Balneário onde garoto sírio foi encontrado ainda é ponto de saída de refugiados

Mathieu Godard

  • Emrah Gurel/AP

    Homem passeia com criança na mesma praia onde foi encontrado o garoto Aylan Kurdi

    Homem passeia com criança na mesma praia onde foi encontrado o garoto Aylan Kurdi

Desde a morte de Aylan Kurdi, continua sendo grande o número de candidatos ao exílio, ainda que o ritmo de partidas tenha diminuído

Esta noite, Ahmed está bem apreensivo, uma vez que a partida poderá ser anunciada dentro das próximas horas. Ele, que chegou a Bodrum há 15 dias para tentar a sorte em direção à Grécia, fugiu da cidade de Deraa, no sul da Síria, onde as primeiras manifestações contra o regime de Bashar al-Assad estouraram em 2011. Esse horticultor de 35 anos deixou tudo para trás para partir junto com sua mulher, seus dois filhos, de um ano e meio e três anos, dois irmãos, além de um amigo, para irem para "a Alemanha ou qualquer outro lugar."

"Nós pagamos US$ 8.400 (R$ 32.600) pela travessia de sete pessoas, e agora estamos aguardando", explica Ahmed. Em troca dessa soma, os traficantes deixam com eles, entre outras coisas, um celular, de onde virá o telefonema confirmando a partida. Ahmed e sua família se instalaram durante a noite em papelões colocados embaixo do escorregador do parquinho municipal onde eles se reuniram. A poucos metros de lá, três afegãos descansam, recostados em suas enormes mochilas.

Controles reforçados

Faz uma agradável noite de fim de verão em Bodrum, popular estação balneária da costa do Egeu, 500 km ao sul de Istambul. No entanto, desde o início do verão, os turistas ligeiramente embriagados têm observado a partir de suas sacadas a valsa dos refugiados sírios, iraquianos, afegãos e também eritreus e somalis que perambulam pelas ruelas do centro antigo da cidade, às vezes carregando imensas bagagens, e esperam o sinal verde do "organizador", aquele que vai coordenar a arriscada passagem do estreito que separa Bodrum da ilha grega de Kos, a 5 km da costa dessa península turca.

A morte do pequeno Aylan, cujo corpo foi encontrado em uma praia na manhã de 2 de setembro, não desencorajou aqueles que pretendem fazer a travessia a partir da região de Bodrum. Dependendo de seus recursos, os refugiados se instalam em pequenos hotéis, pensões ou ao ar livre, nos parques da cidade.

Do lado de fora de um café ao lado, uma dezena de refugiados recarregam seus celulares e usam a conexão de internet, serviços oferecidos pelo dono do local em troca de algumas libras turcas. Ao redor, as mercearias começaram a vender coletes salva-vidas, pendurados na fachada das lojinhas para atrair os compradores em potencial, e caixas de garrafas d'água como provisões para a travessia.

O café, administrado por um sírio, virou um ponto de encontro: se os coiotes organizam uma travessia em tal noite, um balé de táxis converge para a rua, para buscar os refugiados e conduzi-los por cerca de 20 km até as praias de Karabag e Akyarlar, de onde eles poderão embarcar em botes infláveis ou, na maior parte das vezes, em pequenas embarcações improvisadas que normalmente são utilizadas para passeios a alguns metros da margem. Foi em uma dessas embarcações que a família de Aylan Kurdi fugiu, dias atrás.

Desde a morte do pequeno Aylan, o ritmo das partidas para Kos diminuiu, mas o número de refugiados, que continua grande, dá a entender que o fluxo poderá em breve voltar. No bairro de Gümbet, as pensões receberam durante o verão um grande número de migrantes, com dinheiro o suficiente para poderem alugar um apartamento antes de embarcaram. "Eles efetuam sua reserva pela internet, como os turistas", explica Yusuf, do Seray Class Apartments, uma pensão que aluga apartamentos de um quarto que podem abrigar seis pessoas em troca de cem euros a noite.

As autoridades turcas vêm tentando passar uma boa impressão há uma semana, reforçando sobretudo os controles perto das praias de onde partem os refugiados. No fim de semana passado, pelo menos 150 pessoas foram detidas e conduzidas à delegacia; no entanto, após uma verificação de identidade de algumas horas, elas foram liberadas e enviadas de volta a Bodrum.

Manifestação

No lugar onde o corpo de Aylan Kurdi foi encontrado, ainda há muitos turistas que aparecem durante o dia para nadarem no mar. Somente uma pequena coroa preta, instalada pela prefeitura, evoca a memória do pequeno refugiado curdo que morreu nessa praia.

No entanto, no domingo (6), cerca de 1.000 moradores decidiram sacudir o torpor de seus congêneres ao organizarem, através do Facebook, uma manifestação na praia. "A humanidade fracassou nas margens de Bodrum!", bradaram entre os turistas de trajes de banho e boias de praia.

Após a manifestação, cerca de 40 pessoas se sentaram em um círculo a poucos metros do mar, para uma reunião do grupo de solidariedade que elas acabaram de criar. "É preciso administrar as doações de alimentos e encontrar locais de abrigo para eles antes da partida, e também queríamos comprar um barco de verdade, para permitir que esses refugiados atravessem o estreito em total segurança", explica Ozan, assíduo das manifestações anti-governo.

Nessa região tão liberal e mais hostil ao governo islamista-conservador de Ancara, é o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que muitas vezes é apontado como o principal responsável por essa crise dos refugiados. No início de setembro, o presidente turco culpou a União Europeia, que para ele é a responsável por ter feito do Mediterrâneo "um cemitério de refugiados".

"Nosso governo se beneficia disso e prefere deixar que essa situação degringole para em seguida jogar a responsabilidade sobre os países europeus", acredita Mustafa, um pequeno comerciante instalado perto do balneário no centro de Bodrum, depois de ter expulsado dois mendigos que se preparavam para dormir em um cantinho de grama em frente à sua loja.

É difícil imaginar uma interrupção nesse fluxo de refugiados, sobretudo entre os sírios que podem entrar no território turco sem visto. "Não tenho medo de fazer a travessia", explica Ahmed, com seu filho mais novo nos braços. "Morrer na Síria ou morrer aqui, qual a diferença, afinal?" Mas naquela noite os coiotes não tentaram contatá-lo.

Tradução: UOL

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