Porcos são meus vizinhos, diz morador de depósito irregular de lixo na Maré
Sob o viaduto da Linha Vermelha, no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, fica o barraco improvisado do catador Luís Clodoaldo, 34, que vive com a mulher e o cachorro em um espaço onde mal cabe um colchão. Seus vizinhos são porcos, ratos, moscas e outros animais atraídos pelo acúmulo de lixo em um depósito irregular dentro da favela Vila do Pinheiro. Há serviço de coleta no local, conforme o UOL constatou em visita na última sexta-feira (1º) --um dia antes do fim do prazo dado pelo governo federal para que todas as cidades acabassem com os lixões. Porém, o trabalho dos garis não é suficiente para manter uma condição mínima de salubridade.
Todos os dias, Clodoaldo acorda às 6h e começa a vasculhar o lixo, com o intuito de encontrar materiais que possam ser revendidos ou reaproveitados. Segundo ele, o mau cheiro não incomoda mais, pois "depois de um tempo, você acostuma". Em um cenário com tantas adversidades, que coexistem em um terreno público, Clodoaldo afirma manter a esperança: "Trabalho todos os dias pensando em ter uma casa".
"Só vou sair daqui no dia em que eu tiver um lar", completa ele, que mora no local há quatro meses e diz ganhar cerca de R$ 80 por dia com a venda de materiais encontrados no lixo --como madeira, ferro, plástico, entre outros. Com resignação, o catador declarou ter sido cadastrado em um programa habitacional, mas não soube informar qual. "Acho que foi o Minha Casa, Minha Vida."
Além dos porcos, ratos e moscas, Clodoaldo tem como vizinhos os homens da colônia de pescadores Parque União, que, há 14 anos, funciona entre as pilastras da Linha Vermelha, debaixo do viaduto. Segundo o pescador Roque Correa da Silva, o acúmulo de lixo é "renovado" diariamente. Assim que a Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) remove resíduos do local, pela manhã, os primeiros montes de lixo começam a aparecer.
"Os garis vêm aqui, limpam tudo, mas horas depois já está cheio de lixo de novo. Tem muito morador que joga saco de lixo, mas também tem gente de fora que vem aqui só para isso. (...) Jogam entulho de obra, lixo de restaurante, de mercado. É por que isso você vê os porcos gordos desse jeito", comentou Silva.
Procurada pela reportagem do UOL, a Comlurb informou ter conhecimento de que o local se tornou um "ponto de despejo indevido de lixo e entulho". De acordo com a gerência de limpeza da Maré, "será intensificada a fiscalização no local e, quem for pego em flagrante, será multado". A empresa pública informou ainda que o serviço de coleta é feito diariamente, com o apoio de caminhões e pá mecânica.
Os moradores da Maré relatam que o descarte de lixo no terreno ocorre há mais de 20 anos, desde o período em que a Linha Vermelha começou a ser construída. Desde então, a comunidade cresceu de forma desordenada, e a quantidade de resíduos despejados também. Os pescadores, que acompanharam todo esse processo, dizem que a principal causa do problema é a falta de conscientização. "Se a gente reclama, o cara diz: 'Todo mundo joga. Então eu posso jogar também'. Não é culpa dos garis, é culpa da população", afirmou Silva.
Fim do prazo para extinguir os lixões
No último sábado (2), terminou o prazo de quatro anos dado pelo governo federal para que os municípios acabassem com todos os lixões do país. De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, sancionada no dia 2 de agosto de 2010, as administrações das cidades deveriam, além de extinguir os lixões, promover ações de reciclagem, reuso, compostagem, de tratamento do lixo e de coleta seletiva.
Segundo o governo federal, atualmente, 2.202 municípios contam com destinação adequada dos resíduos sólidos, o que representa 39,5% das cidades do país. Por outro lado, 60% do volume de resíduos já está com destinação adequada.
"Malandragem colocava ordem", diz morador
Para José Santana, que mora a duas ruas do depósito de lixo na Maré, a situação piorou após a chegada dos militares da Força de Pacificação, responsáveis pela ocupação do Complexo da Maré. Isso porque, na época em que havia o domínio do tráfico de drogas, afirmou ele, "a malandragem colocava ordem".
"O pessoal sempre jogou lixo aí, mas antes, se você reclamava com a malandragem, eles colocavam ordem", disse. "Eu já vi os caras [traficantes] baterem na casa do camarada e o escoltarem até aqui para que ele tirasse a sacola de lixo que ele havia jogado", completou Santana.
O morador, porém, ressaltou não apoiar o tráfico de drogas na Maré, tampouco disse ser contrário ao trabalho dos homens do Exército, que patrulham as comunidades desde março, quando a região foi ocupada pelas forças de segurança em uma megaoperação.
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