Topo

Com recorde de prisões em 2014, liberdade de expressão é desafio para Cuba

Jim Lo Scalzo/EFE
Imagem: Jim Lo Scalzo/EFE

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

26/07/2015 06h00

Os últimos sete meses foram de grandes notícias sobre a retomada das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba. A mais recente delas, a reabertura das embaixadas em Havana e Washington, em julho, indica um passo firme na reaproximação entre os dois países. Mas ainda não está claro o quanto ainda será preciso caminhar, a partir deste reencontro, até que as expectativas dos cubanos de uma sociedade mais livre se transformem em realidade.

O aperto de mãos entre Barack Obama (presidente dos EUA) e Raúl Castro (líder cubano) na Cúpula das Américas, em abril, foi celebrado por muitos como um marco histórico em cinco décadas de desavenças, e serviu, ao mesmo tempo, para tirar da gaveta a incômoda pergunta: o regime castrista vai encarar o desafio da liberdade de expressão, amplamente tolhida na ilha?

Um dedo está apontado para um recorde cubano dos mais negativos: o de prisões por motivos políticos. De acordo com a ONG norte-americana Freedom House, que monitora o cumprimento de direitos civis pelo mundo, em 2014 o país teve 8.899 detenções temporárias registradas pela Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, contra 6.424 em 2013 --aumento de 38%. 

Nos anos mais recentes, houve aumento de intimidação e assédio a cidadãos considerados dissidentes porque fazem oposição ao governo, segundo a ONG. Dois casos exemplares da censura imposta em Cuba, onde a imprensa é totalmente controlada pelo Estado, são o da jornalista Yoani Sánchez e o da artista Tania Bruguera.

Em um período de cinco anos, Sánchez teve negada por mais de 20 vezes a autorização oficial para sair do país, e Bruguera foi presa em dezembro de 2014, duas semanas após o anúncio da retomada de relações com os EUA, por tentar organizar em praça pública uma performance em que as pessoas eram convidadas a falar em microfones sobre a revolução que levou Cuba ao socialismo, em 1961.

Quando finalmente conseguiu permissão para deixar Cuba, no início de 2013, Sánchez iniciou pelo Brasil uma viagem por 12 países na América e na Europa. Momentos vividos aqui estão no documentário "A viagem de Yoani". Ao desembarcar em Salvador e Recife, a ativista recebeu, por parte de alguns, uma recepção nada calorosa.

“Yoani Sánchez, vendida pros Yankees”, gritaram aqueles que não concordam com a maneira como a blogueira faz oposição aos irmãos Castro.

"Para mim, é um presente ver o que se pode fazer quando há respeito pela liberdade de expressão. Eu adoraria que em Cuba houvesse essas mesmas manifestações quando não gostamos de algo. Sem ser reprimido, sem ser golpeado, sem ser encarcerado. Viva a democracia", disse a cubana, naquele momento, aos documentaristas.

Autora do blog Generación Y desde 2007, com alta audiência fora de seu país natal, Sánchez lançou em maio de 2014 o site 14ymedio.com. Considerado a primeira mídia independente na ilha, o site foi bloqueado três horas após a estreia, mas continua no ar, apesar dos frequentes impedimentos de acesso.

A artista Tania Bruguera, habituada a fazer trabalhos no exterior, teve o passaporte retido por cerca de seis meses e foi submetida a algumas prisões temporárias desde dezembro passado. 

“Em Cuba, as pessoas deveriam ter liberdade para dizer o que pensam sem temer perder seus empregos ou cargos nas universidades, sem medo de ser marginalizadas ou encarceradas”, disse a artista, ao recuperar o documento, em uma nota enviada a veículos de imprensa. “Meu desejo é que a polícia um dia sinta orgulho de ver a pluralidade de pensamentos num protesto. Não quero nunca mais olhar nos olhos de um cubano e enxergar qualquer medo de dizer o que pensam”, afirmou.

Por conta dos abusos de direitos políticos e de liberdades civis, Cuba é considerada a “pior das piores” na lista da Freedom House das sociedades mais repressivas do planeta.

O país com população de 11 milhões é avaliado como ‘não livre’ de forma geral, e fica assim no ranking da ONG (sendo 1 a melhor nota e 7, a pior):

  • Liberdade: 6,5
  • Liberdades civis: 6
  • Direitos políticos: 7

Gambiarra por mais informação

Acessada por apenas 5% da população, um dos índices mais baixos no Ocidente, a internet em Cuba também é julgada como ‘não livre’. O acesso na ilha é limitado em velocidade, preço e conteúdo. Estrangeiros a trabalho no país, por exemplo, usam as redes sem fio dos hotéis, mas com grande dificuldade.

Pelos canais tradicionais de comunicação (jornal e TV), a informação fornecida aos cubanos é basicamente a versão oficial do que acontece, e as fontes independentes de notícias são consideradas ilegais. Apesar disso, foram abertos mais de 150 cafés com acesso à internet entre 2013 e 2014, ano em que foi possível acessar o e-mail por celular pela primeira vez.

Isso não quer dizer, porém, que os cubanos não acompanhem em casa o que há de ‘subversivo’ por aí.

Uma das gambiarras mais conhecidas na ilha é o chamado ‘pacote semanal’, como explicou o escritor cubano Leonardo Padura em entrevista ao Observatório da Imprensa, quando esteve no Brasil para a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). 

Ele diz que, todo começo de semana, há pessoas que vão de casa em casa com um HD externo vendendo programas de televisão. “Saem todas as segundas-feiras e vão baixando de preço durante a semana. Trazem um compêndio de séries, filmes, programas esportivos, programas humorísticos”.

Este material é captado por satélite, com aquele 'jeitinho', e distribuído no sistema porta a porta. “Há autoridades cubanas, culturais e políticas, que estão muito preocupadas com o 'pacote' porque ele escapa do controle desta imprensa e desta televisão que pertencem ao Estado. Mas nós consumidores estamos muito agradecidos ao 'pacote' porque vimos o último episódio de Game of Thrones, desta última série, a série mais popular hoje no mundo. Terminou num domingo, e às 9h de segunda-feira as pessoas em Cuba já estavam assistindo a Game of Thrones”, diz ele.

Nascido em 1955, Padura, que trabalhou também como jornalista, era uma criança quando o país foi declarado um Estado socialista por Fidel Castro. Seu último livro, “Yo quisiera ser Paul Auster”, da editora Verbum, foi lançado na Espanha ao preço de 20 euros (cerca de R$ 72), mas não ainda em seu país natal.

"Não há papel em Cuba. Não há quase papel em Cuba para fazer edições de autores cubanos, muito menos de autores estrangeiros. Importar livros é quase impossível porque um livro que custe 20 euros [na Europa], em Cuba é praticamente o salário de um mês de uma pessoa. (...) Então, Paul Auster, como muitos outros autores, são desconhecidos. (...) O leitor cubano está desatualizado da literatura mundial, incluída a brasileira."

Assim que anunciadas as aberturas das embaixadas em Washington e Havana, no dia 20 de julho, foram atualizados no Twitter os seus respectivos perfis diplomáticos (@EmbaCubaUS e @USEmbCuba). Até aqui, como esperado, o escritório norte-americano tem cinco vezes mais seguidores.