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Em primeira reação concreta à espionagem, Dilma adia visita oficial aos EUA

A presidente Dilma Rousseff durante reunião no Palácio do Planalto, em Brasília, nesta terça - Pedro Ladeira/Folhapress
A presidente Dilma Rousseff durante reunião no Palácio do Planalto, em Brasília, nesta terça Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Guilherme Balza

Do UOL, em Brasília

17/09/2013 14h31Atualizada em 17/09/2013 16h03

A presidente Dilma Rousseff adiou a viagem oficial que faria aos Estados Unidos a partir de 23 de outubro próximo. A decisão, anunciada oficialmente nesta terça-feira (17), é a primeira medida concreta tomada em reação às recentes denúncias de espionagem da NSA (agência de segurança norte-americana) contra a própria presidente e à Petrobras. Até então, a resposta brasileira se limitava a declarações e pedidos de explicações, que, segundo o comunicado de hoje, não foram suficientes.

"Tendo em conta a proximidade da programada visita de Estado a Washington e na ausência de tempestiva apuração do ocorrido com a correspondentes explicações e o compromisso de cessar as atividades de interceptação, não estão dadas as condições para a realização da visita na data anteriormente acordada", diz a nota emitida pelo Palácio do Planalto.

A presidente afirmou ainda, na nota, que a decisão foi tomada em conjunto com o presidente americano, Barack Obama. "Desta forma, os dois presidentes decidiram adiar a visita de Estado pois os resultados desta visita não devem ficar condicionados a um tema cuja solução satisfatória para o Brasil ainda não foi alcançada. O governo brasileiro confia em que, uma vez resolvida de maneira adequada, a visita de Estado ocorra no mais breve prazo possível, impulsionando a construção de nossa parceria estratégica a patamares ainda mais altos."

A Casa Branca respondeu, também em nota, que "compreende e lamenta" e reafirma que a decisão foi conjunta.

Dilma seria recebida pelo presidente Obama com honras de chefe de Estado, tipo de tratamento concedido pelos EUA a parceiros que julgam estratégicos. Na honraria, raramente concedida, o recepcionado é homenageado com vários eventos, entre eles um jantar de gala na Casa Branca (o visitante é consultado sobre o cardápio e suas preferências musicais), uma parada militar e uma visita ao Congresso local.

O último mandatário brasileiro a receber esse tipo de convite foi Fernando Henrique Cardoso, em 1995, recepcionado pelo então presidente Bill Clinton. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou aos EUA em 2009 para tratar da crise financeira global, mas não foi recepcionado com honras de Estado.

Ontem (16), Obama telefonou a Dilma no início da noite e tentou demovê-la da desistência. A conversa durou cerca de 20 minutos e foi acompanhada pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo, com quem Dilma havia se reunido antes da conversa telefônica. O mandatário norte-americano teria se comprometido a enviar documentos à presidente nesta terça-feira.

Discurso em Nova York

A presidente deverá ir à Nova York na próxima semana para participar da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Há grande expectativa em torno do discurso de abertura do encontro, que será feito por Dilma --a praxe é os chefes de Estado brasileiro fazerem o pronunciamento inaugural de todas as assembleias. A mandatária já anunciou que pretende tratar da espionagem no discurso.

A nova embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Liliana Ayalde, que desembarcou ontem no Brasil para assumir o lugar de Thomas Shannon, esquivou-se ao ser questionada sobre as denúncias de espionagem.

Conselheiros da presidente, entre eles Lula, a orientaram a cancelar a viagem aos EUA. O ex-presidente fez declarações duras contra o mandatário norte-americano durante evento em São Paulo, no último dia 11. "Nós precisamos levar a sério a questão da democracia. Pode, por acaso, o senhor Obama e seu esquema de inteligência ficar bisbilhotando a conversa da nossa presidenta? Em nome de que democracia?"

Relações estremecidas

As relações entre Brasil e Estados Unidos estremeceram a partir do 1º de Setembro deste ano, quando o “Fantástico”, da Rede Globo, exibiu uma reportagem no qual mostrou que e-mails pessoais da presidente Dilma foram interceptados pela NSA. Em 8 de setembro, uma segunda reportagem apontou que a Petrobras, maior empresa brasileira, também foi espionada pelos norte-americanos.

As reportagens foram produzidas em parceria com o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, correspondente do diário britânico "The Guardian" no Rio de Janeiro. O jornalista recebeu do ex-agente da NSA Edward Snowden uma série de documentos que demonstrariam a espionagem dos EUA. Em entrevista ao UOL, Greenwald afirmou que o Brasil é “o grande alvo” das interceptações norte-americanas.

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Durante visita oficial ao Brasil na segunda semana de agosto, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, afirmou, a despeito do pedido do então chanceler Antonio Patriota, que os EUA iriam manter a espionagem de e-mails e telefonemas de cidadãos brasileiros.

Kerry afirmou que a espionagem tinha como objetivo prevenir os EUA e países amigos de ataques terroristas, em especial da rede Al-Qaeda. O secretário negou que as interceptações tivessem motivação econômica ou política e disse que o conteúdo das mensagens telefônicas e eletrônicas não era acessado pelos agentes.

Espionagem política e econômica

Os documentos exibidos pela reportagem do “Fantástico”, que integram uma apresentação feita a novos agentes da NSA, contrariam a versão norte-americana, pois indicam que houve motivação econômica ou política e que o teor das mensagens também foi acessado.

No último dia 6, Dilma se reuniu com Obama durante o encontro do G-20 em São Petesburgo, na Rússia. Disse que cobrou do homólogo a explicação de “tudinho” que fosse relacionado à espionagem. Em resposta, afirmou ter ouvido do colega que todos os esclarecimentos seriam prestados no dia 11.

Em vez de Obama enviar um representante ao Brasil, o ministro Figueiredo viajou a Washington e se encontrou com Susan Rice, conselheira de segurança nacional dos EUA. De modo lacônico, a Casa Branca declarou que continuaria a “trabalhar junto” com o Brasil em questões bilaterais e que as reportagens que denunciaram a espionagem distorceram as atividades de espionagem dos EUA.

Veja abaixo a íntegra da nota oficial da presidente:

"A presidenta Dilma Rousseff recebeu ontem, 16 de setembro, telefonema do presidente Barack Obama, dando continuidade ao encontro mantido em São Petersburgo, à margem do G-20, e aos contatos entre o ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado e a assessora de Segurança Nacional Susan Rice.

O governo brasileiro tem presente a importância e a diversidade do relacionamento bilateral, fundado no respeito e na confiança mútua. Temos trabalhado conjuntamente para promover o crescimento econômico e fomentar a geração de emprego e renda. Nossas relações compreendem a cooperação em áreas tão diversas como ciência e tecnologia, educação, energia, comércio e finanças, envolvendo governos, empresas e cidadãos dos dois países.

As práticas ilegais de interceptação das comunicações e dados de cidadãos, empresas e membros do governo brasileiro constituem fato grave, atentatório à soberania nacional e aos direitos individuais, e incompatível com a convivência democrática entre países amigos.

Tendo em conta a proximidade da programada visita de Estado a Washington – e na ausência de tempestiva apuração do ocorrido, com as correspondentes explicações e o compromisso de cessar as atividades de interceptação – não estão dadas as condições para a realização da visita na data anteriormente acordada.

Dessa forma, os dois presidentes decidiram adiar a visita de Estado, pois os resultados desta visita não devem ficar condicionados a um tema cuja solução satisfatória para o Brasil ainda não foi alcançada.

O governo brasileiro confia em que, uma vez resolvida a questão de maneira adequada, a visita de Estado ocorra no mais breve prazo possível, impulsionando a construção de nossa parceria estratégica a patamares ainda mais altos."