Análise: ameaça nuclear da Coreia do Norte é improvável, mas perigosa

Alain Frachon

  • Jon Chol Jin/AP

    Oficiais do Exército norte-coreano fazem gestos de apoio ao presidente do país Kim Jong-un, em praça no centro de Pyongyang

    Oficiais do Exército norte-coreano fazem gestos de apoio ao presidente do país Kim Jong-un, em praça no centro de Pyongyang

Com seu rechonchudo rosto de bebê alimentado à base de bolinho de arroz, Kim Jong-un desafia os Estados Unidos e preocupa seus vizinhos. Terceiro membro da dinastia Kim a dirigir – ou martirizar, mais precisamente – a Coreia do Norte, ele acaba de anunciar a volta ao estado de guerra com a Coreia do Sul.

No dia 30 de março, com o dólmã Mao fechado até seu queixo duplo, Kim ordenou a suas tropas que preparassem um ataque de mísseis estratégicos contra os Estados Unidos e as bases americanas no Pacífico. Seria fanfarronice?

Washington, Tóquio e Seul já estão acostumados com as provocações do regime nacional-comunista de Pyongyang. Eles as veem como chantagem para garantir a sobrevivência de uma ditadura sinistra.

Mas ano após ano, os alardeios bélicos norte-coreanos têm assumido um viés mais intimidante. Por uma razão: o país está dominando "A" bomba. Três semanas antes das últimas bravatas de Kim Jong-un, a Coreia do Norte realizava seu terceiro teste nuclear.

O caso norte-coreano vai além da questão da estabilidade na Ásia. Ele ilustra os perigos da proliferação. Um número crescente de países vem se familiarizando com a tecnologia dos mísseis e do nuclear.

Em 1968, com a assinatura de um Tratado de não-proliferação, a ONU dividiu em dois os países nucleares: a China, os Estados Unidos, a França, o Reino Unido e a Rússia formavam o grupo dos "autorizados", os que já possuíam a bomba antes de meados dos anos 1960; os que a adquiriram depois – a Índia, Israel, Paquistão e talvez a Coreia do Norte – representam o grupo dos "não-autorizados".

Pergunta: a dissuasão, que marcou a época da guerra fria, poderia funcionar no mundo de hoje? A doutrina da dissuasão é uma questão de racionalidade. Ela coloca a bomba nuclear como arma de "não-uso". Nenhum de seus detentores seria louco o suficiente para usá-la: ele pode receber em troca um ataque capaz de aniquilar seu próprio país. Ela é um meio de proteção, não de agressão. Ela dissuadiria a guerra porque, desde Hiroshima e Nagasaki, a guerra nuclear seria impensável – horrível demais.

Seria Kim Jong-un capaz de ter esse raciocínio? O politécnico e ex-ministro socialista da Defesa (1985-1986) Paul Quilès duvida. Juntamente com dois especialistas – o general Bernard Norlain e Jean-Marie Collin - , ele defende um debate no livro "Parem a bomba!" ("Arrêtez la bombe!" Ed. Cherche Midi). Paul Quilès questiona a pertinência da doutrina da dissuasão nesse início de século 21. Ele reconhece que o "equilíbrio do terror" conseguiu contribuir para a manutenção da paz entre os Estados Unidos e a União Soviética no início dos anos 1950 até a querda do Muro de Berlim em 1989. Era o mundo de ontem, "dividido em dois blocos, onde o tabuleiro estratégico comportava basicamente dois jogadores". Hoje há vários deles, e ninguém sabe se os novos participantes estão unanimemente convencidos dos méritos da dissuasão.

O grupo dos países que possuem "a" bomba está se ampliando, e esta vem sendo aperfeiçoada. Ela está ganhando em miniaturização e em precisão, o que a aproxima de uma arma que pode ser usada, observa Quilès. Só que "quanto maior o número de países nucleares, maior é o risco de que as armas nucleares sejam utilizadas". Ele conclui que é necessário ir na direção de um desarmamento nuclear multilateral e controlado.

Embora seja pouco ouvido em Paris, o socialista francês está em boa companhia nos Estados Unidos. Veteranos calejados da guerra fria, quatro americanos especialistas em questões estratégicas – George Shultz, William Perry, Henry Kissinger e Sam Nunn – dizem a mesma coisa: "Nada garante que o mundo de hoje possa replicar com sucesso aquilo que a teoria da dissuasão permitiu durante a guerra fria", eles escrevem.

A teoria deles foi exposta no dia 7 de março no "Wall Street Journal": "Quando um número crescente de países nucleares acredita estar diante de ameaças múltiplas (...) o risco aumenta consideravelmente de que a dissuasão não funcione e de que as armas nucleares sejam utilizadas". É sempre a mesma dúvida: ter posse d'"A" bomba é compatível com os surtos paranoicos de um Kim Jong-un?

Desde seu famoso discurso de Praga em abril de 2009, Barack Obama mantém a mesma linha. Ele quer reduzir o arsenal nuclear de seu país – ele não está nada seguro de que os chineses e os russos estejam dispostos a segui-lo. Tampouco François Hollande. O presidente da República voltou a afirmar, no dia 27 de março, sua ligação com a arma nuclear: "é nossa garantia, nossa proteção derradeira".

Ele tem alguns argumentos sólidos que devem ser destacados. Como explica um dos especialistas mais familiarizados com a questão na Fundação para a Pesquisa Estratégica (FRS), Bruno Tertrais, a dissuasão se mostrou válida. Não houve nenhum conflito direto entre as grandes potências em décadas, "fato único na história"; nunca houve conflito aberto entre Estados nucleares; a dissuasão limita a extensão e a intensidade das divergências entre grandes potências – o nuclear evita que se chegue à guerra total.

Tertrais afirma que até hoje, nada prova que os "não-autorizados" do clube nuclear não tenham assimilado a singularidade d'"A" bomba como arma de não-uso. A dissuasão funcionaria entre oito ou nove países, assim como funcionou entre dois. Por quê? Porque "não existe nenhuma razão para pensar" que os "não-autorizados" sejam "irracionais", explica Bruno Tertrais.

Em suma, a arma seria indissociável de sua doutrina. Mesmo miniaturizada e cada vez mais precisa, ela continua sendo "a maior arma de destruição em massa". Ela não se banaliza. A possibilidade de seu uso ainda causa medo, remetendo a imagens de Hiroshima e Nagasaki. Em um documento da FRS de maio de 2011, Bruno Tertrais não considera que a dissuasão seja garantia para sempre. Não seria porque as imagens dos bombardeios atômicos no Japão vão "se apagar da memória coletiva". E da do jovem Kim?

Tradutor: Lana Lim

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