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STF rejeita questão de ordem e prossegue com julgamento do mensalão

Fernanda Calgaro*

Do UOL, em Brasília

07/08/2012 17h56Atualizada em 07/08/2012 18h13

Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitaram, por unanimidade, uma questão de ordem apresentada pelo advogado José Carlos Dias, que defende a ré a ex-presidente do Banco Rural, Kátia Rabello. Ele pediu a suspensão da sessão porque a ministra Cármem Lúcia teve que se retirar do julgamento para participar de uma sessão no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Com o indeferimento, o julgamento prossegue com as apresentações das defesas de Geiza Dias e Kátia Rabello.

Antes do intervalo da sessão de hoje,Cármem Lúcia anunciou que iria se retirar, mas disse que assistiria amanhã à gravação das sustentações orais. Dias afirmou que, durante o intervalo, conversou com o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ophir Cavalcante, por considerar que a saída de um ministro é uma "violação à prerrogativa".  "Senão, abre um precedente: grava num CD, leva para casa. Grava o voto dele e entrega para a gente", disse.

Inicialmente, Abreu e Silva havia afirmado à imprensa que não via problema na ausência da ministra. No entanto, após saber por Dias que a OAB achava que era o caso de levantar questão de ordem, disse que também iria endossá-la.

Hoje, já foram apresentadas as defesas dos réus Simone Vasconcelos, Rogério Tolentino e Cristiano Paz.

Simone Vasconcellos

O advogado Leonardo Yarochewsky, que defende a ré Simone Vasconcelos no julgamento do mensalão, citou, durante sessão no STF (Supremo Tribunal Federal) nesta terça-feira (7), as personagens Nina e Carminha da novela "Avenida Brasil", exibida pela Rede Globo, para criticar o que chama de banalização da acusação de formação de quadrilha.

"Até na novela das oito a Carminha disse que ia processar a Nina por formação de quadrilha. É bonito isso, né?", ironizou o defensor. As personagens, antagonistas na trama, são vividas pelas a atrizes Débora Falabella e Adriana Esteves (Carminha). 

Hoje, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) também citou a novela durante sessão da CPI do Cachoeira, ao dizer que está sendo perseguida pelo grupo do contraventor.

Na época do mensalão, ela era diretora financeira da SMP&B, uma das agências de Marcos Valério. Ela é acusada de ter distribuído dinheiro esquema ao instruir o Banco Rural acerca do que fazer, sacar cheques na boca do caixa e fazer pagamentos pessoalmente.

Para o advogado, sua cliente "deveria figurar, no máximo, como testemunha nesse processo", afirmou o advogado Leonardo Yarochewsky. Segundo ele, faltam provas contra ela. "Chegou a hora de discutir as provas, ou a ausência dela."

Yarochewsky admitiu que sua cliente distribuiu dinheiros a parlamentares, mas disse que ela não sabia quem eles eram.

"Simone, em momento algum, negou que, a mando de Marcos Valério, entregou várias quantias em dinheiro para vários parlamentares, mas não sabia quem eram esses parlamentares", afirmou.

De acordo com ele, Simone entregou uma lista com os nomes das pessoas para quem ela entregou dinheiro porque ela pedia recibo "para a segurança dela e para mostrar ao Marcos Valério, porque ela era empregada e o dinheiro não lhe pertencia".

O defensor afirmou que muitas vezes a ré só sabia para quem entregar o dinheiro pela descrição de roupas. "É a ignorância política; 80% da população brasileira não se lembra em que votou nas últimas eleições."

O advogado confirmou denúncia da Procuradoria Geral da República ao dizer que Simone chegou a usar carro-forte para sacar o dinheiro. por uma questão de segurança. "As saidinhas de banco acontecem toda hora. (...) Nao há nada de anormal nisso."

O advogado de Simone Vasconcellos afirma que ela não conhecia os políticos nem os seus assessores para quem entregar dinheiro. "É a ignorância política. 80% da população brasileira não se lembra em que votou nas últimas eleições."

Yarochewsky disse ainda que Simone Vasconcellos teve a "vida devassada" e não se encontrou nada contra ela. "Ela é mãe de dois filhos, avó de um neto. Teve sigilo quebrado e a vida devassada. Ela não teve nenhum ganho ou vantagem. O seu padrão de vida continuou o mesmo."

Rogério Tolentino

O advogado Paulo Sérgio Abreu e Silva, que defende Rogério Tolentino, sócio de Marcos Valério, disse, durante sustenção oral, que seu cliente admitiu que recebeu R$ 1,49 milhão da empresa SMP&B em recursos não declarados, prática conhecida como "caixa dois". 

A SMP&B era uma das agências publicitárias que mantinha contratos com o governo federal durante a primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva e é apontada pela Procuradoria Geral da República (PGR) como envolvida no suposto esquema do mensalão.

"O Rogério me afirmou que recebia honorários da SMP&B no famoso caixa dois, e não contabilizava", disse. O advogado afirmou que alertou Tolentino sobre a ilegalidade da prática. "Caixa dois é perigoso, pode ter ação fiscal e penal depois." 

Ontem (6), advogados de réus petistas admitiram que o partido fez caixa dois para saldar dívidas de campanha, mas negaram que houve a prática de compra de parlamentares, que ficou conhecida como mensalão.

Durante sua sustentação, o advogado de Tolentino ironizou a denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República. "Essa denúncia é um roteiro para novela das oito", disse.

"O que eu já falei dessa denúncia é um horror", afirmou o defensor. Segundo Abreu e Silva, a PGR foi incluindo, à revelia, nomes na denúncia, até "chegar ao astronômico número de 40 [réus]". "A denúncia formou três quadrilhinhas pra formar o quadrilhão", disse, referindo-se aos três núcleos (político, operacional e financeiro) apontados pela Procuradoria.

Rogério era sócio das empresas de Marcos Valério e, de acordo com a denúncia do procurador, Tolentino negociou empréstimos e ajudou a montar o esquema de distribuição de dinheiro a políticos, para que eles apoiassem projetos do governo federal durante a primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. Ele afirma que a operação no Banco BMG, na qual pagou encargos e deu garantia, foi lícita.

Abreu e Silva afirmou que "Rogério Tolentino nunca foi sócio ou gestor das empresas do corréu Marcos Valério", contrariando a denúncia do Ministério Público Federal (MPF). 

Segundo ele, Tolentino não distribuiu dinheiro a políticos, embora tivesse dado três cheques em branco à SMP&B. "Ele entregou três cheques em branco à SMP&B e, por ordem de Marcos Valério, Simone Vasconcellos os preencheu para a bônus Banval. Quando os cheques chegam, eles são repassados a três políticos do antigo PP."

Ainda de acordo com o advogado, Rogério Tolentino "confessa que tomou um empréstimo de R$ 10 milhões no banco BMG a pedido da SMP&B".

Tolentino nega que mantivesse relações próximas com a diretoria do Banco Rural ou com a financeira Bônus Banval, acusada pelo Ministério Público de repassar dinheiro a políticos. Ele responde por formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem ou ocultação de dinheiro.

Hoje, os advogados de quatro réus ligados ao publicitário Marcos Valério, acusado de ser o operador do mensalão, começaram a apresentar a sua defesa no plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), no quarto dia de julgamento do suposto escândalo. A sessão de hoje começou por volta de 14h25. Cada defensor tem uma hora para expor seus argumentos.

Cristiano Paz

Mais cedo, o advogado Castellar Modesto Guimarães Filho, que defende o publicitário Cristiano Paz, sócio de Marcos Valério nas empresas SMP&B Comunicação e Graffiti, afirmou que seu cliente só atuava na parte de criação nas empresas e não se envolvia em questões financeiras e administrativas.

"Sua atividade como homem de criação o impedia de qualquer outra participação na SMP&B. Ele trabalhava na construção de marcas", disse. Para corroborar sua tese, o defensor citou prêmios recebidos pelo seu cliente e um depoimento do também publicitário Duda Mendonça --um dos réus do mensalão--, ratificando o argumento de que quem atua em criação, em geral, não se dedica a outras atividades nas empresas de publicidade.

Cristiano Paz é acusado de negociar empréstimos e ajudar na distribuição de dinheiro a políticos em troca de contratos de publicidade. Paz também é acusado de ter feito remessa irregular de dinheiro para o exterior, respondendo pelos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, evasão de divisas e peculato.

Em sua sustentação oral, o advogado de Paz citou testemunhos de várias pessoas ligadas a seu cliente para corroborar a tese de que Paz cuidava apenas dos departamentos de criação e publicidade das agências onde trabalhou.

O advogado disse também que, ao ver a denúncia da Procuradoria Geral da República, ficou otimista porque faltavam provas contra seu cliente. "Em nenhuma vez sequer existe a menção ou a intenção de individualizar a conduta de Cristiano Paz", afirma. "Faltam aos autos instrumentos, provas necessárias para embasar o pedido de condenação [do meu cliente]."

O empresário nega que fosse responsável pelos setores administrativo e financeiro das agências e afirma que os empréstimos e os contratos de publicidade foram regulares. Paz, no entanto, admite ter aceitado ser avalista nos empréstimos do Banco Rural e BMG ao PT, pois queria ganhar a conta publicitária do partido. Ele nega saber do repasse do dinheiro para outros beneficiários, além dos petistas.

A agência onde o publicitário Cristiano Paz trabalha atualmente, de propriedade de seu filho, "não tem, por opção dela, nenhuma conta pública", segundo o advogado Castellar Guimarães.

Próximas defesas

A quarta defesa a ser ouvida pelos ministros do STF será a de Geiza Dias. Na época, ela era gerente financeira da agência SMP&B e subordinada a Simone Vasconcellos. Ela afirma que apenas cumpria funções do seu cargo, que incluíam realizar saques e fazer reservas para saques em espécie, e nega que soubesse do acordo entre os sócios da agência e o PT.

A última ré a ter a sua defesa apresentada é Kátia Rabello, ex-presidente do Banco Rural. Ela alega que todas as movimentações financeiras da instituição eram registradas, ao contrário do que argumenta o Ministério Público. Diz ainda que as relações com o grupo de Marcos Valério eram apenas profissionais e que os empréstimos concedidos pelo banco eram, de fato, verdadeiros.

O procurador-geral da República afirma que o dinheiro dos empréstimos era destinado para financiar o mensalão, pois o banco sabia que não seriam devolvidos. Além disso, Rabello nega que fizesse os empréstimos com o intuito de beneficiar o banco com a liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco.

Primeiro dia de defesas

No primeiro dia dedicado às defesas dos réus do mensalão, nesta segunda-feira (6), cinco advogados foram à tribuna do STF para defender seus clientes. O primeiro a falar foi o advogado de José Dirceu, que disse que o ex-ministro não chefiou nenhuma quadrilha. “José Dirceu não é chefe de quadrilha, não”, disse. “Não há nos autos do processo nenhum depoimento, nenhuma testemunha, que faça essa afirmação, de que José Dirceu, na [chefia da] Casa Civil, tenha beneficiado qualquer instituição financeira”, afirmou José Luís de Oliveira Lima.

O defensor de Genoino alegou que o mensalão "foi uma farsa", enquanto o advogado de Delúbio Soares admitiu o uso de caixa dois, o que também foi proclamado pela defesa de Marcos Valério. O último a apresentar a sustentação oral foi o advogado de Ramon Hollerbach, ex-sócio de Valério. Os ministros do STF Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes foram pegos cochilando durante as defesas dos advogados.

Entenda o dia a dia do julgamento

Entenda o mensalão

O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus, incluindo membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.

O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

*Colaboraram Fabrício Calado e Guilherme Balza, em São Paulo