Suplente de senador pode assumir 8 anos de mandato sem um único voto

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

  • André Dusek -11.jul.2017/Estadão Conteúdo

    Vista do plenário do Senado, em Brasília

    Vista do plenário do Senado, em Brasília

Imagine um "combo" com salário mensal de R$ 33,7 mil, apartamento funcional (ou auxílio-moradia mensal de R$ 5.500), carro oficial com motorista à disposição, verba para custeio de gasolina, despesas de gabinete, telefone e passagens aéreas e com expediente fixo apenas de terça a quinta.

Essa é uma parte dos benefícios que pode vir a ter um suplente de senador, figura do sistema político que tem a chance de assumir um mandato de até oito anos e adquirir foro privilegiado sem que, para isso, tenha recebido um único voto na urna. 

"Isso é um atentado ao sistema representativo e um desrespeito ao voto do eleitor, porque muitos desses suplentes não têm compromisso de agir perante o eleitorado. Eles não serão avaliados, porque não prometeram nada –nem têm a quem mostrar, ficam ali para cumprir mandato", afirma a cientista política Carolina de Paula, coordenadora dos estudos sobre eleições no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

O suplente é uma exceção nos cargos de natureza legislativa: para ser "eleito", basta que o titular da cadeira seja escolhido pelo voto. É uma situação diferente, por exemplo, do que ocorre com outros tipos de suplente, como o de vereador, deputado estadual e deputado federal, nos quais os respectivos substitutos são submetidos ao voto e a critérios objetivos, estabelecidos no Código Eleitoral de 1965, como o quociente partidário e a ordem da votação nominal de cada um.

Por lei, cada senador tem direito a dois suplentes que não recebem voto e contam apenas com uma pequena exposição na urna eletrônica. Em caso de renúncia ou morte do titular, o primeiro suplente assume a vaga. A substituição também ocorre em caso de licença do titular superior a 120 dias --até que ele retorne ao posto.

No pleito deste ano, serão ao menos 108 suplentes "eleitos" de carona na chapa de 54 parlamentares que preencherão, a partir de janeiro de 2019, as cadeiras do Parlamento.

Taxa atual é a menor desde 1995

Dos 81 senadores que compõem a atual legislatura do Senado Federal, 29 deles, ou 35% da casa, já foram suplentes. O número oscilou nas duas últimas décadas: 

  • 1995-1999 - 37 suplentes (45% do total) 
  • 1999-2003 - 50 suplentes (61% do total)
  • 2003-2007 - 36 suplentes (44% do total)
  • 2007-2011 - 44 suplentes (54% do total)
  • 2011-2015 - 43 suplentes (53% do total) 

De acordo com o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), após o prazo final para registro das candidaturas, constatou-se que, dos 54 senadores que deixarão o posto este ano, 32 (59%) vão tentar a reeleição. Os 22 restantes concorrerão a outros cargos eletivas ou desistiram da vida pública.

A candidatura à reeleição é uma das quatro a que o senador titular pode concorrer ao longo do mandato --uma vez empossado, pode disputar ainda o pleito municipal, que acontece dois ou seis anos depois, ou o nacional, após quatro anos. E isso sem perder o mandato, que é "preservado" pelo suplente.

Para pesquisadora, modelo herda traços do Império

Para a cientista política Carolina de Paula, da Uerj, as eleições mais recentes têm mostrado que o suplente, quando não é parente ou financiador da candidatura, é um nome com pouca ou nenhuma experiência na atividade parlamentar e partidária.

"É difícil saber quantos desses casos são suplentes para assumir em casos de exceção, como morte ou doença do titular; quantos assumirão em situações extremas, de divisão de mandato, e quantos são financiadores da candidatura principal –já que não é raro ver como suplentes nomes com patrimônio duas ou até três vezes maior que o do dono da vaga", diz Carolina.

Na avaliação da pesquisadora, o atual modelo de suplência do Senado tem paralelos na história com modelos de senadores nomeados no período imperial ou pelos ditadores do regime militar. "O suplente acaba sendo parte do arranjo de como são formadas as coligações, tal qual uma troca. E nisso podem aparecer também casos absurdos, com mulher, filhos e pessoas íntimas do titular nas suplências", afirma.

A cientista política lembrou que o ex-presidente do Senado, José Sarney (MDB-AP), tentou, anos atrás, aprovar uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) vetando familiares de até segundo grau na suplência da Casa e reduzindo a um o número de substitutos. A proposta foi derrubada.

"Se ali, após todo o calor das jornadas de junho [manifestações de 2013], se tentou criar essa agenda positiva no Senado e não passou, acho difícil que passe agora." 

Especialista defende rigor com eleitos

Na avaliação do professor Wagner Romão, do departamento de Ciência Política da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o eleitor "deveria ser mais rigoroso" com o candidato que é eleito para o Senado e que depois renuncia ao mandato ou se licencia.

"O candidato ou a candidata sabem que serão eleitos para um mandato. Portanto, o eleitor não deveria admitir que a pessoa descumprisse esse acordo com ele", afirma Romão. "O correto, de fato, seria que tivéssemos um instrumento legal para impedir esse tipo de idiossincrasia." 

Romão defende que, em caso de renúncia, assuma o próximo candidato mais votado no pleito. Ele diz que, ainda que o suplente possa ser parte do arranjo partidário que agrega forças à candidatura principal, isso "pode agregar forças que não estão muito claras ao eleitorado".

"O Senado é o ápice das carreiras políticas e, em geral, é alvo de quem tem uma grande projeção de mídia ou uma trajetória política consistente. Por isso mesmo é que se deveria lutar por algo que inibisse que o eleito a esse cargo transitasse para um outro cargo", diz Romão.

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