Menores tentam escapar de abusos de traficantes ao fugir sozinhos para a Europa
Luca Constantini
Em Madri (Espanha)
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Andrej Isakovic/AFP
25.ago.2015 - Garoto em acampamento de refugiados em Belgrado, na Sérvia
Na maré de refugiados que chegam à Europa se incluem milhares de menores que viajam sem os pais e desejam chegar à Áustria ou à Alemanha. "Só neste ano Berlim recebeu mais de mil menores refugiados desacompanhados", comenta Robin Schulz-Algie, da ONG Save the Children [Salvem as Crianças], que admite que sua organização não tem um programa para atender a esses jovens.
Na Suécia, os centros de acolhimento calculam que cada semana chegam 700 crianças desacompanhadas, em condições sempre desesperadas. Todas as entidades que trabalham para ajudá-las concordam que se trata do grupo mais vulnerável entre os refugiados, vítimas de abusos e das redes de traficantes de pessoas, para as quais às vezes acabam inclusive trabalhando.
Os menores desacompanhados são, na grande maioria, rapazes entre 15 e 18 anos e viajam com amigos ou irmãos, explica o representante da Unicef em Skopje (Macedônia) Bertrand Desmoulins. São a parte menos visível da tragédia dos refugiados, já que se misturam com outras famílias e se confundem na multidão.
Na Macedônia, segundo números oficiais, os jovens refugiados sem pais são 942, mas é provável que haja muitos mais. "A maioria deles não deseja que as autoridades os registrem como tal. Querem mover-se rapidamente e temem que sua viagem seja retardada", declarou Kate O'Sullivan, que trabalha para a Save the Children na Grécia.
No final do ano passado, só na Alemanha havia 17 mil crianças e adolescentes refugiados sem familiares, acrescentam outras fontes da ONG, que em 2013 calculou que haviam chegado 5.858 meninos e 726 meninas à Europa sem proteção familiar. Alguns tiveram inclusive que pagar a travessia para a Europa trabalhando para os traficantes de pessoas. Um adolescente eritreu de 16 anos contou à ONG que o obrigaram a trabalhar em um campo na Líbia, que lhe batiam e que uma noite, devido aos golpes, quebraram um de seus braços. Outro jovem caiu em uma rede de traficantes na Turquia. O rapaz acabou no timão de uma barcaça rumo à Grécia. Assim pagou sua passagem para a Europa, e os traficantes não correram o risco de ser presos.
A travessia desses jovens continua em solo europeu. "Ao chegar à Grécia, dormem em acampamentos superlotados ou nas ruas e parques públicos, sem acesso suficiente a água, alimentos e serviços básicos. A situação nas ilhas gregas se deteriorou. Há milhares de pessoas e a violência aumenta, e os rapazes estão presos em tudo isso, tanto os que viajam sozinhos como os que têm família", explica O'Sullivan. Segundo os depoimentos, muitos menores nos centros de acolhimento preferem não comer durante dias, ou evitam ir ao banheiro por medo de sofrer violações.
Maite Pacheco, diretora de Sensibilização e Políticas da Infância na Unicef Espanha, admite que em muitos casos esses jovens emigram com autorização dos pais. Andrés Conde, diretor-geral da Save the Children, expõe as razões dessa difícil decisão: "São adolescentes que para os pais já são quase adultos e que, diante da situação de violência que vivem em seus países, os apoiam em sua decisão de emigrar. Trata-se de uma decisão extremamente dolorosa para eles". Conde desenha o cenário que esses jovens enfrentarão em países como Áustria ou Alemanha: "O fenômeno está transbordando a capacidade de alojamento dos países ricos". Se a Europa não reagir rapidamente, os menores acabarão acampando em ginásios esportivos ou em estações de trens e ônibus nas ricas cidades do norte da Europa.
A agência da ONU para as crianças pede que a Europa atue de forma rápida para hospedar esses jovens e garantir sua assistência de saúde e educação. As autoridades terão que discernir, assim como fazem com os adultos, entre os que têm direito a asilo e os que fazem a viagem por razões econômicas. Pacheco detalha esse aspecto: "Nenhum dos menores que viaja sozinho ou com amigos deseja empreender a viagem, são o produto da guerra e da crise que se vive em seu país de origem".
Para a dirigente da Unicef, a imagem da tragédia é uma foto: garotos seguram um cartaz que diz "Por favor, parem a guerra e não viremos para a Europa".
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves