Morte de Hugo Chávez representa alívio e oportunidade para os EUA

Antonio Caño

De Washington (EUA)

O desaparecimento de Hugo Chávez do cenário latino-americano e mundial representa um grande alívio para os Estados Unidos e uma grande oportunidade de construir uma nova era de cooperação em um continente em que a sombra do famoso comandante venezuelano, embora nunca fosse uma ameaça real, foi até agora um freio em qualquer tentativa de aproximação com Washington.

Em uma primeira reação por escrito, Barack Obama manifestou na terça-feira (5) que "os EUA reafirmam seu apoio ao povo venezuelano e seu interesse por desenvolver relações construtivas com o governo da Venezuela". "Quando a Venezuela abre um novo capítulo de sua história", acrescenta o comunicado, "os EUA continuam comprometidos com sua política de promoção dos princípios democráticos, o império da lei e o respeito aos direitos humanos".

Hugo Chávez brincou de ser, para os últimos governos americanos, o Fidel Castro dos tempos modernos. Idêntico em sua teatralidade guerreira e em sua retórica anti-imperialista, Chávez substituiu na mística da esquerda o líder da revolução cubana como símbolo da hostilidade natural pela grande potência do norte.

Entretanto, à diferença do que ocorreu com o castrismo, Washington manejou o chavismo com habilidade e desdém. Para irritação do militar venezuelano, e apesar de suas reiteradas acusações em sentido contrário, os EUA nunca o reconheceram publicamente como uma ameaça nem mobilizaram recursos apreciáveis para desalojá-lo do poder. George W. Bush jamais se referiu a Chávez pelo nome, e Barack Obama não modificou essa atitude.

Relembre a trajetória de Chávez

  • Arte UOL

Na própria terça-feira, pouco antes de se anunciar oficialmente sua morte, Washington nem sequer se dignou a comentar o último disparate do regime: que Washington, em uma ação coordenada com cúmplices burgueses e militares traidores, era culpado pela doença que acabou matando seu chefe.

Por baixo dessa indiferença, entretanto, existia uma preocupação nos gabinetes de Washington pela desestabilização que Chávez representava na América Latina, mas também em outras partes do mundo. O chavismo parecia ultimamente uma força cuja expansão estava bastante controlada, mas Chávez havia ajudado nos anos recentes a incursão na região do principal inimigo atual dos EUA, o Irã.

Os flertes do ex-golpista com o regime dos aiatolás anulou qualquer esperança, sempre escassa, de que pudesse chegar a se entender com Obama. Na primeira vez em que se encontraram, fortuitamente, nos corredores da Cúpula das Américas em Trinidad e Tobago, em 2009, Chávez entregou ao presidente americano um exemplar do livro "As Veias Abertas da América Latina", um gesto que não pressagiava nada de bom.

Nunca mais voltaram a se encontrar. Obama tentou consolidar as relações com os países mais amigos da América Latina - México, Chile, Colômbia, Peru - sem entrar em conflito aberto com outros que, pelo menos superficialmente, se entendiam com Chávez - Brasil, Argentina e Equador.

Durante todo o tempo, a estratégia de Washington foi anular Chávez, sem dar lugar a uma crise que a distraísse de outras prioridades internacionais - Afeganistão, Oriente Médio, Ásia - ou que tivesse efeitos prejudiciais nos mercados mundiais de petróleo.
O petróleo sempre foi um fator determinante nas relações entre EUA e Venezuela - tanto nos tempos em que governavam em Caracas presidentes amigos, quanto durante o período recente. Os EUA precisavam do cru venezuelano, pelo menos para atenuar a dependência dos exportadores árabes, e Chávez precisava do mercado americano, entre outras coisas para gabar-se de seu poder em território inimigo.

Embora no ano passado as importações de petróleo procedentes da Venezuela tenham representado só 5,8% do total comprado pelos EUA, essa quantidade, pelo menos até agora, era razão suficiente para não desencadear um problema necessário. Do lado venezuelano, os motivos para não levar mais longe o confronto com seus inimigos ideológicos são ainda mais contundentes, pois esse é o destino de aproximadamente a metade das exportações de petróleo da Venezuela.

Entre as extravagâncias lembradas do personagem se inclui a de 2008, em plena crise econômica nos EUA, na qual decidiu que a empresa concessionária da Petróleos de Venezuela no país, a Citgo, abasteceria gratuitamente de energia mais de 100 mil famílias pobres das grandes cidades americanas.

Gestos como esse sempre foram interpretados por Washington como os incômodos arranhões de um gatinho. Chávez nunca alcançou um grau mais alto na lista dos inimigos históricos dos EUA. Embora a narrativa oficial em Caracas fosse - repetindo o tradicional discurso cubano - a de um regime popular acossado sem piedade pelo grande demônio imperialista - "aqui cheira a enxofre", disse em uma célebre intervenção na Assembleia Geral da ONU, referindo-se à passagem de George Bush por essa mesma tribuna -, a realidade é que tanto Bush quanto Obama tentaram fórmulas de entendimento com Chávez ou, pelo menos, permitiram que ele construísse sua coalizão bolivariana sem uma oposição verdadeira e frontal. No fundo, para os EUA, Chávez era uma garantia de estabilidade na Venezuela, estabilidade antidemocrática, mas afinal estabilidade.

Chávez não foi o tigre anti-imperialista que supunha ser. Provavelmente ele mesmo tinha consciência de que sua batalha contra Washington era travada quase exclusivamente no campo das palavras. Nunca se comprovará até onde teria chegado caso tivesse encontrado nos EUA um inimigo mortal, como ocorreu com Fidel Castro.

Seu desaparecimento, não obstante, livra o governo Obama de um peso desnecessário e abre novas perspectivas. Em um primeiro momento, as preocupações podem se agravar. Chávez deixa um vazio que ninguém sabe muito bem quem poderá preencher. Obviamente, as primeiras palavras oficiais de Washington serão de apoio à passagem da Venezuela para um regime democrático. Mas isso não servirá para dissimular que o pior pesadelo para os EUA seria o de um longo e violento processo de instabilidade no país que tem as maiores reservas de petróleo do mundo.

Os EUA tentarão ajudar, com muita precaução, no processo de democratização da Venezuela, mas não têm um cavalo nesta corrida. Enrique Capriles, que estava em Nova York um dia antes do anúncio da morte de Chávez, não é o homem de Washington. Poderia chegar a sê-lo, mas por enquanto não há preferências claras. Qualquer um que garanta um processo ordenado poderá servir.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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