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Confissão de tortura colocou família em risco, diz filha de Malhães

Henrique Coelho

Do UOL, no Rio

25/04/2014 19h32

Carla Malhães, filha do coronel reformado do Exército Paulo Malhães, assassinado um mês depois de confessar ter participado de prisões e torturas durante a ditadura militar, afirmou nesta sexta-feira (25) que o depoimento do pai acabou "expondo ele mesmo e toda a família". O corpo de Malhães foi encontrado nesta manhã no sítio onde ele morava, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

"O depoimento dele foi muito contundente. Nós mesmos nos surpreendemos. Ele acabou expondo ele mesmo e toda a família", disse Carla. Questionado sobre o crime em si --o corpo do pai apresentava marcas de asfixia, segundo a Polícia Civil--. ela limitou-se a dizer que a investigação tem que levar em conta "todas as hipóteses". O caso está sendo investigado pela Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense.

Malhães prestou depoimento em março à Comissão Nacional da Verdade em que relatava ter participado de prisões e torturas durante a ditadura militar. Disse também que foi o encarregado pelo Exército de desenterrar e sumir com o corpo do deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971.

De acordo com o relato da viúva Cristina Batista Malhães, três homens invadiram o sítio de Malhães na noite desta quinta-feira, 24, à procura de armas. A versão foi confirmada pelo delegado Fábio Salvadorete, responsável pela investigação. O coronel era colecionador de armamentos, disse a mulher aos policiais da DH-Baixada que estiveram na propriedade.

"Não estamos descartando nenhuma hipótese. Pode ter sido um homicídio por motivo de vingança e até mesmo um latrocínio, uma vez que foram levados vários pertences da vítima", afirmou Salvadorete. Segundo o delegado, os criminosos levaram dois computadores, pelos menos três armas antigas colecionadas pelo militar, um aparelho de som, joias e cerca de R$ 700 em dinheiro.

Cristina disse que ela e o caseiro foram amarrados e trancados em um cômodo, das 13h às 22h desta quinta-feira (24), pelos invasores. Em nota, a Polícia Civil informou que agentes "buscam imagens de câmeras de segurança que possam auxiliar na identificação" dos suspeitos de assassinar o militar.

Peritos inspecionam casa do sítio do coronel Paulo Malhães, encontrado morto na manhã desta sexta-feira (25), em Nova Iguaçu - Luiz Roberto Lima/Extra/Agência O Globo - Luiz Roberto Lima/Extra/Agência O Globo
Peritos inspecionam casa do sítio do coronel Paulo Malhães, encontrado morto na manhã desta sexta-feira (25), em Nova Iguaçu
Imagem: Luiz Roberto Lima/Extra/Agência O Globo

"A perícia de local foi realizada e a mulher da vítima e o caseiro já foram ouvidos. Os agentes buscam imagens de câmeras de segurança que possam auxiliar na identificação da autoria do crime. Foram roubados armas da coleção da vítima e computadores. O caseiro será encaminhado para confecção de retrato falado", informou a instituição.

O coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, afirmou ter solicitado ao ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) que a Polícia Federal acompanhe as investigações sobre o assassinato do coronel. Já o Exército afirma, por meio de sua assessoria de imprensa, que "aguarda as investigações dos órgãos de segurança pública".

"Por se tratar de uma situação que envolve investigação conduzida pela CNV, que é órgão federal, pedi que a Policia Federal fosse acionada para acompanhar as investigações conduzidas pela Polícia Civil do Rio", afirmou Dallari.

O presidente da CEV-RJ (Comissão Estadual da Verdade), Wadih Damous, afirmou ser "possível que o assassinato do coronel Paulo Malhães tenha sido queima de arquivo". Para Damous, o crime tem que ser investigado com rigor.

"Na minha opinião, é possível que o assassinato do coronel Paulo Malhães tenha sido queima de arquivo. Ele foi um agente importante da repressão política na época da ditadura e era detentor de muitas informações sobre fatos que ocorreram nos bastidores naquela época. É preciso que seja aberta com urgência uma investigação na área federal para apurar os fatos ocorridos no dia de hoje. A investigação da morte do coronel Paulo Malhães precisa ser feita com muito rigor porque tudo a leva a crer que ele foi assassinado", declarou.

Já a ministra Ideli Salvatti (Direitos Humanos) disse que seria "irresponsável" concluir que o assassinato de Malhães foi queima de arquivo sem a investigação sobre a morte. Ela cobrou seriedade dos órgãos de segurança nas apurações do caso. "Seria uma irresponsabilidade prestar declaração que associe o assassinato ao depoimento antes que qualquer tipo de investigação indique isto. Não podemos fazer acusações", defendeu a ministra.

A ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Maria do Rosário comentou a morte de Malhães.

"Soa estranho que, após essas revelações, o militar tenha sido assassinado. Estou entrando em contato com os ministros Ideli (SDH) e José Eduardo Cardozo (MJustiça) para pedir apoio da Polícia Federal na investigação", escreveu ela em sua página no Twitter. (Com Agência Brasil)

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