Topo

Um terço dos 377 militares responsabilizados pela Comissão da Verdade já morreu

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

10/12/2014 10h52

Das 377 pessoas indicadas como responsáveis por graves violações de direitos humanos durante o regime militar pelo relatório final da CNV (Comissão Nacional da Verdade), um terço já morreu. De acordo com o documento divulgado nesta quarta-feira (10), 196 pessoas apontadas como tendo feito parte do aparato repressor, estão vivas, enquanto outras 136 já teriam morrido. Ainda há 45 pessoas sobre quem a comissão não soube informar se ainda estão vivas ou não. 

Uma das principais críticas aos trabalhos da comissão foi a demora para que ela fosse instalada. A comissão foi criada em 2012, 27 anos depois do final do regime militar, que acabou em 1985.

A reportagem do UOL entrou em contato com o Ministério da Defesa, que responde pelas Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), mas o órgão federal informou que não se pronunciaria sobre o conteúdo do relatório. Por meio de sua assessoria de comunicação, o órgão informou ainda ter colaborado com os trabalhos da comissão desde a sua criação. Já os representantes do Clube Militar não foram localizados.

À época da instalação, todos os presidentes militares (marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, marechal Arthur da Costa e Silva, general Aurélio de Lyra Tavares, almirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald, marechal Márcio de Souza e Mello, general Emilio Garrastazú Médici, general Ernesto Beckmann Geisel e general João Baptista de Oliveira Figueiredo) já haviam morrido. Ao contrário do Brasil, países vizinhos como Chile, Argentina, Uruguai e Peru foram mais ágeis: criaram comissões semelhantes pouco tempo depois do fim dos regimes ditatoriais em seus países e militares chegaram a ser presos.

No Brasil, entre os agentes públicos que ainda estão vivos e que são apontados como responsáveis por violações estão militares como o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, 82, que comandou o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo. No período em que comandou a unidade, pelo menos 45 militantes detidos morreram, apontou o relatório.

Além de Ustra, também foram indicados como responsáveis os generais Nilton de Albuquerque Cerqueira, 84, e Newton Cruz, 90.

Cerqueira atuou em operações contra o Carlos Lamarca, na Bahia, e contra militantes no Pará, no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia. Newton Cruz, por sua vez, era o chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações) em 1981, durante ao atentado ao Riocentro, quando duas pessoas morreram. Ele foi processado pelo MPF (Ministério Público Federal) por suposta participação no atentado.

O relatório da CNV estabeleceu três tipos de responsabilidade em relação às violações apontadas.

A responsabilidade político-institucional é a que recai sobre os agentes públicos que conceberam, planejaram ou decidiram políticas de persecução e repressão aos opositores do regime. Um exemplo desse tipo de responsabilidade é o Marechal Castelo Branco, que criou o SNI (Serviço Nacional de Informações), um dos principais órgãos da repressão.

O segundo tipo é a “responsabilidade pelo controle de estruturas e pela gestão de procedimentos”. Nessa categoria estão os agentes que, mesmo sem ter praticado algum delito diretamente, permitiram que violações de direitos humanos fossem praticadas sob suas ordens. É o caso do general de divisão José Antônio Nogueira Belham, que comandou DOI do I Exército, no Rio de Janeiro. Sob seu comando, pelo menos oito pessoas morreram ou desapareceram.

O terceiro tipo é a “responsabilidade pela autoria direta”. Nesta categoria entram os agentes que praticaram atos de tortura, ocultação de cadáver, sequestro, e desaparecimento forçado, por exemplo.  O principal exemplo desse tipo de responsabilidade é o coronel reformado Paulo Malhães, que admitiu ter torturado, assassinado e mutilado militantes contrários à ditadura.

Apesar de indicar a autoria e o grau de responsabilidade de 377 pessoas nas violações a direitos humanos cometidas durante a ditadura (1964 a 1985), o relatório faz a ressalva de que essa indicação não tem validade legal. “As indicações efetuadas pela CNV (...) não implicam, por si, a atribuição de responsabilidade jurídica individual – criminal, civil ou administrativa”. Ele morreu neste ano.

A ressalva leva em consideração a lei que criou a comissão. De acordo com a legislação, a CNV não tem o poder de processar ou "culpabilizar" nenhum dos agentes públicos apontados como responsáveis por crimes como tortura ou assassinato. 

Clique aqui para acessar o relatório final da Comissão Nacional da Verdade na íntegra