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Em uma semana, nova favela do Rio é ocupada por 6.000 famílias

A imagem mostra o terreno abandonado da empresa de telefonia Oi antes (à esquerda) e depois da ocupação (à direita). Cerca de 6.000 famílias se instalaram no local desde o dia 31 de março de 2014 - Arte/UOL
A imagem mostra o terreno abandonado da empresa de telefonia Oi antes (à esquerda) e depois da ocupação (à direita). Cerca de 6.000 famílias se instalaram no local desde o dia 31 de março de 2014 Imagem: Arte/UOL

Bernardo Tabak

Do UOL, no Rio

09/04/2014 06h00Atualizada em 09/04/2014 20h20

"Com esse salário mínimo, não tem como sustentar a família. Você paga o teto, e passa fome". O relato da faxineira Cristiane de Barros Silva, moradora da recém-criada favela da Telerj, na zona norte do Rio de Janeiro, resume a realidade em que estão inseridas as mais de 6.000 famílias que ocupam um terreno vazio da empresa de telefonia Oi no bairro do Engenho Novo. Na invasão, que ocorreu no dia 31 de março, eram aproximadamente 1.000 famílias.

Em apenas uma semana, o espaço constituído de edifícios e galpões abandonados foi loteado por pessoas oriundas de outras comunidades, que levantaram barracos e tendas no local. “Não tenho onde ficar. O governo está fazendo tanta coisa para a Copa do Mundo, para os gringos. Por que não ajuda a nós, brasileiros, pessoas humildes, carentes que dependem de um teto para morar, para sobreviver?, questionou ela, que, aos 34 anos, já é avó.

Maioria dos ocupantes diz não ter condições de pagar aluguel

O terreno, com cerca de 5 mil metros quadrados, tem um estacionamento central cercado por quatro prédios de quatro e cinco andares. Todos os espaços, pisos e coberturas já estão totalmente tomados por estruturas de madeira. No local, não há luz, nem água. A Oi conseguiu uma liminar na Justiça que autoriza a reintegração de posse, porém a ordem ainda não pode ser executada até que sejam esgotadas as negociações. A PM informou que cumprirá a decisão judicial, se for necessário.

Cristiane morava com a filha e a neta na favela do Jacarezinho, também na zona norte, onde pagava R$ 500 por um barraco. “A senhoria me expulsou da casa, porque eu devia dois meses. Pagando aluguel, mal dá para comer”, afirmou. “Eu não roubo. (...) O governo não dá uma ajuda para os favelados, para os miseráveis, para nós. Precisamos de um lar para os nossos filhos”, disse ela.

Dentro de um dos lotes de 16 metros quadrados, já divididos entre as famílias, Cristiane explicou que, para dormir, estende algumas mantas sobre o chão de paralelepípedos. “Tem essa lona aqui, que não protege nada. Quando chover, já viu”, declarou ela, apontando para cima.

Uma das lideranças da nova comunidade, o segurança Alisson Wendell dos Santos, 26, afirmou que a favela da Telerj não é resultante de uma "invasão", e sim de uma "ocupação de um terreno abandonado há mais de 20 anos". Santos é conhecido pelos demais moradores como "Ed", e é responsável por organizar as famílias de acordo com os lotes. Ele conta com a ajuda de duas senhoras: Tica e Zezé.

“Nós só queremos moradia”, ressaltou Tica. “De acordo com o cadastramento que estamos fazendo, calculamos que há cerca de 6 mil famílias aqui: mais de 10 mil pessoas ao todo”, complementou Ed.

Favela da Telerj - Marcelo Carnaval/Agência O Globo - Marcelo Carnaval/Agência O Globo
A nomenclatura escolhida para batizar a comunidade é uma alusão ao nome da estatal Telecomunicações do Estado do Rio de Janeiro, a Telerj, que operou serviços de telefonia entre os anos de 1975 e 1998. Privatizada, a companhia passou a se chamar Telemar, empresa que posteriormente foi comprada pela Oi
Imagem: Marcelo Carnaval/Agência O Globo

"Nem o papa vai tirar vocês daqui", diz líder a moradores

Em meio ao labirinto de tábuas e compensados, a todo momento, Ed é solicitado para resolver algum problema. “Pode ficar nesse pedaço. Nem o papa vai tirar vocês daqui”, orienta ele, dirigindo-se a um casal, que estava com uma desavença em relação a um vizinho de lote. “Olha, gente: mais tarde quero um mutirão, com todo mundo ajudando a descer os escombros pelo buraco do elevador”, comandava Ed.

A entrada de madeira e material de construção não para, enquanto homens com carrinhos de mão despejam restos de canos, ferro, vidro e reboco pelos fossos onde funcionavam os elevadores, provocando um barulho ensurdecedor.

A auxiliar de serviços gerais Andréa Ventura Fiel, 39, é mãe de sete filhos. Na cobertura de um dos prédios, ela se abrigava do sol forte no barraco de um amigo. “Não acho certo fazer invasão, mas preciso dar um pouco de dignidade para meus filhos”, ressaltou. “Criei todos na latinha, fazendo reciclagem, catando papelão. Não fiz com que meus filhos pedissem dinheiro. Não os entreguei à prostituição e nem disse para dar um jeito. Porque quando você diz isso, eles entram para o crime”, completou Andréa.

favela da telerj 2 - Marcelo Carnaval/Agência O Globo - Marcelo Carnaval/Agência O Globo
Nos primeiros cinco dias de ocupação, os garis da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) recolheram cerca de 25 toneladas de lixo no local. Foram removidas cinco toneladas de lixo por dia, informou o órgão
Imagem: Marcelo Carnaval/Agência O Globo

“Na minha casa, já não temos espaço para todos. Eu durmo no chão há 18 anos”, declarou a auxiliar de serviços gerais, que também está desempregada após descobrir uma insuficiência cardíaca. “Se não conseguir construir uma casa aqui, quero tentar uma indenização para dar uma melhoria na minha vida e dos meus filhos”, concluiu.

A primeira invasão

A doméstica Edvania Vicente da Silva afirmou ao UOL ser esta a sua primeira invasão. "Eu tenho medo, mas não tive escolha, por que o aluguel está ficando cada vez mais caro e o salário mínimo do meu marido não dá conta. (...) E o governo preocupado com a Copa do Mundo”, relatou ela.

Aos 44 anos, com diabetes e pressão alta, Edvania está desempregada. O marido trabalha como ajudante de caminhão na Cadeg, a antiga Central de Abastecimento do Estado da Guanabara, atual Mercado Municipal do Rio. “Vivo com ele, minha filha e minha neta. Com os setecentos e poucos reais que ele ganha, ou a gente come, ou paga aluguel”, declarou Edvania, que morava com a família, em um quarto e sala na comunidade Mandela, em Manguinhos, na zona norte, pagando R$ 700 por mês.

Enquanto um helicóptero da Polícia Militar dava rasantes sobre o terreno, Edvania afirmou sentir medo do que pode acontecer. “Não sei o que a PM pode fazer se entrar aqui. Pode atirar com bala de 'plástico', jogar gás”, disse. Em dois dias ela e a família levantaram um barraco, com compensados e uma lona plástica: “Não tenho dinheiro pra comprar telhas. (...) Não temos banheiro. Às vezes, fazemos as necessidades em uma vasilha para depois jogar fora”.

“Temos medo da (Tropa de) Choque sim, mas não temos para onde ir”, afirmou a faxineira Cristiane. “Mas nós estamos pedindo socorro. Isso aqui é um pedido de socorro. Queremos paz e moradia”, finalizou Edvania. Ed compartilhou o receio de todos, mas afirmou que, com organização, eles poderão superar as adversidades. “Se vier a Tropa de Choque, não vamos atirar nada, porque se houver agressão, eles vão vir pra cima”, analisou.

“Gastaram um monte de dinheiro na reforma do Maracanã. Por que não dão um pouco para nossa moradia? Em época de eleições, os políticos dão picolés para os nossos filhos. Depois, a gente fica na favela, pagando aluguel, com o tiro comendo e balas perdidas atingindo as casas", concluiu Ed.

Reunião termina sem acordo

Em nota, a Oi informou que, no local, funcionava um almoxarifado da empresa, que foi desativado. A companhia conseguiu na Justiça uma liminar de reintegração de posse. A Oi informou ainda que havia seguranças responsáveis pelo patrimônio, e que, assim que soube da invasão, solicitou a presença da Polícia Militar.

Na tarde de terça-feira (8), dois carros da PM estavam estacionados em entradas do terreno. No mesmo dia, uma reunião na 6ª Vara Cível do Méier reuniu representantes da favela da Telerj, da PM, das secretarias estaduais e municipais de Habitação, Direitos Humanos, Desenvolvimento Social e Saúde, do Corpo de Bombeiros, das procuradorias do estado e do município, do Conselho Tutelar e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Porém, não houve acordo.

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