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Saída é reforçar Fundo Amazônia, não criar novo, dizem analistas na COP-25

A Noruega é responsável pela maior parte das doações do Fundo Amazônia - Larissa Rodrigues
A Noruega é responsável pela maior parte das doações do Fundo Amazônia Imagem: Larissa Rodrigues

Fabíola Ortiz

Colaboração para o UOL, em Madri (Espanha)

12/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Analistas criticam ideia de um outro fundo para a Amazônia
  • Países e organizações têm visto com cautela a possibilidade

A criação de um outro fundo que poderia substituir o Fundo Amazônia tem gerado crítica por parte de ambientalistas brasileiros e é vista com cautela por organizações e outros países. A possibilidade foi anunciada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, antes mesmo de embarcar para Madri para participar da COP-25, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.

A expectativa anunciada pelo governo no final de novembro era de que o novo mecanismo entrasse em operação em julho de 2020 e tivesse um aporte inicial de US$ 50 milhões (cerca de R$ 205 milhões).

Gerido pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o Fundo Amazônia foi criado em 2008 para captar doações para ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, além da promoção do uso sustentável do bioma.

A Noruega é a maior doadora do fundo, tendo repassado R$ 3,1 bilhões para a iniciativa nos últimos dez anos. A Alemanha, por sua vez, doou cerca de R$ 200 milhões de reais. As atividades do Fundo Amazônia foram paralisadas em abril após o governo destituir os comitês técnicos que faziam a seleção dos projetos.

Apesar de Salles ter informado na última semana em Madri que Alemanha e Noruega teriam "topado" a nova proposta, a chancelaria alemã apenas se limitou a informar "não saber que um novo fundo para preservar a Amazônia tenha sido criado pelo Brasil". "Portanto, não podemos comentar sobre isso."

Já o ministério do Meio Ambiente norueguês confirmou ter recebido a ideia de um novo fundo para a Amazônia. A nota informa que "ainda estamos em diálogo com as autoridades brasileiras e o BNDES sobre o futuro do Fundo Amazônia". "Na pendência de uma resolução para essas discussões, a participação da Noruega no saldo não comprometido do fundo (cerca de US$ 500 milhões) foi congelada."

Fracasso à vista

Para o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador da ONG MapBiomas, este outro fundo já nasceria com seu destino fadado ao fracasso. "Já vai nascer morto. Como você vai falar para alguém pôr dinheiro em um fundo que você está criando, se você está jogando fora um outro que tem em caixa mais de R$ 2 bilhões de reais?", questionou.

Tasso, que foi diretor do Serviço Florestal Brasileiro entre 2006 e 2009, e ajudou a viabilizar o Fundo Amazônia gerido pelo BNDES, defendeu que o seu conselho seja estabelecido "urgentemente". "É a coisa mais ineficiente não deixar ninguém usar o recurso em caixa do maior Fundo do mundo", criticou ao UOL Azevedo, que está na COP-25.

O diretor-executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), André Guimarães, fez coro às críticas e rejeitou o anúncio de um outro fundo defendendo que parte dos incêndios na região amazônica poderia ter sido evitada se o Fundo Amazônia estivesse em operação.

"Não tem que criar outro, tem que botar o que existe para funcionar. Temos um ano praticamente de inoperância, há recursos disponíveis e o pior é que estão fazendo falta não só para as ONGs, mas também para o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], para os governos estaduais e para combater os incêndios", reclamou em conversa com o UOL.

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Band Terra Viva

Assinar um cheque em branco

"É difícil imaginar que haja um país que vá assinar um cheque em branco para ser aplicado numa agenda que está provocando a destruição da Amazônia", criticou Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima. Para ele, há "muita retórica" no discurso oficial.

Ele fez duras críticas ao falar que o ministro Salles "reconheceu sua própria incapacidade de lidar com o crime ambiental" permitindo que o desmatamento aumentasse quase 30% entre agosto de 2018 e julho de 2019 (totalizando 9.762 km2), um recorde em dez anos, segundo o anúncio feito no dia 18 de novembro pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

O UOL consultou, na COP-25, representantes de países como Reino Unido e Itália, que não quiseram se manifestar no momento. O tema tem sido tratado com cuidado e com um certo silêncio na Conferência por parte dos países.

Uma funcionária do ministério de meio ambiente italiano disse que não poderia comentar o assunto porque ainda há muita "cautela" para entender a posição brasileira. "Especialmente após o que disse o presidente Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, estamos esperando ainda para ver como vão atuar", disse a funcionária no espaço da Itália na COP-25.

Tasso Azevedo ainda põe em causa a viabilidade de um fundo gerido pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) ao indicar que o Brasil teria que pagar uma taxa de administração. Já o Fundo Amazônia, sob gestão do BNDES, "é muito melhor e maior que o BID e a equipe técnica não cobra taxa". Segundo ele, primeiro há que provar a capacidade de reduzir as emissões para, então, angariar apoio. Consultado, o BID informou que, por enquanto, não irá se pronunciar.

Guimarães, do Ipam, destaca que haveria países interessados em apoiar o Brasil e contribuir para o fim dos desmatamentos na Amazônia, como França, Holanda e Inglaterra. Mas, se não forem criadas as condições para que recursos sejam captados e administrados de forma transparente, com engajamento da sociedade, não será possível criar parcerias internacionais. "Se eu fosse um doador, teria muita insegurança em colocar recursos no Brasil sem saber como esse recurso vai ser aplicado", indicou.

O tema gera tensão até mesmo entre funcionários de organismos internacionais, como o especialista espanhol em temas agroflorestais Jose Gomez. "Se for uma cópia do Fundo Amazônia, não teria sentido, mas teríamos que ver primeiro quais são os objetivos. O lançamento sem conhecer bem o objetivo e o destino desses recursos provoca um pouco de confusão [nos outros países]", disse, hesitante.

Fernanda Viana de Carvalho, gerente de política global da WWF, disse que a comunidade internacional tem reagido com "surpresa". "A gente realmente não entende qual seria o propósito desse fundo. O Fundo Amazônia funcionava bem, estava cumprindo sua missão. O aporte anual era de, pelo menos, quatro vezes o montante que Ricardo Salles colocaria no novo. E qual seria realmente ou o valor agregado desse novo fundo? Isso, até agora, não apareceu".