País terá que vencer má fama e contradições para passar o chapéu na COP-25
Resumo da notícia
- Começa hoje a 25ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-25)
- Brasil espera usar o evento para "passar o chapéu" e conseguir fundos de países desenvolvidos
- Mas deve encontrar um ambiente hostil por conta das crises ambientais que tomaram o país
- Governo Bolsonaro já afirmou que não precisava de dinheiro estrangeiro para o setor e suspendeu o Fundo Amazônia
- E crises ambientais brasileiras têm repercutido negativamente no exterior
Antes da posse de Jair Bolsonaro (sem partido), um episódio em novembro de 2018 prenunciou qual seria um dos setores mais contestados do governo: o ambiental. O Brasil retirou a candidatura para sediar a 25ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-25), e o então presidente eleito foi peça fundamental nessa movimentação.
Passados um ano e muitas crises, parte delas com repercussão negativa no exterior, o Brasil terá que superar a má reputação que forjou e vai expor suas contradições para cumprir a meta que o governo anunciou para a Conferência: a de arrecadar dinheiro dos países ricos para a preservação ambiental.
"O Brasil está com um nível de entrega [em avanços ambientais] muito baixo: dados de desmatamento, número de queimadas, emissões cresceram significativamente. É um papel vergonhoso que o Brasil vai passar", avalia o diretor de Economia Verde do WWF-Brasil, Alexandre Prado, que participará da COP-25.
O evento ocorrerá a partir desta segunda (2) e vai até o dia 13, em Madri.
Após dizer que não precisava de dinheiro europeu, governo Bolsonaro pedirá dinheiro europeu
Em agosto, o presidente da República afirmou que queria "mandar um recado para a senhora querida Angela Merkel, [chanceler da Alemanha] que suspendeu US$ 80 milhões para a Amazônia".
"Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, ok? Lá está precisando muito mais do que aqui"
Jair Bolsonaro
O presidente também criticou Emmanuel Macron, da França, a quem acusou de intromissão em temas ambientais. E Onyx Lorenzoni afirmou que a Noruega deveria aprender com o Brasil.
Agora, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deve usar a COP para "passar o chapéu" aos países ricos e tentar formar um novo fundo controlado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), conforme revelado pela Folha. O governo espera arrecadar US$ 50 milhões (cerca de R$ 212 milhões) para Amazônia.
O valor é ínfimo comparado aos R$ 3,4 bilhões aportados no Fundo Amazônia em dez anos. A iniciativa foi criada em 2008 sob o governo Lula (PT) para arrecadar recursos de países desenvolvidos para preservar e monitorar o bioma.
Após as críticas de Salles e a intervenção do governo no Fundo, restringindo o papel de seu Comitê Orientador e aumentando o peso do Executivo na gestão, os dois países congelaram repasses que, juntos, somavam R$ 285 milhões.
"Ainda não temos no governo alemão uma proposta oficial do MMA [ministério do Meio Ambiente] sobre uma nova governança, sobre mudanças [no Fundo Amazônia]", disse o embaixador da Alemanha em Brasília, Georg Witschel, ao site O Antagonista na quinta-feira (28).
"Já existe dinheiro no Brasil, no Fundo Amazônia, no Fundo Clima. (...) O Fundo Amazônia é um exemplo mais claro que o ministro vai chegar lá [na COP] sem moral para pedir dinheiro. O ministro suspendeu, acabou com o uso do fundo, exatamente porque ele não quer preservar a floresta. Esse discurso do ministro [de pedir dinheiro aos países ricos] não tem o menor amparo na realidade.", diz Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace.
Segundo Astrini, a ideia de um fundo ligado ao BID não é nova e já vem sendo discutida há algum tempo. Para ele, no entanto, o país precisa apresentar propostas concretas de preservação e soluções às crises ambientais para poder pensar em arrecadar dinheiro dos países ricos. "Ninguém vai investir dinheiro no passado, se houver investimentos, é no futuro, no que vai ser feito."
Bolsonaro confessou participação na retirada da candidatura brasileira
Contrariando uma característica do Brasil de se colocar entre os líderes em relação às discussões sobre mudanças climáticas e outras pautas ambientais, o país surpreendeu a comunidade internacional e retirou sua candidatura para sediar a COP neste ano.
A informação inicial sobre a desistência fazia menção à uma decisão exclusiva do Itamaraty. Bolsonaro, no entanto, foi claro ao afirmar que "houve participação sua" na escolha.
Desde então, o Chile já foi escolhido e posteriormente substituído pela Espanha para sediar o evento por conta das manifestações que tomaram aquele país, e o Brasil enfrentou uma série de crises ambientais, a mais recente delas revelada pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais): uma alta no desmatamento que não encontra precedentes na última década.
"É uma contradição em parte pelo discurso, mas sobretudo pelos atos. As tragédias desse ano, Brumadinho, Amazônia, óleo [vazamento que atinge a costa brasileira, ainda sem explicações concretas do governo], realmente mostram que a preocupação desse governo em relação à questão ambiental é zero.", diz Prado, diretor do WWF.
Acordo de Paris, antes criticado, agora é fonte de recurso
A viagem de Salles a Madri deve expor outra contradição para o setor. Antes crítico do Acordo de Paris, o governo agora quer uma fatia do bolo.
Em entrevista ao UOL publicada na última sexta (29), Salles afirmou que o país é "modelo de conservação" e que o Brasil teria direito "aí a uns US$ 10 bilhões por ano". "Mas isso compete aos países desenvolvidos, que nos prometeram isso", declarou.
Em nota enviada à reportagem, o ministério do Meio Ambiente afirmou que pretende, durante as discussões da conferência, privilegiar a regulamentação do artigo 6º do Acordo de Paris, que versa sobre a cooperação entre os países signatários para mitigar efeitos das mudanças climáticas. A pasta também confirmou que a delegação enviada vai se empenhar em tentar arrecadar recursos dos países ricos.
"O Brasil tem feito muito e levará para a COP todo esse acervo de temas ambientais. Por outro lado, esperamos receber a sinalização, finalmente, de que a promessa de recursos vultosos dos países ricos para os países em desenvolvimento, já a partir do ano que vem, se concretize", diz o texto enviado à reportagem.
Mas Prado, do WWF, prevê que o Brasil deverá encontrar um ambiente hostil para negociar durante a COP. Já Astrini afirma que se o Brasil for à conferência com um discurso pouco atrelado à realidade, não será ouvido por ninguém.
"Se o governo for com esse discurso, a tendência é ficar falando para ninguém. Já não tem nenhuma moral, infelizmente esse governo rebaixou o país, tirou de uma situação em que a gente era exemplo, uma potência nas negociações e um dos líderes desse debate ambiental, para colocar ao lado do problema, do pária. O Brasil é o tipo de exemplo que não se precisa no debate sobre mudanças climáticas", diz.
O que está em jogo?
As discussões na conferência devem refletir o momento emergencial que vive o planeta em relação à emissão de gases estufa — estudo da Organização Meteorológica Mundial divulgado na última semana revela que 2018 alcançou um novo recorde nas concentrações médias globais de dióxido de carbono: 407,8 partes por milhão (ppm, sigla que mede a concentração de CO² na atmosfera), acima das 405,5 ppm registradas em 2017.
O evento deste ano carrega responsabilidade particular pois, a partir de 2020, os países signatários do Acordo de Paris — incluindo o Brasil — terão de tomar ações efetivas para que o aumento da temperatura média global seja "bem abaixo de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais" e "se esforçar para limitar esse aumento a 1,5ºC", conforme descrito no tratado.
Ao abdicar da candidatura para sediar a COP e ameaçar deixar o Acordo (posição depois retificada pelo governo), o Brasil se afastou do protagonismo em relação às pautas ambientais. Somando-se ao fato de que Ricardo Salles e o também ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) já demonstraram ceticismo em relação ao aquecimento global, é difícil prever como a delegação brasileira deve se comportar em relação à pauta.
No centro das crises ambientais do governo, a Amazônia é considerada um bioma que atua na redução do aquecimento global. Fatores como o processo de fotossíntese e o regime de chuvas influenciam na mitigação da temperatura. As interferências humanas, tal qual as queimadas e o desmatamento, agem de forma diametralmente oposta.
Em relação às queimadas, o Brasil registrou um aumento de 47% neste ano em comparação ao ano passado, com 188.360 focos (45% deles na Amazônia). Estudo recente da Nasa mostrou que o fogo no bioma libera o chamado "carbono preto", aerossóis que absorvem o calor emitido pelo sol e aumentam a temperatura da Atmosfera; as partículas também podem influenciar na formação de nuvens e, consequentemente, nas chuvas.
"É um bom momento para o ministro conseguir se alinhar, ou tentar buscar o alinhamento do que está acontecendo em países que têm essa agenda, com lideranças que têm essa agenda como importante, e a gente espera que ele volte de lá compreendendo um pouco melhor o que é esse processo de mudanças climáticas", completa o diretor do WWF.
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