Brasil vê a implosão de seu sistema político
Claire Gatinois
O Brasil está passando por um terremoto. Depois de afastar temporariamente do poder a presidente Dilma Rousseff, após a abertura de um processo de impeachment no dia 12 de maio, por pedaladas fiscais, uma parte da sociedade esperava um saudável respiro para um país que se encontrava mergulhado em uma recessão histórica. Mas não foi nada disso que aconteceu.
O governo do presidente interino, Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB, centro), está enfrentando uma sociedade ainda revoltada. A governabilidade continua frágil. E, acima de tudo, o descrédito continua a atingir uma elite política envolvida na operação Lava Jato, a investigação sobre o escândalo de corrupção ligado à estatal Petrobras.
Em menos de três semanas, o ex-vice de Rousseff, que pretendia formar um governo de "salvação nacional", teve de dispensar dois ministros. Romero Jucá, um de seus aliados encarregados do Planejamento, caiu no dia 23 de maio após a divulgação de escutas comprometedoras onde ele aparece fazendo manobras para destituir Rousseff, esperando escapar da investigação da Lava Jato.
Depois foi a vez de Fabiano Silveira, ministro da Transparência, que renunciou no dia 31 de maio depois de ter sido pego tentando atrapalhar a investigação.
Na segunda-feira (6), o jornal "Folha de S. Paulo" revelou que o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, também seria alvo da Lava Jato.
"O sistema está apodrecendo", comenta Laurent Vidal, historiador especializado em Brasil e Américas, professor na Universidade de La Rochelle.
Façanha acrobática
A corrupção não é inerente ao Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda); o sistema inteiro está corrompido. As acusações se acumulam contra o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), assim como as suspeitas contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), e as dúvidas em relação ao candidato da oposição nas eleições presidenciais de 2014, Aécio Neves, do PSDB.
Mais de um terço dos parlamentares são alvo de processos ou de investigações judiciais, segundo o site Congresso em Foco. A probidade do próprio Supremo Tribunal é questionada.
O cenário é desastroso. Temer, apóstolo da presunção da inocência, nomeou uma dezena de ministros citados na investigação da Lava Jato.
"Ele criou um governo com práticas antigas. Mas a sociedade brasileira mudou. Certos comportamentos não são mais aceitos", observa Bruno Brandão, da Transparência Internacional do Brasil.
Em Brasília, o novo presidente sonha com uma melhora na economia que inflaria sua popularidade.
"Ele não está confortável, mas está tranquilo", garantem seus aliados.
Tranquilo? Os diretores da Odebrecht (Marcelo Odebrecht, condenado a mais de 19 anos de prisão) e da OAS (Leo Pinheiro, condenado a 16 anos), duas construtoras envolvidas no escândalo da Petrobras, aceitaram colaborar com a Justiça para obter reduções de pena. Suas confissões são motivo de preocupação.
"A Odebrecht pode implodir o país", diz uma fonte em Brasília.
Até hoje, essa operação contra a corrupção infligiu penas que somam 1.133 anos de prisão, abalando a sensação de impunidade que reinava entre os colarinhos brancos. A paranoia tem assombrado os bastidores do governo. E foi com suor na testa que Sérgio Machado, ex-diretor da Transpetro, filial da Petrobras, ao se saber ameaçado pela investigação, gravou suas conversas com Jucá e Silveira.
As transcrições de suas conversas deram um ar teatral ao processo do impeachment. Rousseff, antes considerada como morta politicamente, está vendo aumentarem suas chances de recuperar seu mandato após o julgamento feito pelos senadores. Mas sua volta não parece ser uma saída.
"É preciso fazer uma limpeza", acredita o analista político Carlos Melo, professor do Instituto de Estudos Superiores Insper, em São Paulo. "É preciso mudar as pessoas, mas também as práticas."
A crise no Brasil não é mais somente política e moral, ela é também institucional. Exercer o poder requer façanhas acrobáticas: "Dos 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, 27 são representados na Câmara dos Deputados e 17 no Senado", enumera Roberto Dias, professor de direito constitucional na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.
Como construir uma maioria com um quebra-cabeça desses? As afinidades ideológicas ou os acordos programáticos nunca foram o critério privilegiado. Nos últimos vinte anos, os chefes de Estado preferiram fazer acordos com o Congresso, e mais explicitamente em troca de dinheiro, para terem suas leis aprovadas. Exemplos disso são os casos do Mensalão, da compra de votos durante o governo de Lula (PT) e a presidência de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
O financiamento de campanhas, bem como o modo de eleição que tem um excesso de representação de Estados pouco povoados, precisa ser revisado, na opinião de Vidal.
Norman Gall, diretor do Instituto Fernand-Braudel, em São Paulo, se espanta com a continuidade do status de "foro privilegiado", uma medida que permite que os ministros e parlamentares só precisem responder ao Supremo Tribunal, que já é sobrecarregado. "Uma enorme proteção" que incentiva as baronias, ressalta Gall.
Uma reforma política vai se tornando cada vez mais urgente. Mas poderia ser realizada? Por quem? Em 2006, o Supremo Tribunal revogou uma lei que visava limitar a entrada de pequenos partidos no Congresso, temendo o "despotismo da maioria", conta Dias.
E o Congresso atual, sem crédito, não pode endossar a tarefa. "O sistema deve ser implodido. Mas ele só poderá ser reconstruído com os sobreviventes da Lava Jato", acredita Fernando Gabeira, escritor e ex-deputado do Partido Verde.
Resta saber quem sobreviverá a esse tsunami.
Tradutor: UOL
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