Topo

Não é só no Brasil: 7 países em que ex-presidentes enfrentam problemas com a Justiça

Em março, Sarkozy foi detido por dois para prestar depoimento em uma investigação sobre sua campanha - Ian Langsdon/Pool Photo via AP
Em março, Sarkozy foi detido por dois para prestar depoimento em uma investigação sobre sua campanha Imagem: Ian Langsdon/Pool Photo via AP

Daniel Buarque

Colaboração para o UOL, em Londres

03/04/2018 17h39

Antes mesmo da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão em segunda instância, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já aparece em uma lista nada agradável. Desde o fim da semana passada, a Wikipedia já incluía, equivocadamente, Lula entre os ex-chefes de Estado que acabaram sendo presos depois de governar seus países.

O UOL fez um levantamento de alguns dos casos recentes mais importantes, e revela que ex-líderes políticos enfrentam problemas não só no Brasil e na América Latina, mas também em países da Europa, Ásia e Oriente Médio.

Nos últimos anos, foram detidos ou são pelo menos investigados ex-presidentes da França, do Peru, da Coreia do Sul, da Guatemala, de Israel, da Argentina, e de Portugal. Na maioria dos casos, como no Brasil, os ex-líderes se dizem inocentes e apontam para manipulação de interesses políticos por trás das investigações e julgamentos.

França

O caso francês é um dos mais recentes. Em março, Nicolas Sarkozy, ex-presidente da França que governou entre 2007 e 2012, ficou detido por dois dias para prestar depoimento.

Segundo a acusação, Sarkozy teria recebido fundos do então líder líbio Muammar Gaddafi para sua campanha eleitoral de 2007. Essa é a segunda grande investigação judicial contra o ex-líder francês. Além disso, ele é acusado de que ter usado sua influência para obter acesso a detalhes vazados de um inquérito sobre supostas irregularidades em sua campanha eleitoral de 2007. Ele também é acusado de gastos ilícitos durante sua campanha à reeleição em 2012.

Sarkozy recebeu o ditador líbio Gaddafi em 2007 - Jacky Naegelen/Reuters - Jacky Naegelen/Reuters
Sarkozy recebeu o ditador líbio Gaddafi em 2007
Imagem: Jacky Naegelen/Reuters

O ex-presidente nega as alegações sobre a Líbia, que afirma serem "grotescas" e uma "grosseira manipulação". A defesa do ex-presidente argumenta que os juízes investigando o suposto financiamento secreto líbio excederam seus poderes gravando as conversas do ex-presidente com eles entre setembro de 2013 e março de 2014, violando o sigilo entre advogado e cliente.

A defesa vai pedir ainda a nulidade do processo. Sarkozy foi presidente da França de 2007 a 2012, mas foi derrotado pelo socialista

Peru e seus políticos presos

O Peru é um caso especial quando se trata de prisão de políticos e ex-líderes. A situação é tão fora do comum que um artigo publicado no "New York Times" chegou a perguntar, ironicamente, se o país precisaria de um presídio especial apenas para deter ex-presidentes.

Desde o ano passado, o país tinha o recorde de quatro ex-líderes presos ou fugindo da Justiça por crimes que vão de desrespeito a direitos humanos a corrupção. Isso sem contar que a instabilidade política no país atualmente levou à renúncia do presidente Pedro Pablo Kuczynski (PPK, como é conhecido) em 21 de março, sob acusações de ter recebido propina da Odebrecht

PPK renunciou à presidência do Peru em março, após ser acusado de receber propina da Odebrecht - Luis Camacho/Xinhua - Luis Camacho/Xinhua
PPK renunciou à presidência do Peru em março, após ser acusado de receber propina da Odebrecht
Imagem: Luis Camacho/Xinhua

Dias após a saída dele do poder, um juiz peruano proibiu ele de deixar o país pelos próximos 18 meses, enquanto ele é investigado por lavagem de dinheiro. Ele também teve suas propriedades revistadas.

Entre os casos de ex-presidente já presos, o mais conhecido é o de Alberto Fujimori, condenado em 2009 a 25 anos de prisão por violações de direitos humanos e também por apropriação indébita e corrupção. Fujimori governou o Peru entre 1990 e 2000. Ele cumpriu pena na prisão de 2005 até receber indulto do presidente PPK e ser libertado, em dezembro do ano passado.

Além de Fujimori, em julho de 2017 a Justiça do Peru determinou a prisão preventiva, por 18 meses, do ex-presidente Ollanta Humala e de sua mulher, Nadine Heredia. Eles são acusados de lavagem de dinheiro por conta do recebimento de caixa dois vindo da construtora brasileira Odebrecht durante as campanhas eleitorais de 2006 e de 2011.

Em dezembro de 2017, Alberto Fujimori foi libertado após ter indulto do presidente PPK - AFP - AFP
Em dezembro de 2017, Alberto Fujimori foi libertado após ter indulto do presidente PPK
Imagem: AFP

Segundo o “New York Times”, Humala também é acusado de execuções extrajudiciais durante seu tempo como capitão do Exército em uma remota base na selva nos anos 1990.

Humala, que governou entre 2011 e 2016, afirmou que a decisão é a "confirmação do abuso de poder" da Justiça.

O pedido de prisão preventiva foi feito pela Procuradoria do Peru para evitar uma fuga de Humala. A preocupação faz sentido, já que um outro ex-presidente acusado de corrupção no país está foragido nos EUA: Alejandro Toledo --que governou entre 2001 e 2006.

Toledo é acusado oficialmente de tráfico de influência, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Ele teria recebido US$ 20 milhões em propinas da Odebrecht. O advogado de defesa do peruano, Heriberto Benítez, disse que seu cliente é "vítima de uma perseguição política".

A Justiça decretou a prisão preventiva de Toledo em fevereiro de 2017, e a Corte Suprema do Peru já aprovou um pedido de extradição dele.

Um outro caso que faz o “New York Times” dizer que o Peru é recordista de ex-líderes presos é o de Francisco Morales Bermúdez, ditador militar do Peru de 1975 a 1980. Ele foi condenado por um tribunal em Roma a prisão perpétua por seu papel na morte de 23 pessoas com cidadania italiana vivendo na América Latina durante a Operação Condor. Segundo o jornal, entretanto, ele não chegou a ser preso por causa de sua idade.

A ex-líder da Coreia do Sul Park Geun-hye sofreu impeachment e foi presa em 2017 - AFP - AFP
A ex-líder da Coreia do Sul Park Geun-hye sofreu impeachment e foi presa em 2017
Imagem: AFP

Coreia do Sul

Poucas semanas depois de sofrer um impeachment e deixar o governo, a ex-presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye, foi presa em março de 2017 sob suspeita de ter atuado com uma amiga para subornar grandes conglomerados empresariais do país.

A ex-presidente foi indiciada oficialmente em abril com acusações que incluem abuso de poder, coação, suborno e divulgação de segredos de Estado, e ainda deve ser julgada.

A crise que levou à prisão dela teve início com a revelação de que uma amiga de Park, Choi Soon-sil, aproveitou sua influência para fazer com que grandes empresas pagassem milhões de dólares.

A investigação concluiu que Park obteve uma soma de quase US$ 70 milhões de conglomerados empresariais para duas fundações controladas por Choi em troca de favores políticos. Park pediu desculpas diversas vezes pelo escândalo, mas nega ter cometido crimes. Ela alega que as empresas doaram voluntariamente o dinheiro e afirmou desconhecer qualquer atividade ilegal de Choi.

Park, que pode ser condenada a até 30 anos de prisão, é a terceira presidente sul-coreana a ser presa —nos anos 1990, Roh Tae-woo e Chun Doo-hwan também foram presos por uma série de acusações, incluindo corrupção.

Além de Park, em março deste ano um tribunal sul-coreano emitiu um mandado de prisão para o ex-presidente Lee Myung-bak, devido a acusações de que o político aceitou suborno enquanto estava no poder, segundo a agência Reuters.

Foi emitido mandado de prisão contra Lee Myung-bak por acusações de corrupção - Jewel Samad/AFP Photo - Jewel Samad/AFP Photo
Foi emitido mandado de prisão contra Lee Myung-bak por acusações de corrupção
Imagem: Jewel Samad/AFP Photo

Lee foi interrogado por procuradores no início do mês sobre as quase 20 acusações que enfrenta, incluindo suspeita de que teria aceitado ilegalmente US$ 10 milhões de diversas pessoas e instituições, incluindo o Serviço Nacional de Inteligência do país e o grupo Samsung. O ex-presidente nega todas as acusações.

Guatemala

Outro país em que ex-líderes políticos enfrentam problemas com a Justiça é a Guatemala, onde o ex-presidente Alvaro Colom e um ex-ministro da Economia foram presos em fevereiro deste ano. Eles foram detidos como parte de uma investigação sobre corrupção que envolve a compra de ônibus que seriam usados em um grande programa de transporte público.

Colom governou a Guatemala entre 2008 e 2012 e nega ter cometido crime no caso. "Acreditamos que tudo foi legal, mas vamos esperar para ver o que o juiz vai dizer", disse. Até março, ele seguia preso.

O caso de Colom não é o único no país. Em 2015, o então presidente da Guatemala, Otto Pérez Molina, renunciou ao cargo e foi detido horas depois sob acusação de ser um dos chefes de um esquema de corrupção.

Segundo a Justiça, Molina seria participante de uma rede de corrupção na qual empresários pagavam propina para evitar pagar impostos por importação. O ex-presidente se diz inocente.

Israel

Casos de condenação de ex-lideranças políticas foram registrados também em Israel, onde o ex-primeiro-ministro Ehud Olmert ficou preso por um ano e quatro meses entre 2016 e 2017. Ele foi o primeiro ex-chefe de governo israelense a ser detido, depois de ser condenado por corrupção e obstrução à Justiça.

Olmert foi condenado em 2014 por aceitar subornos para promover um projeto imobiliário e por obstrução de Justiça, quando prefeito de Jerusalém, antes de se tornar primeiro-ministro.

Solto em liberdade condicional, o ex-premiê deve fazer trabalho voluntário, se apresentar à polícia duas vezes ao mês e seguirá impedido de deixar o país assim como de conceder entrevistas.

O ex-primeiro ministro está proibido de se candidatar a cargos públicos por sete anos.

A argentina Cristina Kirchner é acusada de traição à pátria em caso com iranianos - Alejandro Pagn/AFP - Alejandro Pagn/AFP
A argentina Cristina Kirchner é acusada de traição à pátria em caso com iranianos
Imagem: Alejandro Pagn/AFP

Argentina

A Argentina é um país em que ex-líderes políticos têm enfrentado problemas com a Justiça. A Justiça do país pediu no fim do ano passado o fim do foro privilegiado e a prisão da ex-presidente, atualmente senadora, Cristina Kirchner, que governou o país entre 2007 e 2015.

Ela é acusada de acobertar iranianos acusados pelo atentado contra um centro judaico que matou 85 pessoas em 1994. A acusação não é a primeira contra ela, que também acusada de especular com câmbio, enriquecimento ilícito, tráfico de influência e lavagem de dinheiro.

No caso do Irã, Cristina é acusada de traição à pátria por ter assinado em 2012 um acordo com o Irã para que os iranianos acusados pelo atentado fossem interrogados em Teerã ou em um terceiro país.

A ex-presidente negou todas as acusações. "Me acusar de traição é um desvario judicial", disse.

Portugal

Escândalos de corrupção envolvendo ex-governantes chegaram também à Justiça portuguesa. No final do ano passado, o ex-primeiro-ministro português José Sócrates foi indiciado devido a acusações de corrupção e lavagem de dinheiro.

Uma investigação de quatro anos acusa Sócrates de desempenhar um papel crucial e de receber milhões de euros em um esquema envolvendo os ex-dirigentes de empresas e bancos. Sócrates negou qualquer irregularidade em muitas ocasiões, afirmando que as acusações têm motivações políticas.

Sócrates, que foi premiê entre 2005 e 2011, chegou a ser preso em 2014 devido à suspeita de corrupção e passou nove meses detido antes de ser transferido para prisão domiciliar, em que ficou por dois meses, enquanto procuradores e policiais continuavam investigando para produzir o indiciamento formal.

Ele foi denunciado em outubro por 31 crimes, entre eles acusações de lavagem de dinheiro, acusações de falsificação de documentos e evasão fiscal, mas ainda aguarda julgamento.