhar. Tem sido uma luta. Há noites em que não durmo. Hoje dormi duas horas, apenas. A aflição por causa do julgamento é constante. Fico imaginando: e se não der nada? E se os desembargadores considerarem o caso um acidente de trânsito comum?

E como isso tem se organizado dentro da família?
Christiane - Meu marido é a coluna a me sustenta na realidade. Foi dele a ideia do instituto e me sugeriu coordená-lo por saber que eu seria capaz. Não fosse por ele, provavelmente eu estaria numa clínica. Larguei o comando da empresa [uma confeitaria que atende eventos e grandes encomendas]. Meu filho trancou a faculdade para gerir o negócio, que conta com 40 funcionários. Não consigo a ir a festas, por falta de tempo. Prefiro atender mães de vítimas ou dar uma palestra. Em quatro anos, tirei dois dias de férias, que usei para dormir. Minha vida virou uma loucura, mas evito que isso passe para toda a família. Não tenho o direito de ficar numa cama e dizer: estou deprimida. De tudo isso, no final das contas acredito que não enterrei meu filho, eu o plantei, e agora está sendo regado com lágrimas, dor, desespero e muitos gritos por um país melhor. Ninguém merece enterrar o filho: filhos são sonhos, e sem sonhos não se vive.

No dia seguinte ao fim do julgamento, acredita que alguma coisa vai mudar em seu espírito? A sra. vai se sentir mais leve?
Christiane - Acredito que nada vai trazer o conforto de volta. O mais importante é a leitura social que pode ficar. Um jovem rico, político, influente, sentado no banco dos réus. Não sei se jamais conseguirei dormir de novo. O que me mantém acordada é saber que no dia seguinte vou atender mais uma mãe que perdeu o filho. Meu filho está morto, não precisa de justiça. Quem precisa de justiça é a sociedade.