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Nobel da Paz diz que papa Francisco não foi cúmplice da ditadura

Argentino Adolfo Perez Esquivel conversa com jornalista após encontro com o papa Francisco, no Vaticano. O Nobel da Paz voltou a afirmar que o pontífice "não foi cúmplice" com brutal ditadura militar da Argentina e manteve um "silêncio diplomático"  - Vincenzo Pinto/AFP
Argentino Adolfo Perez Esquivel conversa com jornalista após encontro com o papa Francisco, no Vaticano. O Nobel da Paz voltou a afirmar que o pontífice "não foi cúmplice" com brutal ditadura militar da Argentina e manteve um "silêncio diplomático" Imagem: Vincenzo Pinto/AFP

Do UOL*, em São Paulo

21/03/2013 10h28

O argentino Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz, voltou a afirmar nesta quinta-feira (21), após um encontro com o papa Francisco, no Vaticano, que o pontífice não foi cúmplice da ditadura argentina (1976-1983).

"O papa não teve nada a ver com a ditadura. Não foi cúmplice da ditadura, não colaborou com ela. Preferiu uma diplomacia silenciosa", afirmou Pérez Esquivel em entrevista coletiva. Ele reconheceu que houve bispos cúmplices,  "mas não [Jorge] Bergoglio". 

"Para ser um cúmplice é preciso ter colaborado com a ditadura. De fato, alguns bispos - como arcebispo Adolfo Servando Tortolo - foram cúmplices. Bergoglio, na época, não era um bispo, mas apenas um superior provincial dos jesuítas na Argentina", disse Perez Esquivel.

Segundo ele, ainda que o pontífice não tenha acompanhado na luta, fez "sua diplomacia silenciosa." 

"Se é verdade que ele não teve a coragem, assim como os outros sacerdotes, religiosos e bispos, para assumir a liderança daqueles que lutaram pelos direitos humanos, estou ciente, no entanto, que ele tentou protestar contra a violação desses direitos. Contudo, temos de colocar estes fatos no clima terrível de que período da ditadura militar ", defendeu o Nobel da Paz, , defensor dos direitos humanos na Argentina, que foi preso e torturado durante a ditadura militar. 

 "Parece-me, no entanto, que não é certo acusá-lo de cumplicidade. É claro que diante do ressentimento das famílias religiosas afetadas é possível que alguém diga: 'Bergoglio não fez o suficiente'. E se comprarmos à bispos corajosos, como Enrique Angelelli [La Rioja], Alfredo Ernest Novak [Paranaguá], Nevares Jaime [Neuquén] e Miguel Hesayne [Viedma], realmente não fez muito", completou ele. 

Esquivel caracterizou o encontro com o pontífice como "um reencontro". "Já nos conhecíamos. Eu o vi bem, tentando interiorizar, mas seguro e pronto para cumprir sua missão apostólica".

"Tratamos de vários temas, do desafio que representa um papa latino-americano. Falamos sobre direitos humanos, me disse que precisa buscar a verdade, justiça e reparação, falamos que os direitos humanos são integrais e que na há como limitar apenas aos assassinatos durante a ditadura, mas também tem a pobreza, o ambiente e a vida do povo", explicou Esquivel. 

O prêmio Nobel completou dizendo que Francisco pediu para que rezasse por ele "e me comprometi a acompanhá-lo".

Acusações

O então arcebispo de Buenos Aires foi citado em três ocasiões, apenas como testemunha, em julgamentos relacionados com a Ditadura Militar da Argentina. Em uma ocasião, pelo desaparecimento de um padre francês em 1976; e em outra pelo roubo de filhos dos desaparecidos, que ele diz ter tido conhecimento apenas após o retorno da democracia.

Os críticos de Bergoglio também afirmam que ele teve relação com a detenção de dois missionários jesuítas, Orlando Yorio e Francisco Jalics, presos em 23 de março de 1976 e liberados cinco meses depois. Eles foram torturados em um centro de detenção conhecido por sua crueldade, a Escola Mecânica do Exército (ESMA). Eles foram libertados cinco meses depois.

Bergoglio sempre negou qualquer responsabilidade. Os dois missionários assumiram uma postura em oposição à ditadura, enquanto ele, como diretor da Ordem Jesuítica da Argentina, tentou manter a neutralidade política frente a expansão da Teologia da Libertação.

"Fiz o que pude, com a idade e as poucas relações que tinha, para interceder a favor das pessoas sequestradas", afirmou Jorge Bergoglio em um livro de entrevistas.

O jesuíta Franz Jalics, um dos padres sequestrados, vive na Alemanha e está "em paz" com o papa Francisco, segundo fontes da ordem. Ele viajou há alguns anos a Buenos Aires, a convite do arcebispado da capital argentina, e "abordou a questão".

Horacio Verbitsky, autor do livro "Jogo duplo, a Argentina católica e militar", é um dos principais acusadores e diz ter conhecimento de "cinco novos testemunhos, que confirmam o papel de Bergoglio na repressão militar dentro da Igreja Católica".

Uma juíza francesa pediu em 2011 uma audiência com o cardeal Bergoglio, no âmbito da investigação sobre o homicídio de um padre francês em 1976, durante a ditadura argentina, mas Buenos Aires nunca respondeu favoravelmente, afirmou a advogada da família do sacerdote.

"Certamente, este papa não é uma grande figura da defesa dos direitos humanos, pelo contrário, é suspeito de não ter denunciado os crimes da ditadura, de não ter pedido explicações e, portanto, com seu silêncio, de ter acobertado estes atos", considerou a advogada

Em 2007, um ex-capelão da polícia, Cristian von Vernich, foi o primeiro padre argentino a ser condenado à prisão perpétua. Ele foi considerado culpado por cumplicidade em sete mortes, 31 casos de tortura e 42 sequestros na província de Buenos Aires.

Defensores

O Vaticano refutou as acusações contra o papa Francisco e disse que fazem parte de uma "campanha difamatória". "A Justiça argentina o interrogou várias vezes, mas nada foi imputado a ele", afirmou o porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, que destacou ainda que existem várias declarações de testemunhas que dizem que Bergoglio protegeu pessoas durante o regime militar.

Além da defesa do militante pelos direitos humanos e prêmio Nobel da Paz de 1980, Adolfo Pérez Esquivel, o papa Francisco contou com o apoio do cardeal australiano George Pell, eleitor no conclave, que classificou as acusações como mentira. "As histórias foram desmentidas há anos", afirmou. "O diretor da Anistia Internacional daquela época disse que as acusações são completamente falsas."

Graciela Fernández Meijide, ex-ministra de Desenvolvimento Social da Argentina, ativista dos direitos humanos e membro da Comissão Nacional do Desaparecimento de Pessoas, também saiu em defesa do pontífice e disse que ele "nunca esteve envolvido com a ditadura."

Inocência atestada ainda pelo presidente da Corte Suprema de Justiça da Argentina, Ricardo Luis Lorenzetti, que disse que o papa Francisco "é uma pessoa absolutamente inocente" e jamais foi suspeito de ser cúmplice das violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar argentina (1976-1983).

"Sem considerar o fato de que algumas pessoas discordam, ou dizem que ele poderia ter feito algo, a verdade é que não existe nenhuma acusação concreta contra ele", disse Lorenzetti.

A repressão desses anos deixou mais de 10 mil de desaparecidos, segundo cifras oficiais, e mais de 30 mil, segundo a organização não-governamental Mães da praça de Maio.

 

* (Com agências de notícias)