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Salles acusa Macron de usar Amazônia como 'bandeira política', mas diz que Brasil aceita dinheiro do G7

Em entrevista à BBC News Brasil, ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que auxilio de países ricos e bem-vindo, mas destacou que governo quer ter autonomia para decidir como usar o dinheiro - Rahel Patatrasso/Reuters
Em entrevista à BBC News Brasil, ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que auxilio de países ricos e bem-vindo, mas destacou que governo quer ter autonomia para decidir como usar o dinheiro Imagem: Rahel Patatrasso/Reuters

Nathalia Passarinho - @npassarinho - Da BBC News Brasil em Londres

26/08/2019 18h12

Após o presidente Jair Bolsonaro questionar as intenções do presidente francês, Emmanuel Macron, em oferecer ajuda para o combate a incêndios na Amazônia, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse à BBC News Brasil que o governo vai aceitar os US$ 20 milhões (cerca de R$ 83 milhões) disponibilizados pelos líderes do G7.

Ele destacou, porém, que o governo brasileiro espera ter autonomia para decidir como usar o dinheiro.

"O Brasil vai aceitar essa ajuda, sem dúvida. Agora, na medida em que essa ajuda venha, é o Brasil que deve determinar a forma de emprego desses recursos, a melhor estratégia e como fazer. Vem o recurso e nós que decidimos como empregá-lo", disse.

O anúncio de um auxílio de US$ 20 milhões para países afetados pelos incêndios na Floresta Amazônica foi feito por Macron após a cúpula do G7, grupo que reúne as sete das maiores economias do mundo.

Parte do dinheiro seria destinada ao envio de aviões de combate a incêndios. O G7 também propôs uma assistência de médio prazo para o reflorestamento, a ser apresentada na sessão de debates da Assembleia Geral das Nações Unidas, no final de setembro.

Segundo o governo francês, para receber essa assistência, o Brasil teria de concordar em trabalhar com ONGs e populações locais.

Bolsonaro reagiu com irritação ao anúncio de auxílio e, em publicação no Twitter, acusou Macron de tratar o Brasil como "colônia ou terra de ninguém".

"Não podemos aceitar que um presidente, Macron, dispare ataques descabidos e gratuitos à Amazônia, nem que disfarce suas intenções atrás da ideia de uma 'aliança' dos países do G7 para 'salvar' a Amazônia, como se fôssemos uma colônia ou uma terra de ninguém", disse.

Questionado pela BBC News Brasil se não seria uma contradição fazer críticas à ajuda oferecida por Macron e aceitar o dinheiro, Salles acusou o presidente francês de usar a Amazônia como "bandeira política", mas reiterou que os recursos do G7 são bem-vindos.

Veja a íntegra da entrevista:

BBC News Brasil - O G7, após coordenação do presidente francês Emmanuel Macron, ofereceu US$ 20 milhões em ajuda para o combate aos incêndios. O Brasil vai aceitar essa ajuda?

Ricardo Salles - O Brasil vai aceitar essa ajuda sem dúvida. Todos os recursos que nos forem disponibilizados para uso do Brasil, segundo as técnicas e estratégias estabelecidas pelo Brasil são bem-vindos. Portanto, estamos aguardando a efetivação dessa medida.

BBC News Brasil - O presidente Jair Bolsonaro tuitou que ele considera que essa aliança feita entre "países ricos" para "salvar a Amazônia" é uma forma de tratar o Brasil como colônia ou terra de ninguém. Não há uma contradição aí? O Brasil aceita o dinheiro, mas critica a ajuda oferecida e coordenada pelo presidente francês?

Salles - O presidente francês fez dessa discussão da Amazônia uma bandeira política. Ele que está com a popularidade baixa na França, que está com problemas inclusive na área ambiental. A França já foi indicada pelo The Guardian como um dos países que não estão indo bem com as suas metas do Acordo de Paris.

Então, para desviar o assunto de algo que não está indo bem no seu próprio território, ele criou essa polêmica. De um lado, nós recebermos ajuda dos países para termos soluções eficientes no Brasil é muito bem-vindo.

Agora, na medida em que essa ajuda venha, é o Brasil que deve determinar a forma de emprego desses recursos, a melhor estratégia e como fazer. Vem o recurso, nós que decidimos como empregá-lo.

BBC News Brasil - O Brasil aceitaria a presença de tropas ou bombeiros estrangeiros no combate ao incêndio? Que formato de auxílio seria aceitável para o governo?

Salles - Não tem esse problema de estrangeiro em solo brasileiro. Nós recebemos, por exemplo, a ajuda de Israel por ocasião do acidente em Brumadinho e a equipe israelense ficou uma semana ajudando as equipes aqui.

Portanto, não tem esse problema de estrangeiro em solo brasileiro por si só. O que não pode haver é o oferecimento de uma ajuda ou de qualquer tipo de auxílio já direcionando como o Brasil deve fazer o emprego desse recurso. O Brasil deve manter a sua autonomia na maneira de aplicar a política pública.

BBC News Brasil - O governo inicialmente minimizou os incêndios, culpando a época de secas. Depois, o presidente Bolsonaro sugeriu que ONGs podem estar por trás dos incêndios. Só depois de quatro dias, o governo fez uma reunião de emergência e autorizou o deslocamento de militares. Não foi uma resposta tardia para um problema extremamente sério?

Salles - A resposta não foi tardia até porque os órgãos federais, Ibama, ICMbio, já estavam em solo trabalhando. Quando o presidente toma a atitude de reunir todos os órgãos federais e assinar o decreto de Garantia da Lei e da Ordem e empregar recursos, mais homens e colocar o efetivo de 44 mil militares que estão na Amazônia, aeronaves...

Isso foi um acréscimo, um incremento do que estava sendo feito para combater os incêndios que ocorrem nessa época do ano, todos os anos. Se você olhar os anos mais quentes nos últimos 15 anos, todos os anos mais quentes e mais secos houve mais queimadas. Nos anos mais úmidos houve menos queimadas.

BBC News Brasil - O governo reconhece que parte desses incêndios é provocada por ações relacionadas a um aumento do desmatamento?

Salles - O desmatamento vem aumentando desde 2012. É importante deixar também esse panorama claro. Há razões econômicas para esse aumento, diminuição de equipes em todos os níveis, estaduais e federais, por conta das restrições orçamentárias impostas tanto aos governos estaduais quanto federal...

Esse assunto é bastante sério. Nós tratamos esse assunto com muita serenidade, muito equilíbrio. E essa é a forma pela qual estamos atuando agora, debelando o problema das queimadas e dando uma resposta em relação à criminalidade.

BBC News Brasil - Ministro, o presidente demitiu o diretor do Inpe, promoveu uma redução de 30% nas multas ambientais esse ano e defende legalização de terras usadas para atividades ilegais na Amazônia e mineração em terras indígenas. Essas falas e essa política não podem ter estimulado a expansão de atividades ilegais na Amazônia?

Salles - As atividades ilegais na Amazônia acontecem há 10, 20 anos. Os garimpos ilegais estão lá há muito tempo. A forma de roubo de madeira também. É preciso encarar a origem do problema. É preciso encontrar uma forma de combater as ilegalidades e, ao mesmo tempo, dar dinamismo econômico para as 20 milhões de pessoas que vivem na Amazônia.

Temos que promover desenvolvimento sustentável e, por outro lado, trazer recursos para remunerar por todos os serviços ecossistêmicos do Brasil, créditos de carbono. O que precisa haver é uma monetização desse ativo todo que temos na Amazônia e que não chega na ponta.