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Moradores da favela da Telerj, no Rio, continuam sem teto e longe da Copa

Vladimir Platonow

Da Agência Brasil, no Rio

17/06/2014 11h27

A única televisão que o desempregado Ronaldo da Silva tem para ver a Copa só passa a cor vermelha e ainda por cima cheia de chuviscos. Fica impossível diferenciar quem está jogando. Mas esse não é o maior problema dele e das demais 207 famílias expulsas no dia 11 de abril deste ano do terreno onde pretendiam morar, pertencente à empresa Oi, sucessora da antiga Telerj, em Engenho Novo, na zona norte do Rio de Janeiro.

O interesse pela Copa é pequeno, e o clima de tristeza entre todos é facilmente percebido. Depois de uma peregrinação que começou em frente à prefeitura e continuou até a Catedral Metropolitana, onde permaneceram até o dia 3 de maio, eles acabaram transferidos para uma quadra coberta da Igreja Nossa Senhora do Loreto, na Ilha do Governador, zona norte da cidade.

No espaço reduzido, foram armadas dezenas de barracas, cada uma ocupada por uma família. Além dos adultos, pelo menos 70 crianças estão alojadas no local, segundo os próprios moradores. Algumas ainda bebês, muitas usando fraldas. Outras, em idade escolar. Mas nem todas indo à escola, pois as unidades que frequentavam ficaram muito distantes.

“A televisão só tem chuviscos, mas a seleção brasileira não é a culpada disso. Os culpados são os governantes. Minha esperança, eu já perdi. Mas a fé é a última que morre”, desabafou Ronaldo. Apesar de torcer pela seleção, ele revela que uma possível derrota brasileira não ia deixá-lo triste. “Eu não queria que o Brasil perdesse, mas se isso acontecesse, ia rachar a cara deles, por tudo o que investiram na Copa, com tanta gente precisando e pessoas morrendo nos hospitais. Tem que lembrar do povo, não só dos gringos”, disse ele, que tem procurado emprego, mas ainda não obteve sucesso. Na barraca, moram ele, a mulher Teresa e seis filhos.

A vizinha Maria das Graças Brandão também admitiu que este ano o interesse pelo futebol ficou em segundo plano. “Sempre que tem Copa, a gente torce pelo Brasil. Nós somos brasileiros. Mas, infelizmente, o clima é este, de tristeza. Eu sempre enfeitei minha casa para a Copa, agora estamos nesta situação. Eu tenho cinco netos e duas filhas aqui. Nós não queremos luxo, nem riqueza. Só quero uma casa, meu cantinho para ficar”, lamentou, sem conseguir segurar o choro.

Alguns moradores são bebês de colo, como é o caso do pequeno Carlos Júnior, de 4 meses, filho do pedreiro Carlos Alessandro de Souza e de Fernanda. Eles moram em uma barraca bem na entrada da quadra. Quando foram expulsos da área da Oi/Telerj, ficaram morando com o bebê na calçada. “Eu estou desempregado e atualmente vivo de biscates. Nós ocupamos o prédio da Oi porque o aluguel subiu muito e ficamos sem condições de pagar. O pouco dinheiro que tinha, investi em madeiramento, mas ficou tudo lá”, contou Carlos. Outros quatro filhos do casal foram espalhados em casas de parentes, para não perderem a escola e o Bolsa Família.

“Estamos todos esquecidos aqui, abandonados. Não tem clima de Copa. Ficamos sem nada. Não consegui reconstruir minha vida e até hoje estou aqui”, lamentou Rosemeri Santos, que está encostada por motivo de saúde pela Previdência Social. “Não dá para ter clima de Copa, nem de alegria, se a gente está vivendo nesta situação precária. Este é o Brasil que a gente vive. A gente é que nem poeira, lixo, que eles varrem e jogam para debaixo do tapete. Só lembram da gente quando precisam do nosso voto”, protestou Vitória de Almeida Silva, que mora no espaço com o marido.

A Secretaria Municipal de Habitação informou, por meio da assessoria, que no terreno da antiga Oi/Telerj será construído um conjunto habitacional com cerca de 1.300 apartamentos, mas ainda não houve formalização da compra do imóvel. Contudo, a posse das unidades, por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida, será feita por sorteio e não significa que os ex-ocupantes sejam necessariamente beneficiados. Até 2016, a prefeitura pretende ter 100 mil unidades habitacionais contratadas, entre imóveis entregues e em construção.

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social informou, em nota, que das 207 famílias alojadas na Igreja Nossa Senhora do Loreto, 187 já foram atendidas e que foram realizadas 158 inscrições no Cadastro Único. Também foram oferecidos cursos de capacitação profissional, além da possibilidade de retirada de segunda via de documentos, pois muitos moradores perderam até suas identidades quando foram expulsos da área que ocupavam. Segundo a prefeitura, o déficit habitacional no Rio é 148 mil unidades.