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Negros de ilha do Caribe veem racismo no socorro às vítimas de furação Irma

10.set.2017 - Destroços ficam espalhados nas ruas da área residencial La Baie após a passagem do furacão Irma, em São Martinho - Amandine Ascensio/ AP
10.set.2017 - Destroços ficam espalhados nas ruas da área residencial La Baie após a passagem do furacão Irma, em São Martinho Imagem: Amandine Ascensio/ AP

Thomas Adamson

Da Associated Press, em Paris

11/09/2017 16h48

Alguns moradores negros e mulatos do território francês na ilha de São Martinho estão demonstrando indignação por acreditarem que turistas brancos tiveram prioridade durante a evacuação pela passagem do furacão Irma.

A sensação traz à tona tensões raciais que estiveram presentes nas antigas colônias francesas, especialmente nos territórios caribenhos, onde a maioria da população se identifica como negra e é mais pobre que a minoria branca.

A moradora de São Martinho Johana Soudiagom ficou chocada quando se viu em um pequeno grupo de não-brancos evacuados em um barco de Guadalupe após a passagem do furacão Irma.

"É seletivo. Desculpe, mas nós vimos apenas moradores do continente. É uma forma de dizer: 'lamento, só brancos'. Só tinha brancos no barco", disse Soudiagom à televisão Guadeloupe 1ere.

É comum a prática de turistas serem os primeiros a serem evacuados das zonas de desastre por razões práticas: eles estão em hotéis e não em suas casas e tendem a ter menos recursos, como comida e carros. O primeiro-ministro francês Édouard Philippe disse nesta segunda-feira (11) que apenas foram priorizadas as pessoas mais vulneráveis.

Soudiagom e outras testemunhas disseram à televisão Guadelouope 1ere que o barco que os levou na sexta-feira (8) transportava turistas para um local mais seguro, mas deixou muitos moradores de São Martinho para trás, incluindo mães e crianças.

Na segunda-feira (11), o representante francês do Conselho de Associações de Negros escreveu ao governo pedindo uma investigação parlamentar sobre a operação de resgate por causa do Irma, já que há reclamações de que alguns evacuados não eram "necessariamente os que enfrentavam maiores riscos".

"Aos meus olhos, Irma é para as Antilhas Francesas o que o furacão Katrina foi para Louisiana nos EUA -- um expoente das desigualdades racial e social", disse Louis-Georges Tin, porta-voz do grupo.

O terror de enfrentar um furacão de categoria 5, o mais poderoso de todos, se combinou com a sensação de isolamento entre os moradores de São Martinho, que fica cerca de 6.700 km do território francês no continente e é popular entre turistas europeus.

"A catástrofe natural aconteceu em um lugar que é muito vulnerável socialmente, onde há uma população de muitas cores de pele e uma história de escravidão", disse Michel Giraud, um pesquisador francês que estuda sobre questões de raça. "Claro que haverá uma percepção de racismo".

A ilha de São Martinho, dividido no século 17 entre o território francês e o holandês -- tem apenas 87 km2. Seus 80 mil moradores são uma mistura étnica de descendentes principalmente da África, Europa e Ásia. Os dois lados da ilha dividem a língua creole.

A parte francesa da ilha é similar a outras áreas francesas no Caribe, com uma minoria branca mais rica que a maioria negra. A França proíbe a recolha de dados sobre raça, por isso não há estatísticas que mostrem a disparidade com mais precisão.

Segundo Giraud, a televisão francesa também fez uma cobertura desproporcional, enfocando mais a população branca. "Quando eu vi as imagens, fiquei chocado", disse. "Na cobertura que vi, as vítimas eram na maioria turistas brancos ou franceses brancos ricos. Mas os mais pobres são sempre as primeiras vítimas".

Irma atingiu São Martinho na quarta-feira (6), provocando a morte de pelo menos nove pessoas na parte francesa da ilha e danificando a maioria das construções.

Nos dias seguintes, saqueadores foram vistos levando comida, água e televisões das lojas. Vídeos com imagens de negros atacando lojas circularam nas redes sociais. Alguns usaram as redes sociais para culpas os não-brancos pelos saques e caracterizando os brancos evacuados como inocentes escapando do caos.

Tin disse que os moradores mais pobres da ilha estavam fazendo o que eles tinham que fazer diante de um governo ineficiente. "O que alguns chamam de saque, outros chamam de sobrevivência. Quando o estado não faz seu trabalho, é normal os mais pobres fazerem o que for necessário para sobreviver", disse

"Na Flórida, mais de um milhão foi evacuado, e a França diz que em quatro dias eles não podiam evacuar um número muito menor", disse Tim. "A questão que deve ser feita é se isso tem a ver com racismo".

O governo argumenta que é mais difícil transportar dezenas de milhares de pessoas de pequenas ilhas em um clima agitado que dizer a elas que dirijam com cuidado.

O presidente francês Emmanuel Macron vai voar para São Martinho nesta terça-feira para inspecionar os estragos e as operações de recuperação.

Christophe Castaner, porta-voz do governo francês, disse que é perfeitamente compreensível a indignação dos moradores da ilha com a atuação do governo, mas culpa parte da controvérsia ao "choque emocional, um impacto que é extremamente duro psicologicamente"