Territórios palestinos ganham sua primeira cidade moderna e planejada

Piotr Smolar

  • Oliver Weiken/Efe

    O empresário Bashar Masri e a cidade de Rawabi ainda em construção, na Cisjordânia

    O empresário Bashar Masri e a cidade de Rawabi ainda em construção, na Cisjordânia

Um milagre está brotando da terra. Lentamente, com dificuldades, em meio a um barulho ensurdecedor e poeira. Há muitos obstáculos e os ventos contrários são poderosos, mas de pedra em pedra Rawabi vai deixando de ser somente um projeto arquitetônico de geometria perfeita ou ainda uma maquete para visitantes. Rawabi existe. E confirma, após longos anos, seu destino revolucionário: tornar-se a primeira cidade palestina moderna, planejada e construída a serviço de seus moradores. Ela revolucionará os clichês sobre os territórios palestinos, segundo os quais as únicas zonas de habitação confortáveis seriam as colônias, irrigadas por dinheiro público israelense.

Rawabi ainda precisa ser povoada. Os moradores vão se instalando a conta-gotas, como pioneiros entusiastas, enquanto os guindastes e os operários trabalham nesse imenso canteiro de obras, situado 9 km ao sul de Ramallah, capital da Cisjordânia. Em uma colina próxima, os habitantes judeus da colônia de Ateret observam com preocupação os avanços.

Por três vezes mãos misteriosas arrancaram a grande bandeira palestina que tremulava no pico de Rawabi. Por enquanto, dois dos 23 bairros que terá a cidade já estão em funcionamento. O centro, construído em forma de Q --da empresa Qatari Diar, principal financiadora do projeto -- abrigará lojas, restaurantes, cinemas, salas de eventos e escritórios para jovens empresários.

É um sonho para a classe média. Tudo é sustentável e acessível aos deficientes, e não há nada de parabólicas ou caixas d'água nos telhados, como em outros territórios palestinos. As águas residuais são tratadas em uma usina construída especialmente para isso, os cabos elétricos e de fibra ótica são enterrados.

Rawabi espera se tornar uma incubadora para start-ups, inspirando-se em extraordinários casos de sucesso israelenses nesse setor. Ali é possível encontrar uma mesquita e uma igreja grega ortodoxa, bem como um anfiteatro em estilo romano de 15 mil lugares, junto a quadras de esporte. A ideia é que esse contexto majestoso venha a produzir grandes artistas árabes.

Rawabi poderá ser visitada aos finais de semana por famílias, para lazer ou compras. Em dias de tempo firme, parece ser possível distinguir o mar ao longe e os contornos de Tel Aviv. Serão construídos um centro médico perfeitamente equipado e uma sede para o primeiro prefeito.

Três escolas também estão previstas, mas sua construção se encontra atrasada por falta de fundos, e elas deverão abrir no próximo semestre de 2016. Até o momento, o custo total de Rawabi é de US$ 1,2 bilhão (R$ 4,75 bilhões), contra os US$ 850 milhões previstos originalmente.

Os dois bairros concluídos por enquanto lembram o cenário de um filme, antes da chegada dos atores. A limpeza é impecável, e nas vias para pedestres não se ouvem gritos de crianças. Ainda levará alguns meses até que as primeiras lojas, uma mercearia e uma farmácia, permitam que os moradores se abasteçam no local.

Nada disso desestimulou a família Al-Gabareen. Raga, 30, e seu marido Mohammed, 34, estão terminando de desembalar suas caixas de mudança. Os cooktops ainda não chegaram, então provisoriamente eles instalaram um botijão de gás e um fogão na cozinha.

A família vivia em Al-Bireh, perto de Ramallah, em uma rua barulhenta, sem jardim nem elevador. Eles estão maravilhados com seu novo padrão de vida, 190 m2 cheirando a tinta fresca e couro novo.

Enquanto não aparecem coleguinhas, as crianças assistem a desenhos animados grudadas em uma grande TV. "Por enquanto somos os únicos a viver no prédio; é estranho, mas muito relaxante", diverte-se Raga. "Algumas famílias vêm nos pedir conselhos antes de se mudar."

Oliver Weiken/Efe
Maquete da cidade de Rawabi, na Cisjordânia

Uma "cidade inteligente"

Ela, que é gerente em uma agência de publicidade, explica por que decidiu tomar essa decisão. "Rawabi é uma cidade inteligente, toda a infraestrutura é planejada", ela diz. "Quero que meus filhos cresçam em um ambiente seguro e ecológico".

O casal comprou o apartamento por US$ 126 mil (R$ 500 mil), tendo pago 15% do valor e financiando o resto por 4,75%, um valor particularmente baixo concedido pelo banco para esse projeto único.

Vários estabelecimentos bancários têm um guichê na construção, montados especialmente para receber os visitantes. Estes são convidados a assistir um filme futurista em 3D sobre Rawabi, e depois estudar as diferentes opções de disposição das cozinhas e dos quartos.

Os prestigiosos visitantes estrangeiros que passaram por essas instalações ficam todos impressionados, e também se perguntaram se haveria palestinos o suficiente com uma renda confortável que pudessem se dar ao luxo de tal investimento.

Até o momento, 650 apartamentos foram vendidos. Uma vez terminada, Rawabi contará com 6 mil deles. Os candidatos são atraídos ao mesmo tempo pelo conforto e pelas instalações modernas, pelo espaço oferecido, mas também pelos preços.

"Aqui é 25% mais barato que em Nablus, ao norte, ou em Ramallah," explica Amir Dajani, vice-gerente da obra.

"Queremos capitalizar a população jovem e instruída, sobretudo pela proximidade com a Universidade Beir Zeit".

Entre os compradores, há cristãos, pessoas que vivem em Israel, ou até palestinos que vivem no exterior, que querem investir em um projeto para o futuro. Mas a incorporadora está tomando o cuidado de não transformar Rawabi em uma cidade deserta.

Através da janela de seu modesto escritório, Bashar Masri não se cansa de observar os primeiros caminhões de mudança que entram em Rawabi, seu xodó. O presidente da Massar International, de 54 anos, é um dos mais ricos empresários palestinos, tendo construído sua fortuna com projetos imobiliários no Oriente Médio e na África do Norte. Em sua parede, vemos um mapa da cidade que lembra um escaravelho.

"É o maior projeto da história palestina", ele diz. "Minha concepção não é Rawabi, mas sim o efeito dominó que ela provocará. A falta de moradia na Cisjordânia chega a 200 mil unidades. Aqui só estamos construindo 6 mil. Acredito que tenha um Estado palestino em gestação, mas isso levará dezenas de anos. A questão não é se a ocupação israelense acabará um dia, isso é certo. A questão é: qual será a natureza de nosso Estado? Terá ele uma boa governança, uma economia saudável? Qual será o padrão de vida?"

Bashar Masri é um visionário resistente. Ele é obcecado por Rawabi desde 2007. Quando o encontramos uma primeira vez na primavera de 2015, ele estava apreensivo. Após um ano de atraso na construção, graves problemas financeiros e juros pendentes de dezenas de milhões de dólares, uma luz começava a surgir.

Em plena campanha eleitoral israelense, o governo acabava de dar sinal verde à abertura de água para Rawabi. Era um caso de vida ou morte. Até então, a construção de canalizações que passavam por uma zona sem controle militar israelense esbarrava em recusas. Atualmente, 300 m3 de água chegam todos os dias à cidade. Será necessário bem mais quando os moradores começaram a chegar, mas o importante é que a torneira está aberta.

O grande problema a ser resolvido continua sendo o da estrada, que é uma única via de acesso estreita que leva até Rawabi. A cidade se encontra na zona A, sob controle da Autoridade Palestina. Mas a construção de uma estrada larga, com diversas pistas, que permitiria chegar até Ramallah em 10 minutos passando pela zona C, exige o consentimento da administração israelense.

"Eles acabarão aceitando", suspira Masri. "Mas o diabo mora nos detalhes. Do nada, eles pediram um estudo de impacto ambiental e um outro sobre a circulação prevista..."

Masri fez de tudo para despolitizar Rawabi, para não se tornar refém do conflito. Como os próprios oficiais palestinos, incapazes de perceber o poder simbólico do projeto, não se interessaram muito por ele, o empresário continuou seu caminho sozinho.

"A Autoridade Palestina nos deu apoio moral e político, mas sem investir um único centavo", ele lamenta. "Eles deveriam, com a cobrança de impostos, ter instalado a eletricidade, o posto policial, o quartel dos bombeiros, as rotas de acesso..."

Antes da nova onda de violência que começou em outubro de 2015, ele havia observado um interesse renovado do governo por sua cidade nova. Desde então, as restrições reforçadas pelos israelenses sobre os deslocamentos diminuíram a velocidade a obra, e sobretudo a circulação dos trabalhadores vindos de Hebron, mais ao sul do território.

Algumas empresas terceirizadas chegaram a alugar para eles apartamentos perto de Rawabi.

Uma "imitação das colônias judaicas"

Durante vários anos, Masri foi criticado e invejado. Ele foi em um primeiro momento acusado de desapropriar os habitantes de doze vilarejos nos arredores, que tiveram parte das terras compradas.

Depois, foi condenado por comprar materiais de construção em Israel, estimulando assim a economia do ocupante.

"Algumas pessoas acharam que Rawabi ratificava a ocupação, porque tudo passava por conversas com os israelenses", explica um membro do comitê executivo da Organização de Libertação da Palestina (OLP).

"Mas se fazemos algo para proteger nossa terra, no final é positivo." Então Masri seria mais um traidor do que um resistente? "Odeio as colônias, mas não vou entregar o topo das colinas para essas pessoas", diz o empresário. "Prefiro ignorar esse ressentimento emocional passageiro."

Rawabi também foi criticada como um projeto artificial, uma imitação das colônias judaicas arrogantes que dominam os vilarejos palestinos tradicionais abaixo. Como se os palestinos não tivessem também o direito a um plano de urbanização, a um ambiente favorável.

Como se tudo só tivesse que ser briga, e não prazer. No fundo, a maior crítica ao projeto é esta: na visão dos revolucionários profissionais, ele simbolizava o abandono da luta nacionalista em prol de um objetivo banal, a busca por uma vida confortável.

Tradutor: UOL

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