À margem da Rio+20, "Cidade dos Meninos" tem mais de 90% de moradores contaminados por pesticida
A quase 131 km do principal palco da Conferência Rio+20, o Riocentro, na zona oeste do Rio de Janeiro, cerca de duas mil pessoas lutam desde a ECO92 para inverter a imagem de "terra amaldiçoada" --forma como muitos se referem ao local-- atribuída à Cidade dos Meninos, no distrito de Campos Elíseos, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 97,2% da população, isto é, 1.944 moradores, estão contaminados por substâncias como HCH e DDT (compostos utilizados na produção de pesticidas).
A aposentada Lourdes da Silva, 79, que vive na região há 58 anos, foi uma das primeiras moradoras a sofrer a contaminação. Ela afirma que foram muitas as promessas do Ministério da Saúde a respeito da necessidade urgente de descontaminação da localidade. Porém, na maioria das vezes, a resposta dada foi a de que seria "mais barato" retirar a população do que implementar uma política adequada.
"É duro chegar aos 61 anos com um alto nível de HCH no sangue. E o mais duro é chegar num hospital público e não encontrar um médico que possa me atender", disse.
"Minha tristeza não é apenas pela minha condição, e sim pelos meus filhos e netos que também estão contaminados. Ouvimos várias vezes o pessoal do Ministério da Saúde dizer que seria mais barato tirar o povo daqui do que ter o trabalho de descontaminar a região", completou a aposentada, que recebeu em sua casa, neste sábado (16), a visita de ambientalistas, pesquisadores e jornalistas que participam da "Rio+Tóxico" --evento paralelo à Rio+20.
O chamado "pó de broca" é a herança deixada por uma antiga Fábrica de Produtos Profiláticos, desativada em 1960, onde se utilizava como matéria-prima o benzeno --substância altamente tóxica que, transformado em HCH ou DDT, pode provocar câncer, má formação congênita, entre outras doenças. Como a área pertence ao governo federal, o conflito ambiental da Cidade dos Meninos acaba envolvendo uma série de questões políticas, o que faz com que os moradores sejam vistos como posseiros a rigor da lei.
O Ministério da Saúde, responsável pelo terreno, enviou notificações aos moradores em 2005, depois de uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz que indicou que cerca de 30% da população apresentava níveis críticos de contaminação: quase duas vezes mais em relação aos demais. Desde então, não foram feitos estudos sobre o conflito ambiental, e o tão desejado projeto de descontaminação, cercamento e impermeabilização do solo nunca saiu do papel.
De acordo com a associação de moradores, pelo menos 50 pessoas já morreram em função de complicações causadas pelo HCH e DDT. Ainda há grandes quantidades de pó de broca armazenados na Cidade dos Meninos. Segundo informações dos moradores, costumava-se encontrar a substância sendo livremente comercializada em feiras e mercados populares --o que agravou a contaminação em massa.
A retirada dos moradores do local já foi discutida no Congresso e na Justiça, em uma ação civil pública protocolada pelos moradores, que estão sendo representados pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Maurício Guimarães.
"Em 2008, conseguimos um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] assinado pelo Ministério da Saúde e pela Petrobras, que assumiram o compromisso de investir na região, resolver uma parte do problema dessas pessoas custeando a remediação de toda a rodovia Washington Luís. Com isso, o potencial de contaminação seria reduzido", disse o advogado
"Essa área possui 19 milhões de metros quadrados, o que corresponde a duas Nilópolis, é maior do que Nova Iguaçu [os dois municípios citados também ficam na Baixada Fluminense]. Não pode ser simplesmente esquecida. Mas eles [Petrobras] vieram aqui, concluíram a instalação dos dutos [a estrutura faz parte do gasoduto Japeri-Reduc], e foram embora", completou.
A reportagem do UOL tentou entrar em contato com o Ministério da Saúde e a Petrobras para comentar o caso, mas suas respectivas assessorias não foram localizadas.
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