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"Não me sinto segura aqui", diz judia sobre antissemitismo na França

Nehama Saadoun, 22, moradora de Marselha (cerca de 800 km de Paris), no sul da França - Reprodução/Facebook
Nehama Saadoun, 22, moradora de Marselha (cerca de 800 km de Paris), no sul da França Imagem: Reprodução/Facebook

Carolina Vila-Nova

Do UOL, em Paris

25/11/2015 15h58Atualizada em 25/11/2015 18h54

Dona da maior comunidade judaica da Europa, com quase meio milhão de pessoas, a França vive uma onda antissemita que se agravou nos últimos 15 anos e que tem provocado um êxodo de judeus franceses em direção a Israel.

Em um dos casos mais recentes, um professor de uma escola judaica em Marselha (cerca de 800 km de Paris), no sul do país, foi atacado a golpes de faca diante de sua casa por dois homens, na última quarta-feira (18). Um terceiro homem gravou o ataque com um celular. Os três estão foragidos.

Segundo relatou Tsion Saadoun, 56, à imprensa francesa, os agressores vestiam camisetas em apoio ao Estado Islâmico e disseram: “Vamos primeiro te machucar, para depois te matar”.

“Em Marselha, o espírito do antissemitismo reina e é visível. Há uns três anos, me chamaram de judia imunda sem nenhuma razão”, disse ao UOL Nehama Saadoun, 22, filha do professor agredido, que hoje passa bem.

“A agressão contra meu pai me revoltou, me ultrajou. Me pergunto como um ser humano pode chegar a realizar tal ato, pode pronunciar tais palavras e, sobretudo, pode tão facilmente se deixar entranhar por reivindicações e valores infundados e sem nenhum sentido. Adoraria ouvir suas explicações, adoraria que eles se justificassem", diz a jovem.

Marselha é uma sociedade mista em que cerca de 80 mil judeus convivem com 200 mil muçulmanos e uma maioria de cristãos. Após os atentados em Paris, a tensão aumentou nessa cidade portuária.

Um dia após a agressão contra Saadoun, uma mulher muçulmana que vestia um hijab, véu usado para cobrir a cabeça, foi espancada na saída de uma estação de metrô por um homem de cerca de 20 anos.

Antes disso, um jovem havia sido detido por gritar contra policiais e fazer gestos de decapitação.

“Nasci em Marselha, vivo há 22 anos no mesmo bairro, estudo e trabalho na França. Me sinto francesa”, diz Nehama. “Mas não me sinto segura na França. Israel é uma possibilidade de futuro para nós, apesar de crer fortemente que não deveríamos deixar isso acontecer na França”.

Alvo de primeira linha

“O sentimento do judeu hoje na França é que ele é, devido à sua exposição, um alvo de primeira linha”, afirma Yonathan Arvi, vice-presidente do Conselho Representativo de Instituições Judaicas da França. “A ameaça terrorista e antissemita é hoje, para o judeu, parte integrante de seu cotidiano, principalmente depois do ano 2000.”

Segundo ele, o antissemitismo hoje assume diversas formas no país, desde pequenos delitos, como a degradação de lugares comunitários, como sinagogas e escolas judaicas, até agressões físicas a pessoas e atos terroristas.

Ele citou como casos mais extremos o ataque ao supermercado judaico Hyper Cacher em Paris, no dia 9 de janeiro, quando quatro pessoas foram mortas, dias após o atentado contra o semanário "Charlie Hebdo", no começo do ano, e o ataque a uma escola judaica de Toulouse (cerca de 700 km de Paris) em 2012, em que um professor e três alunos morreram.

Esse sentimento de insegurança fez com que o número de judeus que abandonam a França e decidem viver em Israel tenha aumentado de 2.000 em 2012 para 3.000 em 2013, chegando a 7.000 em 2014 --tornando-se a maior agrupação de emigrantes que chega ao país do Oriente Médio.

O Ministério de Absorção de Imigração israelense estima que, em 2015, esse número chegue a 9.000.

“Isso reflete o sentimento de abandono do judeu francês. Apesar do apoio das autoridades, sentimos que a sociedade francesa e a opinião pública não captaram a extensão do problema”, afirma Arvi.

Para Nehama Saadoun, o poder político precisa fazer mais.

“Já sofremos muito com a segregação e com o antissemitismo. A Segunda Guerra Mundial não está tão longe assim”, diz ela. “As organizações políticas devem tomar medidas para impedir que o antissemitismo se irradie, se já não for tarde demais.”