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Análise: sociedade não se vê em cultura do estupro, mas condena mulher por sexo

Manifestantes se reúnem na avenida Paulista, em São Paulo, e participam do ato "Por todas Elas", contra a cultura do estupro e a violência praticada contra as mulheres - Fabio Braga/Folhapress
Manifestantes se reúnem na avenida Paulista, em São Paulo, e participam do ato "Por todas Elas", contra a cultura do estupro e a violência praticada contra as mulheres Imagem: Fabio Braga/Folhapress

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

04/06/2016 06h00

O delegado que pergunta para a vítima de estupro se ela tinha o hábito de praticar “sexo em grupo”, como ocorreu no caso da adolescente de 16 anos estuprada no Rio de Janeiro, e a pessoa que lê uma notícia de abuso e pensa que a vítima “pediu para isso acontecer” ao tomar determinadas decisões fazem, para a antropóloga Alba Zaluar, parte de uma mesma cultura que culpa a mulher por fazer sexo.

“Quando você pergunta se a pessoa fazia sexo grupal é o mesmo que perguntar: ‘você é uma piranha?’”, diz Alba, referindo-se à conduta do delegado Alessandro Thiers, titular da DRCI (Delegacia de Repressão aos Crimes de Informação), afastado no domingo (29) da investigação do caso de estupro coletivo. “Tem toda uma condenação moral para as mulheres que dão, o que não existe para os homens”, afirma.

Para a filósofa Márcia Tiburi esse tipo de reação institucional faz parte da chamada cultura do estupro, que olha para a vítima como algo menor, postura que acaba sendo corroborada por toda a sociedade. “Alguém que vê uma mulher estuprada e diz ‘ah, também, essa aí é uma vagabunda, pediu, olha a roupa que ela estava', etc. lança sobre a vítima, guardando as devidas proporções, o mesmo olhar que o estuprador”, diz.

Ela lembra que as pessoas não gostam de associar o estupro a uma cultura estabelecida, pois assim teriam que admitir que também fazem parte dela. “Estão dizendo que é preciso fazer leis ainda mais drásticas, mas as leis no Brasil já são bem drásticas. Por que as pessoas não gostam de falar de cultura do estupro? Porque daí elas também, sendo parte da cultura, vão ser responsabilizadas pelo o que está sendo feito.”

Alba diz que as pesquisas mostram que o aumento das penas de prisão por si só não diminui a ocorrência de estupros e casos de violência contra a mulher. O que é preciso, diz, é uma mudança na forma como as vítimas são recebidas pelas instituições públicas, além da clareza a constância nas punições. “Cada vez que um caso desse tipo passa em branco, nós vamos ter um recrudescimento de estupros. Quando há uma condenação, temos uma diminuição. Ao mesmo tempo, a existência de uma instituição que ouve e acolhe a mulher faz com que mais mulheres procurem as delegacias para registrar queixas”, afirma.

A cultura do estupro, diz Alba, não se reduz a violência masculina e inclui também o silêncio da mulher, tornando o estupro é um dos crimes mais subnotificados. É nesse momento, explica a antropóloga, que o cuidado com o acolhimento da vítima torna-se fundamental. “Essa mulher já vem morrendo de vergonha, sentindo-se censurada pelo o que aconteceu, se sente de alguma maneira culpada, acha que as pessoas a estão vendo como culpada”, diz. “A maneira como a mulher que vai se queixar é recebida na delegacia tem que mudar, e também temos que ter serviços de atendimento à mulher, porque ela fica traumatizada.”