Nos 50 anos do golpe, Comissão da Verdade define se pede revisão da Lei da Anistia
Os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investiga violações de direitos humanos ocorridas de 1946 a 1988 no Brasil, serão concluídos em 2014, justamente o ano do aniversário de 50 anos do golpe de 1964. E um dos maiores desafios dessa última etapa será chegar a um consenso em relação a uma revisão da Lei da Anistia.
Após a finalização dos relatórios conclusivos de 13 grupos de trabalho, a comissão deverá apresentar um documento com recomendações, ou seja, sugestões de reformas em instituições e mudanças em políticas públicas. Nesse contexto, está prevista a discussão de um eventual pedido de revisão da Lei da Anistia, de 1979, tema que divide os integrantes da comissão.
A Lei da Anistia impede a condenação penal de agentes do Estado e militares acusados de crimes de lesa humanidade (tortura, por exemplo) ocorridos no período da ditadura (1964-1985).
Uma sentença de 2010 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, contudo, condenou o Estado brasileiro por violações no combate à guerrilha do Araguaia (1972-1974). Na mesma sentença, o órgão da OEA (Organização dos Estados Americanos) entendeu que a lei brasileira não é compatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
O QUE É A LEI DE ANISTIA
A Lei da Anistia foi aprovada em 1979 como parte do processo de redemocratização no Brasil, durante o governo do presidente João Figueiredo. A lei impede a responsabilização de agentes do Estado e militares acusados de crimes de lesa humanidade, como os de tortura, ocorridos durante a ditadura (1964-85). Também permitiu o resgate da cidadania de militantes cassados, clandestinos e exilados durante a ditadura. Alguns procuradores defendem a tese de que a lei não se aplica ao caso de desaparecidos políticos, pois, uma vez que os corpos não foram encontrados, o crime não terminou. |
De acordo com a advogada Rosa Cardoso, da CNV, uma das defensoras da revisão da lei, a recomendação provavelmente será pautada a partir das reações da sociedade diante do tema.
"Vamos ter de discutir se recomendamos a apuração das grandes violações pelo Poder Judiciário", disse ela.
O novo coordenador da comissão, o advogado Pedro Dallari, por outro lado, já disse que recomendar a revisão da Lei da Anistia não é papel da comissão.
Embora Rosa Cardoso afirme que a CNV "não fará campanha" pela reforma da lei, alguns críticos entendem que isso deveria estar na pauta da comissão.
"O que a comissão deveria fazer é pedir para que essa recomendação seja seguida. Mas de fato esse é o passo mais complicado politicamente", disse Maurício Santoro, cientista político e assessor de direitos humanos da Anistia Internacional.
Fim da Polícia Militar
Outra recomendação que está sendo discutida pela comissão é a desmilitarização da polícia. O debate acerca desse tema, que surgiu com força após os protestos de junho no país, deve continuar no próximo ano.
"A classe média da sociedade nunca havia experimentado essa reação violenta da polícia, nunca tinha passado por essa experiência de ter seus direitos cerceados. Já o caso do Amarildo, por exemplo, mobilizou muito as pessoas das favelas", afirmou Santoro, que ainda disse acreditar na ocorrência de uma nova onda de protestos em 2014, motivada pela Copa do Mundo no Brasil, pelas eleições e, também, pelo aniversário de 50 anos do golpe militar.
"O aniversário de 50 anos do golpe vai coincidir com as eleições e com o último ano de trabalho da comissão. Temas ligados à ditadura estarão particularmente presentes, como aconteceu em 2013 no Chile. Isso vai gerar visibilidade maior ao trabalho da comissão, e acredito em uma nova onda de protestos", afirmou.
Oficialmente, o prazo para conclusão dos trabalhos da comissão se encerra em maio de 2014, dois anos após a sua criação. Os membros da CNV, no entanto, já solicitaram a prorrogação do prazo por mais seis meses. Caberá ao governo federal definir de que forma isso será feito, se por medida provisória (MP) ou projeto de lei, por exemplo.
"É uma questão burocrática, mas estamos tranquilos em relação a isso. A presidente Dilma Rousseff sabe e já concordou [com a prorrogação]. Não é interesse só da Comissão Nacional, aliás, a comissão respaldou um pedido de outras comissões. Como queremos integrar relatórios de outras comissões em nosso relatório final, esse prazo reduziria muito o nosso tempo, pois eles teriam que entregar esses documentos ainda neste ano", afirmou Rosa.
Segundo dados da CNV, existem outras 76 comissões investigando violações de direitos humanos no país, organizadas por Estados, municípios, universidades e sindicatos.
Para o assessor da Anistia Internacional, o trabalho das comissões paralelas é tão importante que o da comissão nacional.
"Algumas delas, como as comissões de São Paulo e do Rio, estão se mostrando até mais abertas ao diálogo com a sociedade. São menores e mais homogêneas e aprenderam com os erros da CNV, que tem sido marcada por diferenças de opiniões muito fortes. É bom que haja divergências, mas isso tem de ser trabalhado de maneira saudável para não atrapalhar os trabalhos", disse Santoro.
Em 2013, apenas a Comissão Nacional da Verdade realizou mais de 40 audiências, com a coleta de mais de 300 depoimentos. Além disso, a exumação do corpo do ex-presidente João Goulart, o Jango, e o recebimento de seus restos mortais com uma cerimônia em Brasília, com honras de chefe de Estado, foi um dos pontos altos dos trabalhos da comissão em 2013.
O trabalho em 2014, no entanto, não está restrito à entrega de relatórios. A realização de ao menos duas grandes audiências ficou para o próximo ano: Araguaia e Casa da Morte de Petrópolis. "Há um monumental trabalho a ser feito, mas vamos nos tornando cada vez mais estratégicos e objetivos", afirmou Rosa Cardoso.
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