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Acostumado a navegar com pouca água, Amyr Klink dá dicas para economizar

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

30/03/2015 09h25

Caixa plástica, mangueira, bomba manual e água estocada. Com estes materiais o navegador Amyr Klink montou um chuveiro improvisado no fundo do seu escritório, em Moema, zona sul da capital paulista, e conseguiu tomar banho em dias de falta de água na parte mais alta do bairro. "Antes de você chegar, eu estava instalando umas bombinhas aqui", contou ele quando a reportagem do UOL visitou o local. É assim, aproveitando-se de toda a expertise que tem, que ele pretende transformar o espaço em um ambiente livre do desperdício.

Na sua primeira experiência longa no mar, em 1984, quando realizou a travessia solitária a remo no Atlântico Sul, uma façanha que durou três meses e meio, Klink conta que usou apenas 2,7 litros de água por dia, um consumo muito abaixo do recomendado pela ONU (Organização das Nações Unidas), que é de 110 litros diários por pessoa.

Anos depois, já a bordo do Paratii 2, durante sua segunda circunavegação pela Antártida (entre 2003 e 2004), o gasto médio da embarcação aumentou para 10 litros por pessoa, “incluindo banho e cozinha”. Mas, diz ele, não houve “perrengue” por falta de água. Ao contrário, havia muito conforto e bem-estar para navegar as 13,3 mil milhas (ou 21,4 mil quilômetros) durante 76 dias, sem escalas.

Em entrevista ao UOL, Klink deu dicas de como viver confortavelmente com pouca água e de mecanismos que podem ser instalados nas residências para ajudar a economizar.

UOL: Nas suas viagens, o senhor costumava gastar quanto de água por dia?

Amyr Klink: Na minha primeira experiência longa no mar, de três meses e meio, eu tive um consumo médio de 2,7 litros por dia. A média brasileira é de 170 a 200 litros por dia, e isso é muita coisa. Depois eu fiz barcos mais sofisticados, como o Paratii 2. Eu fiz uma volta ao mundo com ele com conforto, com tecnologia, por uma rota muito difícil, e tivemos [Amyr e a tripulação] um consumo de água com menos de 10 litros por pessoa por dia, incluindo banho e cozinha. Então é possível a gente se tornar mais eficiente.

UOL: Como vocês faziam isso?

AK: Se policiando. É possível tomar um banho bastante confortável com cinco litros de água. O problema é que a gente não tem as soluções prontas. Esse, talvez, deveria ser o papel do governo, não de efetivamente trazer a solução pronta, mas de regular, orientar, educar. Por exemplo, por que os fabricantes não têm torneiras mais inteligentes, torneiras de baixa pressão? Eu não quero baixa pressão na água que eu pago para ter. Eu quero ter a possibilidade de baixar a pressão na torneira. Eu não quero uma torneira que tem comando manual, porque se eu aciono uma torneira é porque eu quero a água na mão. O comando da água na torneira deveria ser no pé, como é no barco. E não precisa ter caixa d’água. No barco, você não tem caixa d’água, nem tem água descendo por gravidade para a torneira, porque isso é um estimulo ao desperdício.

UOL: Onde fica a caixa d’água no barco?

AK: Por uma questão de estabilidade, a caixa d’água fica no fundo, então para ter água na bancada de cozinha do barco, por exemplo, é preciso bombear [a água] para cima. Existe um comando de pé. Você encosta o pé na alavanquinha e vem a quantidade exata de água que você quer, na pressão que você precisa. Para lavar louça, por exemplo, às vezes você quer um jato forte para tirar um detrito e às vezes você quer um jato fininho só para poder umedecer o sabão.

UOL: Esses equipamentos são caros? Dá para adaptar para casa?

AK: Importado, pagando os tributos criminosos que os brasileiros são obrigados a pagar, custa entre R$ 400 e R$ 500. Eu não considero caro. Se você comprar uma torneira de uma marca conhecida, por exemplo, que tem um produto extremamente mal desenhado, uma torneira que deveria ser inox 316l, mas é de latão cromado ou plástico cromado, custa cerca de R$ 600.

Além disso, no barco temos uma descarga com sistema a vácuo que usa 450 ml, enquanto as descargas comuns consomem quase 15 litros a cada uso. Ela não dá cheiro, mas é um equipamento mais sofisticado. Um amigo encontrou outra solução. Ele colocou um urinol no banheiro, daqueles que têm em rodoviárias. Consome muito menos água e não dá uma descarga toda vez que alguém urinar.

UOL: Mas, eles são fáceis de instalar?

AK: É muito fácil instalar. Pode colocar embaixo da pia, usar em um reservatório em cada área de utilização da casa. Pode separar as águas, reutilizar. As alternativas existem, o problema é que como as pessoas nunca tinham passado por isso [uma crise hídrica], pelo menos não em tempos recentes, achavam que o recurso era infinito, mas ele não é. Então, o que teremos que fazer como contribuintes, como consumidores? Teremos que repensar a maneira de utilizar.

UOL: O senhor poderia citar um hábito simples da vida no barco, que poderia ser facilmente adaptado para a realidade das pessoas em casa?

AK: Vou dar um exemplo: eu não sabia lavar a louça. A gente simplesmente deixa a torneira aberta e vai lavando [a louça]. Os restaurantes não têm ideia de como se lava louça. A primeira coisa que se aprende em um acampamento inglês é como lavar a louça. Você usa a mesma água para molha todos os utensílios, depois você usa outra água com sabão e enxágua. É uma técnica diferente. Eu aprendi na Antártida com um grupo de ingleses e fiquei chocado. Eu levei uma bronca de um deles, quando terminei minha primeira invernagem, eles ficaram chocados quando me viram lavando louça. E lá a gente precisa derreter a neve. Tudo bem que o que não falta é neve para derreter, mas isso custa combustível, energia.

UOL: Na nossa última entrevista, o senhor havia dito que aumentar o valor da água contribuiria para acabar com o desperdício. Já está em vigor lei que prevê multa de 50% na conta para quem gastar mais de 20% do que a média entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014de R$ 1.000 para quem for pego lavando calçadas e carros. Em sua opinião, isso resolve?

AK: Não há dúvidas que colocar um preço maior [na água] faz as pessoas usarem com parcimônia. Eu prefiro uma água mais cara e ter água do que ter uma água subsidiada e não ter. Acho que todo mundo prefere. Mas, isso é um ato paliativo. O que resolveria era ter uma política estratégica, ou seja, pensar no futuro e no quanto uma cidade deve crescer. Quando a gente olha para os países que tem uma urbanização, digamos, amigável, a cidade tem um limite para crescer.

UOL: Qual a sua opinião sobre a maneira como governo de São Paulo vem enfrentando a crise hídrica?

AK: Estou muito decepcionado com o governador, que conheço há anos e considero competente, que é o Geraldo Alckmin [PSDB]. A desfaçatez com que ele foge de admitir que há um problema é impressionante. A solução do problema começa quando você assume que tem um. Estou surpreso que não haja grandes movimentos de protesto, porque qualquer protesto violento seria perfeitamente justificável. Nós não temos gestores pensando estrategicamente, somos vítimas dessa visão política de curto prazo e de interesses escusos que é incapaz de antecipar problemas para daqui 10 anos, 20 anos. O que vai acontecer em São Paulo quando as minhas filhas tiverem maduras? Vai ser um caos.

UOL: O senhor está sofrendo com falta de água em casa?

AK: Nós tivemos uns dias sem água e eu vim tomar banho aqui [no escritório]. Curiosamente, aqui é mais baixo do que a minha casa, que é perto daqui. Eu juntei o filete de água que saia da torneira em caixas plásticas, coloquei uma bomba manual e tomei um banho maravilhoso. A água ainda estava morna, porque a caixa é preta e esquenta com o sol. Quero trazer os equipamentos do barco para cá, bombas supereficientes e manuais. Eu sinto falta de propor esse tipo de desafio para as pessoas.

UOL: Você acha que as pessoas vão adquirir um novo hábito com essa crise?

AK: Eu deveria achar, mas nós passamos por uma crise de energia elétrica em anos anteriores e na época todo mundo começou economizar. Mas, parece que hoje todo mundo esqueceu. Os hábitos mudaram apenas durante algum tempo. Por isso, acho importante aumentar o preço dos recursos para nos lembrar da importância que eles têm. Mas, é preciso cobrar que o serviço, mais caro, seja também mais efetivo.

(Procurado, o governo de São Paulo não se manifestou sobre as declarações do navegador.)