Grupo usa fantoches para satirizar Assad e torna-se uma das principais vozes de oposição na Síria
No cenário de guerra que ocupa parte da Síria desde março de 2011, um grupo de ativistas resolveu usar a arte para protestar contra o governo do presidente Bashar Assad. Usando fantoches, eles fazem um protesto que, embora sem cara, tornou-se uma das principais vozes da oposição a Assad no país.
O grupo Masasit Mati, nome dado também ao canudo usado para beber o chá mate, bebida típica na Síria, ficou conhecido com a série “Top Goon – Diários de um pequeno ditador”, na qual satiriza o presidente e seus apoiadores. A série, veiculada na internet, está em sua segunda temporada.
“O Masasit Mati foi criado no verão de 2011 quando sentimos que os protestos artísticos poderiam alcançar mais sírios, sem colocar em risco o público ou os artistas”, diz o grupo em entrevista por e-mail ao UOL.
A série tem dois personagens principais: Beeshu (diminuitivo de Bashar, visto mais como um apelido pejorativo do que carinhoso) e The Goon (o principal assessor do ditador). Outros personagens aparecem de acordo com a história. Todo o episódio começa com Beeshu dizendo para si mesmo: “Eu não sou louco! Eu não sou louco!”.
Formado por dez artistas, entre diretores, atores, escritores, designers, estilistas, entre outros, o grupo optou pelos fantoches por uma questão simples: segurança.
“O artista Ali Ferzat teve o dedo quebrado por desenhar caricaturas do presidente. Pessoas levam tiros nas ruas quase todos os dias simplesmente por pedir liberdade. Então, para que nós satirizássemos a ditadura, o melhor jeito era nos esconder atrás de caixas e usando fantoches”.
A série retrata Assad como medroso e incapaz de pensar sozinho e mescla histórias dramáticas com outras de humor negro.
No episódio “A Fronteira”, um jovem casal tenta se despedir devido ao risco que um deles, um opositor combatente do regime de Assad, corre ao permanecer na Síria, mostrando os dramas dos jovens rebeldes que, obrigados a sair do país por segurança, são obrigados a deixar amigos e familiares para trás.
Em outro, em uma paródia do programa americano “American Idol”, o grupo apresenta o “Syria Idol”, na qual Assad também disputa a preferência do júri.
"Para que você quer liberdade? Para quê, para quê? Para que você quer essa revolução? Para quê, para quê? (...) Beeshu é a garantia e o destino inevitável, não pense que ninguém vai durar mais do que ele", canta o personagem Taleb Ibrahim, que termina a canção com "ele não é adorável?", despertando a simpatia do ditador.
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Mesmo com os rostos cobertos, alguns artistas optaram por deixar a Síria, e as gravações precisaram mudar de lugar. “Nós começamos a gravar na Síria, mas depois decidimos mudar para um país vizinho para ensaiar e filmar, pois é muito perigoso concentrar todo o trabalho lá. Tememos pela segurança de nossos amigos e familiares”, diz o grupo.
Em mais de um ano de trabalho, o grupo está convencido de que a forma pacífica de protesto é a melhor saída para a atual situação no país.
“Estamos convencidos de que a resistência sem violência é essencial para criar bases de uma sociedade síria capaz de prever o avanço de uma guerra civil ou mesmo outra ditadura. No entanto, achamos importante entregar uma mensagem de paz e com capacidade de criticar até a nós mesmos, já que fazemos essa revolução não apenas por nós, mas para as gerações futuras da Síria – por isso, precisamos construir um país, e isso não pode ser feito com armas e tanques”.
Crise humanitária
Junto com a violência, a crise também dificulta o dia a dia daqueles que ainda tentam viver no país. Casas e prédios são alvos frequentes de mísseis e bombas jogadas por helicópteros em ataques atribuídos ao governo, pão e água são itens cada vez mais escassos, e outros alimentos e remédios disponíveis sofreram um aumento abusivo no preço.
O masasit mati é um desses produtos que viu seu preço quase triplicar desde que a onda de manifestações teve início no país. No entanto, para um pequeno alívio dos sírios, ele continua disponível.
“[Produtos para] nossas necessidades diárias como água, pão e outros alimentos estão extremamente caros e raros em todas as regiões da Síria. Escolas foram fechadas em regiões consideradas alvos fáceis e mesmo em áreas mais calmas as escolas não puderam reabrir as portas já que muitos desabrigados estão vivendo nelas. Ou seja, é uma catástrofe humana que está piorando a cada dia”.
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Quando o assunto é o futuro do país, o otimismo dos integrantes se mistura a um sentimento de quem, embora acredite na vitória da revolução, não deixa de lado a dificuldade de recomeçar a vida em um país destruído tanto física quando psicologicamente.
“Estamos otimistas de que a revolução tenha sucesso, mas pelo tempo, fica difícil blindar a violência e o ódio contra o regime e sua força destrutiva enquanto nenhuma medida é tomada pela comunidade internacional, que só assiste”.
Nesses 18 meses de conflito, mais de 26 mil pessoas já morreram na Síria, segundo dados do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, e a comunidade internacional continua dividida sobre como atuar nessa questão.
“Onde estão todos os movimentos pedindo liberdade e protestando contra, por exemplo, a guerra no Iraque, em 2003? Onde estão eles para apoiar os sírios? Será que nós não merecemos viver com dignidade e liberdade e nos livrar de ditaturas e do clã Assad, que arruinaram o país?”, questiona o grupo.
Quanto ao futuro da série, uma terceira temporada não está nos planos. “Esperamos poder fazer um tour, em breve, para nos apresentarmos ao vivo para os sírios. Estamos ansiosos para nos apresentar de novo em uma Síria que pertença a nós”.
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