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Projeto de fotógrafa norte-americana dá voz a vítimas de abuso sexual

Rodeada de histórias de vítimas de abuso sexual, a fotógrafa Grace Brown, 22, decidiu criar um projeto para dar voz às vítimas de estupro - Reprodução/projectunbreakable.tumblr.com
Rodeada de histórias de vítimas de abuso sexual, a fotógrafa Grace Brown, 22, decidiu criar um projeto para dar voz às vítimas de estupro Imagem: Reprodução/projectunbreakable.tumblr.com

Fabiana Maranhão

Do UOL, em São Paulo

31/05/2013 06h00

Aos 22 anos, Mary (nome fictício), moradora de Charlottesville, no Estado da Virgínia (EUA), foi estuprada por quatro pessoas diferentes ao longo da vida. “Quando você olha nos meus olhos você vê sofrimento e desgosto de quem é vítima de violência sexual”, escreve. As lembranças lhe causam dor e, vez por outra, sensação de culpa. Vergonha, sentimento comum entre quem já sofreu abuso sexual, ela não sente. Não mais.

O nome da jovem é desconhecido, mas seu rosto e sua história estão escancarados na internet, junto com os de centenas de outras jovens, mulheres e até homens que foram vítimas de estupro. Eles participam do projeto Unbreakable (inquebrável, em português), tumblr que reúne fotos de pessoas abusadas sexualmente segurando cartazes com frases ditas por seus agressores.

A autora das fotografias é Grace Brown, 21, do Estado do Massachusetts. O projeto foi criado em outubro de 2011. “Estava com uma amiga e, de repente, ela começou a contar que havia sido estuprada. Já tinha ouvido muitas histórias como essas antes, mas algo que ela falou me deixou perturbada", diz a jovem, em conversa por telefone com o UOL.

Ela lembra que, ao voltar para casa, começou a contar quantas pessoas que ela conhecia já haviam sido abusadas. "Na manhã seguinte, acordei com a ideia do projeto na cabeça”, fala. Grace conta que começou fotografando pessoas conhecidas que ela convidava para participar. “Hoje em dia, as pessoas é que pedem para serem retratadas”, afirma. 

"Soco no estômago"

Grace estima que, em um ano e meio de projeto, cerca de 450 pessoas tenham passado pela frente das lentes de suas câmeras. A jovem já percorreu 30 cidades dos Estados Unidos e também de países da Europa, como Inglaterra e França, com o intuito de dar voz às vítimas de abuso sexual.

"Meu objetivo é mostrar como o estupro é corriqueiro e ninguém fala de fato sobre isso. Quero mostrar como [esse crime] é real e com que frequência ele acontece", explica. Para ela, mais do que expôr vítimas, o projeto ajuda a "trazer de volta as palavras que estavam dentro delas há muito tempo".

A jovem fotógrafa define seu blog como uma espécie de "soco no estômago". "Quando alguém que não sabe muito sobre abuso sexual entra no blog se dá conta de quão frequente e terrível é esse crime".

"Todas [as histórias] que ouço são fortes"

O projeto, que surgiu de uma inquietação pessoal de Grace, ganhou tamanha dimensão que atualmente dezenas de pessoas enviam para ela as suas próprias fotografias com cartazes nas mãos para serem publicadas no blog. Grace acredita que já tenha recebido em torno de 1.300 fotografias feitas pelos internautas.

E mesmo depois de ter tido contato com tantos relatos de violência, a fotógrafa afirma que tudo que ela vê e lê a deixa chocada. “Todas [as histórias] que eu ouço são fortes e eu dou a cada uma delas a atenção que necessitam”.

No ano passado, o blog figurou na lista dos 30 melhores tumblrs que mereciam ser seguidos, de acordo com a conceituada revista norte-americana Time. Mas não é isso que deixa Grace mais orgulhosa. "Algumas semanas depois de ter dado início ao projeto, comecei a receber emails das pessoas [que foram fotografadas], contando que se sentiam melhor, renovadas. Isso é realmente poderoso", define Grace.

No entanto, a fotógrafa alerta que seu blog não é um serviço de apoio às vítimas. Na página do projeto na internet, a jovem informa que nem ela nem qualquer pessoa envolvida ao Unbreakable está "capacitada para dar conselhos sobre o assunto". Ela divulga o número de telefone e o site de um serviço especializado de aconselhamento dos Estados Unidos. No Brasil, existe o disque 100, que recebe denúncias de qualquer tipo de violação dos direitos humanos.  

Relatos cruéis

Passear pelo blog é perturbador. O que se vê é uma série que parece não ter fim de frases cruéis e, infelizmente, reais. "Não machucaria tanto se você ficasse excitada (Eu chorava. Não só porque doía fisicamente, mas porque eu nunca tinha dito sim)”, diz o cartaz que Mary, a jovem do começo da reportagem, segura.

Outra fotografia traz a seguinte mensagem: “Você não é nada. Você deveria me agradecer”. A frase foi dita pelo agressor de uma mulher que foi fotografada por Grace em Londres (Inglaterra). “Você parece ridícula com meu esperma sobre você”, escreveu uma jovem de Charlottesville que, diferente das outras, preferiu não mostrar o rosto.

Em meio a centenas de narrativas tão duras, difícil --e talvez injusto-- eleger as que mais chocam. Uma parece pior que a outra. Em uma sequência de três imagens, uma mulher da cidade de Buffalo, no Estado de Nova York, expõe a dor que sentiu em momentos diferentes da sua vida.

"Aos quatro anos, os abusadores, um por um, fizeram xixi na minha boca e disseram: engula"; "Aos 16, um amigo do meu irmão adotivo disse: 'não se mexa; não diga nada'. Então, ele me estuprou e sodomizou"; "Aos 31 anos, meu marido, depois que eu disse 'não', falou 'eu não me importo' e me estuprou".