Após atentados, Hollande abandona ajuste fiscal e adota discurso belicista
David Revault D'allonnes
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Philippe Wojazer/Reuters
François Hollande, presidente da França, usou mais de dez vezes a palavra "guerra" durante discurso ao Parlamento
Como presidente de uma "França em guerra", François Hollande, diante da escalada da violência terrorista, intensificou a postura de presidente belicista. O chefe do Estado, tendo de enfrentar o desafio da resposta tanto pelo aspecto político quanto pela segurança pública, diante da "agressão" cometida por "um exército jihadista", abordou todas as frentes, na segunda-feira (16), diante de parlamentares do Senado e da Assembleia Nacional reunidos, em Versalhes, pela primeira vez em seu mandato.
Em 45 minutos de um discurso sem lirismo, mas concebido para enfrentar o fogo inimigo, o presidente empregou todo o arsenal jurídico, constitucional, militar, policial e diplomático do qual dispunha. Ele elevou a um nível inigualável o viés repressivo e militar assumido há muito tempo pelo Executivo socialista.
François Hollande está se lançando com tudo na guerra, palavra que ele usou mais de dez vezes. Primeiramente no campo lexical. "Devemos ser impiedosos", disse o presidente, jurando que não haveria "nenhum descanso, nenhuma trégua". Ele até mesmo surpreendeu ao falar em "erradicar o terrorismo, respeitando nossos valores".
Para além do projeto de lei que estende para três meses o estado de emergência, que "adaptará seu conteúdo à evolução das tecnologias e das ameaças", sobretudo no que diz respeito às buscas e às prisões domiciliares. Hollande pretende "mudar a Constituição" para instituir um regime de "estado de crise", diferente dos previstos pelo artigo 16 e pelo artigo 36 sobre o estado de sítio.
O chefe do Estado não ignorava que, dessa vez, ao contrário do pós-11 de janeiro, "a união sagrada" pedida pelo primeiro-ministro seria somente fugaz e que seus principais opositores tentariam se desvencilhar dela para ganharem espaço político. Se a hipótese de um governo de união nacional nunca foi seriamente considerada, essa proposta de revisão constitucional, que precisará de votos de três quintos do Parlamento, obriga a oposição a se posicionar. Seria difícil para eles justificarem uma recusa de voto.
Destituição da nacionalidade francesa
O mesmo vale para a bateria de medidas, algumas delas puramente simbólicas, anunciadas por Hollande e que podem satisfazer o partido Les Républicains e até mesmo a Frente Nacional: destituição de nacionalidade francesa para os que têm dupla cidadania, "ainda que nascidos na França", proibição de retorno ao território em caso de risco terrorista, deportação mais rápida de estrangeiros "que representem uma ameaça de especial gravidade."
O presidente está indo longe no endurecimento, a ponto de não descartar as medidas propostas pela oposição, como a pulseira eletrônica para indivíduos que estejam sob classificação "Fiche S" (considerados ameaças potenciais à segurança nacional). "O governo consultará o conselho de Estado para validar a conformidade dessas propostas a nossas regras fundamentais", ele disse habilmente, demonstrando sua vontade de considerar tudo e esvaziando de antemão as críticas da direita.
Ataque e defesa
François Hollande se comprometeu a criar mais 5 mil vagas para policiais em até dois anos para "restaurar o número de forças internas para o nível em que estavam em 2007", ou seja, ano em que Nicolas Sarkozy foi eleito presidente. Dentro do Exército "não haverá nenhuma redução de efetivos na defesa até 2019", ele promete. O presidente também mencionou a formação de "uma guarda nacional controlada e disponível" constituída a partir de reservistas. Essa é a linha de defesa, mas ele também falou sobre as necessidades de se intensificar o ataque.
"O inimigo está usando os meios mais vis para tentar matar, mas ele não é impossível de pegar", afirmou o presidente, que tentou substanciar a possibilidade de uma vitória militar e, para isso, revelou que haveria um aumento na atividade diplomática. Para convencer seus colegas sobre a "necessidade de se destruir o Daesh", Hollande pediu uma reunião rápida do conselho de segurança da ONU "para aprovar uma resolução". Ele se encontrará na próxima semana com Vladimir Putin em Moscou e com Barack Obama em Washington "para unir forças".
Como "o inimigo não é um inimigo da França, mas sim um inimigo da Europa", os países da União Europeia, que tão cruelmente se ausentaram da operação Serval em 2013, no Mali, serão convocados de acordo com o artigo 42-7 do tratado da União Europeia, segundo o qual "todos os Estados-membros devem prestar solidariedade ao Estado agredido."
Hollande também procurou se mostrar no comando da máquina militar. "Dei ordem para que dez caças franceses soltassem bombas em Raqqa", ele lembrou, posando como chefe das forças armadas e prometendo a intensificação dos ataques. Novas incursões foram feitas na noite de segunda-feira. Mas o presidente quer mais. Para reduzir "a maior fábrica de terroristas que o mundo já conheceu", ele exortou, "serão necessários mais ataques, mais apoio a todos os que estão combatendo o Daesh" e fora isso "uma união de todos aqueles que realmente podem lutar contra esse exército terrorista dentro de uma grande e única coalizão."
Que ninguém se engane com as aplausos de pé, quase unânimes, a representação nacional e o hino francês entoado, visto que as críticas da oposição logo jorraram. Mas a última segunda-feira (16) será lembrada como o dia em que François Hollande virou um belicista. É bem simbólico o fato de que, apesar do "aumento de gastos" ocasionado pelo dispositivo, "o pacto de segurança tenha vencido o pacto de estabilidade", como assumiu o presidente, contrariando o princípio de base do hollandismo que é o da redução do deficit.
As prioridades do mandato realmente foram invertidas, e agora o militarismo venceu de lavada a questão orçamentária. Em janeiro de 2014 houve o "pacto de responsabilidade", uma conversão presidencial à política da oferta. Agora há o "pacto de segurança" que prevalece sobre todos os outros, acentuando a mudança na política de segurança da presidência de Hollande.
Tradutor: UOL