Acusado por 40 mil mortes, ex-ditador do Chade tenta sabotar seu julgamento

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    20.jul.2015 - Ex-ditador chadiano Hissène Habré (ao centro) é acusado de 40 mil assassinatos políticas e mais de 200 mil casos de tortura

    20.jul.2015 - Ex-ditador chadiano Hissène Habré (ao centro) é acusado de 40 mil assassinatos políticas e mais de 200 mil casos de tortura

O ex-ditador chadiano, levado à força perante o tribunal, fez um escândalo no primeiro dia de audiência

É pouco provável que Hissène Habré consiga sabotar esse julgamento – o seu --, considerado por suas vítimas como "histórico" e por ele próprio de "farsa". O ex-presidente chadiano, no entanto, conseguiu uma grande façanha ao perturbar a abertura do julgamento na segunda-feira (20), em Dacar. Ele está sendo acusado de crimes contra a humanidade, torturas e crimes de guerra cometidos quando ele estava no poder (1982-1990), pelas Câmaras Africanas Extraordinárias, um tribunal constituído especialmente pela União Africana dentro das jurisdições senegalesas e às quais ele nega qualquer competência e legitimidade.

Desde o início da instrução judicial lançada depois que ele foi preso, há dois anos em Dacar – onde até então e desde 1990 ele vivia um exílio idílico - , Hissène Habré sempre se recusou a responder a seus juízes. No entanto, eles vinham constituindo um dossiê sobre milhares de assassinatos cometidos por sua polícia secreta ou por suas tropas, engajadas em campanhas de repressão em massa.

Na segunda-feira, Hissène Habré explodiu. Uma explosão cronometrada, como uma bomba à beira da estrada. A sua foi oportunamente detonada alguns minutos antes da abertura oficial de seu julgamento, portanto antes que os cinegrafistas e fotógrafos deixassem a sala de audiência número 4 do palácio de justiça de Dacar.

Logo pela manhã o ex-rebelde já havia mostrado que sua resistência estava intacta, apesar de seus 72 anos. "Ele foi tirado à força de sua cela porque ele se recusava a vir ao tribunal", conta seu advogado francês François Serres. Depois ele foi conduzido ao palácio de justiça, onde apareceu cercado por guardas, vestido com um boubou branco e a cabeça envolta em um turbante que descia até sua testa e cobrindo sua boca.

"Os vassalos dos americanos"

A boca, mas a voz não. Sentado todo encolhido na primeira fileira da sala, o septuagenário parecia dormir, quando de repente pulou de sua cadeira gritando: "Abaixo o imperialismo! Abaixo o neocolonialismo!" Hissène Habré foi dominado por homens enormes e levado à força até o banco dos réus, de onde voltou a vociferar contra "os bandidos, os vassalos dos americanos" que o teriam levado até lá. Americanos que, na época de Ronald Reagan, o haviam apoiado até o último momento e que, "hoje", como observa Stephen Rapp, embaixador americano para os crimes de guerra, "apoiam o julgamento" de seu antigo aliado contra a Líbia de Gaddafi.

Durante esse tempo, havia na sala um punhado dos partidários de Hissène Habré que lhe juravam fidelidade, até que os policiais expulsaram os agitadores e o acusado foi levado para a parte de trás do banco dos réus, fora da sala, longe do olhar de seus partidários.

Do outro lado das fileiras centrais, as partes civis – advogados, vítimas do regime Habré e associações representando os milhares de desaparecidos, executados sumariamente ou mortos na prisão em condições atrozes – assistiam passivamente à cena, com dignidade. "Ele quer parecer um mártir", diz Reed Brody, porta-voz da ONG Human Rights Watch e um dos articuladores desse julgamento.

Essa cena mostra bem a estratégia de defesa de Hissène Habré. "A instrução foi iníqua, o que de antemão torna esse julgamento iníquo", declarou Serres, nos corredores do tribunal. "É uma defesa de ruptura porque ele e seus advogados estão contestando a legitimidade do tribunal, mas é também uma defesa de negação", diz Florent Geel, encarregado da África na Federação Internacional das Ligas dos Direitos Humanos. Essa negação das acusações, essa refutação da competência da instância judiciária estão ligadas a uma ausência física desse julgamento que inicialmente deveria durar três meses. Na tarde de segunda-feira, o senhor de idade ainda se recusou a voltar, apesar de uma intimação levada por um oficial de justiça. O presidente do tribunal, o burquinabê Gberdao Gustave Kam, acompanhado de seus dois assessores senegaleses, tomou nota.

Então a audiência foi suspensa uma segunda vez. Foi dada a ordem de trazer o réu à força, na terça-feira de manhã, e apresentá-lo perante a corte. Ele não poderá se opor fisicamente à força dos policiais que o tirarem de sua cela e o levarem até o banco dos réus, o que permite prever uma nova gritaria uma vez instalado em seu lugar. "Ele vai causar confusão novamente. Isso não pode durar para sempre", explica Serres.

Mas Hissène Habré não deverá mudar, uma vez que vem conduzindo sua linha de defesa com punho de ferro. Muitos de seus advogados foram dispensados durante a instrução por terem tomado iniciativas. Aqueles que permaneceram ao seu lado tiveram de deixar a sala de audiência e estão plantados nos corredores do palácio de justiça.

A próxima etapa para o presidente do tribunal seria então nomear advogados para sua defesa. "Tudo indica", adianta William Bourdon, um dos advogados das vítimas, "que eles pedirão tempo para examinar o caso. Duas semanas? Três? A estratégia deles certamente será ganhar tempo para tentar sabotar esse julgamento histórico."

Tradutor: Do UOL

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