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Debate: Crivella é questionado por covid, e Paes por 'endividar o Rio'

Gabriel Sabóia, Igor Mello e Maria Luisa Melo

Do UOL, no Rio e colaboração para o UOL, no Rio

02/10/2020 02h53

No primeiro debate entre os candidatos a prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM) e Marcelo Crivella (Republicanos) —que lideram as pesquisas de intenção de votos até o momento— foram os principais alvos dos adversários. A situação da saúde pública da capital fluminense e o combate à pandemia do coronavírus motivaram críticas ao mandato de Crivella, que procurou levar discussões para o campo dos costumes.

Paes, que foi prefeito por oito anos, também teve as suas gestões lembradas. O endividamento da prefeitura entre 2009 e 2016 foi citado por seus concorrentes e negado pelo candidato. Paes e Crivella não chegaram a debater diretamente no programa exibido pela Band, que reuniu 11 candidatos. Contudo, alfinetaram um ao outro em diversos momentos. O debate foi marcado também por reações de candidatas a declarações consideradas machistas.

Tentando a reeleição, Crivella foi atacado por Renata Souza (PSOL), Benedita da Silva (PT) e Clarissa Garotinho (PROS) em embates diretos. Já Eduardo Paes teve atritos sobretudo com Martha Rocha (PDT).

Coronavírus x "kit gay"

Após ser confrontado por Clarissa Garotinho (PROS) sobre a gestão que fez das contas da prefeitura, que apresentam sucessivos déficits bilionários em sua gestão, Crivella tentou trazer o debate para o campo dos costumes.

Apoiado pelo clã Bolsonaro, o prefeito —que é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus— escolheu Renata Souza como interlocutora. Perguntou qual era a opinião da candidata sobre ideologia de gênero —expressão criada por militantes conservadores para se referir a discussões sobre sexualidade e gênero na educação— e prevenção às drogas, dois temas caros ao eleitorado conservador.

No entanto, a candidata do PSOL preferiu usar o confronto direto para atacar a condução de Crivella no controle da pandemia (a capital fluminense já tem 11.024 mortos por covid-19).

"Você deixou as pessoas morrerem sem atendimento nos hospitais, como quer falar de ideologia de gênero enquanto a população está morrendo? Isso é uma vergonha, Crivella", disse Renata.

Em sua réplica, Crivella revisitou o kit gay, notícia falsa bastante explorada pelo presidente Jair Bolsonaro em sua campanha. "Se o PSOL ganhar a eleição nossas crianças vão ter uma coisa que tinha em casa, orientação sexual. Vai ter kit gay na escola e e vão induzir a liberação das drogas", afirmou.

O kit gay é uma notícia falsa criada em 2011, ao distorcer o que seria a cartilha Escola Sem Homofobia. O material não tinha como público-alvo estudantes e nunca chegou a ser implementado pelo Ministério da Educação.

Em outro momento, o atual prefeito chegou a dizer que o enfrentamento à covid-19 do Rio é o "melhor do Brasil". "Parece que cheguei ao céu. Estou vendo quem está sonhando, mas não conhece a realidade. A saúde pode melhorar, mas foi o melhor enfrentamento do coronavírus", afirmou.

Logo na sequência, Renata escolheu perguntar para Eduardo Paes. O tema abordado foi o sistema de ônibus da cidade, alvo de diversas denúncias de corrupção nos últimos anos. Paes aproveitou o tempo para rebater as críticas de Crivella sobre dívidas deixadas por sua gestão.

"Ouvir o prefeito Crivella dizer que graças à pandemia conseguiu resolver a dívida do município, é inacreditável. A dívida do município tinha que ter sido resolvida antes. É para isso que alguém se elege prefeito", retrucou, citando em seguida que implantou o Bilhete Único no transporte municipal.

Paes é questionado por endividamento do Rio

Renata evocou então o discurso anticorrupção e lembrou de denúncias contra Paes por delatores na Operação Lava Jato do Rio, além de sua proximidade com o ex-governador Sérgio Cabral (MDB).

"O senhor não entregou uma passagem mais barata para a população porque fez acordo com o Lélis Teixeira, que falou que deu R$ 40 milhões de caixa 2 para sua campanha", atacou. "Essas máfias que o Paes conhece bem, que a galera do Cabral conhece bem, nós enfrentamos."

Martha Rocha (PDT) também mencionou os mandatos do adversário. Depois de lembrar que o próximo prefeito enfrentará cofres vazios e muitas dívidas, ela perguntou a Paes de onde pretendia tirar dinheiro.

O candidato do DEM aproveitou para alfinetar Crivella. "Enfrentei esse tema no meu primeiro mandato. Em 2015, o PIB caiu, a Dilma Rousseff foi 'impichada' e o estado não pagava servidores. Mesmo assim, a prefeitura assumiu os hospitais da zona oeste. Aliás, quero anunciar que vamos revisar os aumentos de IPTU feitos pelo Crivella."

Em sua réplica, Martha citou números que, segundo ela, comprovam o endividamento. "Entre o que ele [Paes] fala e faz há diferença. Em 2016, os cofres públicos tiveram um rombo de R$ 320 bilhões. A cidade recebeu Jogos Olímpicos e Copa. Não faltaram investimentos. O senhor fala do Porto, do Museu, mas não investiu no Morro da Providência, ali ao lado, por exemplo."

Paes, então, afirmou que a adversária desconhecia os dados. "Estou vendo que a Martha não estudou as contas da prefeitura. Aliás, lê as decisões do Tribunal de Contas do Município e do Poder Judiciário mostrando que nós deixamos recursos em caixa, não sei se vai entender direito o que estou dizendo", disse.

A fala dele gerou a revolta da candidata do PDT. "Seu jeito debochado, desrespeitoso, malandro de ser, o carioca não tolera mais. O seu filme não vale a pena ver de novo. O senhor não fez dessa cidade uma referência em saúde e educação", completou.

Citações bíblicas em debate sobre a saúde

Durante pergunta a Benedita da Silva, Crivella afirmou que durante o seu mandato foram realizadas mais de 30 mil cirurgias e 330 mil atendimentos.

Os números foram contestados pela petista que falou sobre as filas para diagnósticos. "Temos pessoas aguardando por um diagnóstico. Pessoas com tuberculose, anemia e sarampo. Como essas doenças acontecem?".

Crivella, então, fez uma citação bíblica. "Lamento que Benedita tenha esquecido os princípios bíblicos do 'não mentirás'. Contratamos tomógrafos e doamos medicamentos a outros estados. O Rio de Janeiro fez em 25 dias um hospital de campanha", disse.

A candidata lembrou o fato de um dos tomógrafos ter sido instalado no terreno da Igreja Universal do Reino de Deus, na Rocinha, da qual Crivella é bispo licenciado. "Onde foi colocado o tomógrafo? Na igreja. Precisamos ter um estado laico. Não podemos confundir o púlpito com o palanque político", disse.

Acusações de machismo

Além da discussão entre Martha e Paes, o debate teve outro momento em que um candidato foi acusado de postura machista. A discussão mais tensa sobre o tema ocorreu entre Clarissa Garotinho e Fred Luz (NOVO). Após a deputada federal expor propostas sobre a gestão da cidade, ele ironizou as promessas feitas por políticos tradicionais.

"O Rio de Janeiro precisa de gestores de qualidade, não de papo furado. Ao se assumir uma prefeitura em qualquer situação que esteja vamos esquecer os culpados, porque os problemas têm que ser resolvidos", disse Luz, que citou também "conchavos" e "acordos espúrios".

Clarissa é filha dos ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho, que já foram presos por acusações de corrupção. Ela então subiu o tom e acusou o adversário de machismo:

"Fred, você vem com essa casca de partido Novo, mas na verdade você é um machista que gosta de menosprezar a história das mulheres", disparou. "Só porque eu sou jovem e sou mulher, você acha que eu não tenho direito de construir a minha própria trajetória?"

"Minha Casa, Minha Milícia"

Já na reta final do debate, Renata Souza questionou Paes sobre as remoções feitas em seu governo em razão de obras para os Jogos Olímpicos.

"O senhor esteve à frente do governo e 65 mil pessoas foram removidas por obras faraônicas. Qual será o seu projeto imobiliário agora? Será para as imobiliárias?", perguntou ela.

Paes disse que o número mencionado era "fantasioso". "Construímos 100 mil unidades do Minha Casa, Minha Vida. O que fizemos foi um levantamento detalhado de áreas do Rio de Janeiro que tinham ou não risco. Esse número de 65 mil é fantasioso. Não podemos deixar pessoas morando em áreas de risco", argumentou.

Renata, então, criticou a construção dos condomínios populares. "Sim, são 65 mil remoções. Essas pessoas foram morar no 'Minha Casa, Minha Milícia'. A cidade encareceu no seu governo. É uma marca terrível para a cidade", disse.

Diante da frase, a direção do debate concedeu a Paes o único direito de resposta do programa. "Estou ouvindo acusações que não condizem com a realidade. A prefeitura ficou com contas organizadas, volume de investimentos altíssimos. É dessa maneira que faremos o Rio voltar a dar certo", afirmou.