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Comissão da Verdade é instalada na UFRJ; filha de Zuzu Angel dá depoimento emocionado

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

10/07/2013 21h16

A cerimônia de instalação da Comissão da Memória e Verdade da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), instituição que teve aproximadamente 25 estudantes e professores desaparecidos durante a ditadura militar (1964-1985), foi marcada pelo depoimento da jornalista Hildegard Angel, filha da estilista Zuzu Angel e irmã de Stuart Edgar Angel Jones, que era estudante de economia e militante do MR-8 --ela morreu em um suspeito acidente de carro em 1976 e ele havia desaparecido seis anos antes.

"Essas feridas, à medida que os anos passam, se alastram. E isso é importante porque nos obriga a manter viva essa chaga e a transmitir permanentemente esse estado de dor", afirmou Hildegard. "Peço a vocês que esclareçam isso, por favor", disse aos integrantes da comissão recém-criada.

Durante o evento, que contou com a presença do reitor da UFRJ, Carlos Levi, da coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, Rosa Maria Cardoso, do presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, Wadih Damous, entre outros representantes da universidade, na noite desta quarta-feira (10), também foram feitas referências às recentes manifestações que tomaram as ruas do país no mês passado.

De acordo com o reitor, a comissão tem o objetivo tanto de "abrir o baú" e tentar entender os impactos da ditadura na universidade, reparando os erros do passado, quanto de evitar que isso aconteça novamente. "A UFRJ tem um compromisso de esclarecer e passar a limpo este período histórico. A universidade tem muito orgulho da resistência que exerceu durante a ditadura. Esse é um papel que temos que assumir", declarou.

O testemunho de Hildegard aconteceu no campus da Praia Vermelha, na Urca, zona sul do Rio. Ela lembrou o tempo de apreensão que ela e a mãe passaram antes de saber, pelo militante Alex Polari, o que havia acontecido com Stuart. "Vivemos anos de muita apreensão desde que Stuart entrou na clandestinidade. Estávamos o tempo todo passíveis das suposições. Só soubemos quando recebemos uma carta do Alex Polari, quando ele ainda estava preso, escrita em 1974. Ele relatou como o meu irmão foi torturado, amarrado a um jipe e arrastado pelo pátio da Base Aérea do Galeão", contou Angel.

"A carta foi entregue à [cineasta] Lúcia Murat, quando ela tinha acabado de sair da prisão. Ela saiu de lá com o papel dentro da vagina. Foi assim que minha mãe soube como o meu irmão foi morto. Assim era a dificuldade de se saber a verdade naqueles anos. Ela precisou receber uma carta transportada na vagina da Lúcia Murat.", relatou Angel, quase chorando.

Murat depôs, em maio, na Comissão da Verdade do Estado do Rio de Janeiro, e disse ter servido de cobaia para aula de tortura. 

Hildegard também falou sobre as suspeitas de que a mãe mãe tenha sido morta em um acidente forjado pela repressão militar. "Quando a minha mãe morreu, eu recebi uma carta do Alex. Ele ainda estava preso. Ele escreveu 'tenho motivos de sobra para ter fortes indícios de que Zuzu tenha sido assassinada. Uma série de fatos, palavras concretas de torturadores, ameaças constantes que recebia anonimamente, condições específicas do desastre. Qualquer investigação série que se faça um dia, tenho certeza que apontará para isso que digo isso'. Eu pretendo um dia publicar essa carta em sua totalidade. O que ele afirma aqui está no livro do torturador Cláudio Guerra, 'Memórias de uma guerra suja'. Peço a vocês que esclareçam isso, por favor", declarou.

A professora da UFRJ Dora Santa Cruz, irmã do líder estudantil desaparecido, Fernando Santa Cruz, também deu seu depoimento. "Minha mãe tem 99 anos e até hoje busca meu irmão", lembrou. O evento previa também o testemunho de Jean-Marc Van der Weil, que foi presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) em 1969, mas ele não compareceu à solenidade.

Comissão

A comissão da UFRJ é composta por 10 membros e terá o período de um ano para fazer mapeamento e análise de documentos de arquivo relativos ao período de ditadura militar (1964 a 1985). A duração dos trabalhos é prorrogável por mais um ano. Foram a comissão os professores Carlos Vainer, Cristina Ayoub Riche, Flávio Alves Martins, Luciana Boiteux Rodrigues, Luiz Pinguelli Rosa, Luiz Davidovich, Marco Aurélio Silva de Santana e Roberto Lent, o servidor Izaias Gonçalves Bastos e o discente Afonso Menezes.

Também foi constituído um Grupo de Trabalho, que auxiliará as atividades da comissão, formado pelos docentes Ana Lúcia Sabadell da Silva, Diana Maul de Carvalho, Eleonora Ziller Camenietzki, Maria Paula Nascimento Araújo, Marilea Venâncio Porfírio e Sidney Lianza, e dos servidores Elson Nalon Lopes e Paula Maria Abrantes.

Entre as iniciativas da comissão, está a instalação de um monumento em homenagem aos membros desaparecidos da universidade. O projeto do memorial já foi escolhido por meio de um concurso interno de arquitetura. O monumento ainda não tem prazo para ser inaugurado.