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Base de Dilma é infiel, mas Cunha está frágil, avaliam cientistas políticos

Marcos Sergio Silva

Do UOL, em São Paulo

03/12/2015 02h00

Na prática, a base aliada do governo tem 281 deputados federais, número suficiente para barrar um processo de impeachment contra a presidente Dilma Roussef (PT) – o mínimo necessário para que o impedimento não vingue é de 172 votos pró-governo. Mas o comportamento vulnerável das legendas pode colocar em risco um resultado que apenas em tese seria previsível.

“A maior derrota do governo foi a da PEC [Projeto de Emenda Constitucional] da Bengala”, afirma o cientista político Alberto Carlos Almeida. Em maio, 333 deputados derrotaram Dilma, ao aprovarem o aumento da idade mínima compulsória para aposentadoria de ministros de tribunais superiores (como o Supremo Tribunal Federal) de 70 para 75 anos. Para o impedimento da chefe de Estado, seriam necessários 342 dos 512 votos possíveis da Casa, sem considerar o do presidente da Casa.

“A emenda tirou o poder de Dilma nomear cinco ministros do STF que se aposentariam até o fim de seu mandato – mesmo assim esse número foi alcançado com dificuldade. Uma proposta para tirar todo o poder da presidente traria uma dificuldade ainda maior para atingir o mínimo de 342 votos.”

É uma base pouco confiável, avalia Almeida, e cujo fiel da balança é o PMDB, do vice-presidente da República, Michel Temer, e de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara que aceitou a ação com o pedido de impeachment. “Há, no entanto, uma sinalização de o PMDB votar mais alinhado com o governo desde a reforma ministerial de outubro.” Na ocasião, mesmo com o enxugamento de 39 para 31 pastas, o PMDB passou a comandar sete ministérios – eram seis.

“O PMDB sempre foi o fiel da balança”, concorda o cientista político Roberto Romano, da Unicamp. “O problema é o fato de os dois presidentes das Casas vinculados ao partido, Eduardo Cunha [Câmara] e Renan Calheiros [Senado], estarem enredados em inquéritos”, diz. Para ele, restará ao vice-presidente Michel Temer o papel de colocar o PMDB contra ou a favor de Dilma. “Se ele conseguir costurar o PMDB, terá o partido a seu favor.” Romano, no entanto, não vê em Temer um articulador político, diferentemente de figuras históricas do partido, como Ulysses Guimarães e Orestes Quércia. “Ele herdou o PMDB do quercismo em São Paulo, mas sem o poder de articulação [do ex-governador de São Paulo, morto em 2010]. Ele é um grande jurista, não um articulador.”

 

Cunha tem a situação mais delicada: investigado pela Polícia Federal e por Ministérios Públicos do Brasil e da Suíça e com a opinião pública contrária à sua permanência no mandato de deputado federal e submetido ao Conselho de Ética da Câmara por mentir em plenário ao dizer não ter contas no exterior – a Procuradoria provou que o parlamentar e a família mantêm movimentação bancária na Europa. “É uma ficha corrida difícil de sustentar um processo”, analisa Romano. “Do ponto de vista jurídico, é alguém muito frágil. A aceitação da ação de impeachment foi a sua última carta queimada”, diz o estudioso, para quem o deputado selou sua cassação com a decisão desta quarta-feira (2) – ficará isolado, sem o apoio governista (exceção feita ao PMDB) e da oposição.

 

O risco maior, afirma, seria o de uma judicialização ainda maior da política brasileira, algo já acenado pelo PT, partido da presidente Dilma, que disse que poderá recorrer ao STF contra a decisão do presidente da Câmara, e executado na última semana pela Rede, que pediu liminar ao Supremo para que a votação que definiria a manutenção ou não da detenção do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) fosse aberta. “Corremos o risco de fortalecer o Supremo como um superpoder. A soberania não pertence ao Executivo, ao Legislativo ou ao Judiciário. Ela é partilhada entre os Poderes.”