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Como Eduardo Cunha se tornou o "rei da manobra" no Congresso?

Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados - Pedro Ladeira - 16.dez.2015/Folhapress
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados Imagem: Pedro Ladeira - 16.dez.2015/Folhapress

Leandro Prazeres e Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

01/03/2016 06h00

A forma com que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), utiliza o regimento interno da Casa para favorecer suas posições políticas e a estratégia de defesa adotada no processo que tramita contra ele no Conselho de Ética da Câmara fizeram com que ele ganhasse apelidos que variam de “mago do regimento” a “rei da manobra”. Mas até onde essa fama é verdade ou mito?

Cunha chegou à Câmara dos Deputados em 2007 depois de fazer carreira como executivo da antiga Telerj e da Xerox. Ele também passou um breve período como deputado estadual no Rio de Janeiro (entre 2001 e 2003). A fama de “rei da manobra” ganhou força nos últimos dois anos, quando o político conseguiu ao mesmo tempo reverter ou acelerar votações de seu interesse e praticamente paralisar o processo por quebra de decoro parlamentar que tramita contra si no Conselho de Ética da Câmara.

A tentativa de reconstruir a trajetória que levou Cunha ao apelido esbarra no pequeno número de pessoas da sua equipe dispostas a falar abertamente sobre ele. Com o chefe alvo de processos no Conselho de Ética e no STF (Supremo Tribunal Federal), os assessores mais próximos preferiram não se manifestar sobre o assunto.

 

Cunha é economista formado no início da década de 80 pela Universidade Cândido Mendes. E é justamente a ausência de uma formação acadêmica em direito que chamou a atenção de Mozart Vianna, servidor aposentado da Câmara que atuou durante quase 24 anos como secretário-geral da Mesa Diretora. O cargo é uma espécie de “braço-direito” do presidente da Casa e é o encarregado por, entre outras coisas, auxiliar na condução das sessões no plenário. Vianna é tido por colegas e políticos como um dos maiores especialistas no regimento interno da Câmara.

“Para alguém que não tem formação em direito, ele surpreende. Naquela época (em que Cunha era líder do PMDB), as pessoas me falavam que ele levava coisas para estudar em casa durante a noite. Ele mostrava um grande domínio das normais regimentais. Discutia, debatia de igual para igual com qualquer um sobre as normas regimentais”, diz Vianna.

Cunha Rei da Manobra - André Dusek/Estadão Conteúdo - André Dusek/Estadão Conteúdo
Maioridade penal, reforma política, sessões do Conselho de Ética: Eduardo Cunha (PMDB-RJ) se tornou conhecido pela habilidade em usar o regimento a seu favor
Imagem: André Dusek/Estadão Conteúdo

Vianna diz também que parte da habilidade de Cunha com as leis é resultado de sua atuação como vice-líder e líder do PMDB. “Além de relatar algumas matérias da área econômica, ele também estudava muito para dar a orientação à bancada sobre outros projetos de lei. Quando ele dava uma orientação, a gente via que ele tinha estudado o assunto profundamente”, explica.

O assessor parlamentar Adsmar Freire tem 43 anos de experiência na Câmara  e trabalhou com Cunha na liderança do PMDB. Ele diz que uma das características mais marcantes do então líder do partido era uma pastinha que ele carregava debaixo do braço.

Ele vivia com aquela pastinha para cima e para baixo. Tinha tudo ali. Medida provisória, emenda, projetos de lei. Ele é muito inteligente e, quanto ao regimento, ele enxergava as coisas muito à frente dos outros. Nesse aspecto, ele está acima de muitos

Adsmar Freire, servidor da Câmara

O atual secretário-geral da Mesa Diretora da Câmara, Sílvio Silva, trabalha lá há 42 anos e compara Cunha a figuras como Ulysses Guimarães. E mais: diz que, quando o assunto é o regimento, Cunha é mais informado até que o vice-presidente Michel Temer (PMDB), advogado e constitucionalista e que presidiu a Câmara por três mandatos (1997 a 2001 e entre 2009 e 2010).

“Já vi muitos presidentes bons nesse assunto, mas como o Cunha, não vi nenhum. Ele conhece todos os atalhos que o regimento dá”, explica Silva.

Atalhos e conhecimento jurídico

E é usando esses “atalhos” que Cunha causa tanta polêmica. No dia 1º de julho de 2015, a Câmara dos Deputados rejeitou a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 171 que previa a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, uma das principais bandeiras de Cunha. Um dia depois, Cunha colocou um texto sobre o mesmo tema em votação com algumas modificações em relação ao texto que havia sido reprovado no dia anterior e a redução da maioridade foi, então, aprovada. A manobra foi chamada de “pedalada regimental” por deputados contrários à proposta e virou até piada na internet.  

Outra articulação famosa aconteceu durante votação da reforma política. Após ver a proposta que incluía as doações empresariais para partidos e candidatos ser rejeitada pelo plenário, Cunha, que era a favor do financiamento privado de campanhas, conseguiu o apoio de partidos de oposição como o PSDB e colocou a matéria novamente em votação um dia depois. O novo texto excluía as doações empresariais a candidatos, mas mantinha o financiamento empresarial de partidos. A matéria foi aprovada. As duas “pedaladas” de Cunha causaram a ira de opositores.

Advogados que já tiveram atuação próxima ao deputado dizem que o conhecimento jurídico dele, de fato, impressiona. Segundo um deles, foi Cunha que formulou a tese de que por ser o terceiro na linha sucessória da Presidência da República, ele não poderia ser processado por atos supostamente praticados em mandatos anteriores. A ideia foi utilizada na defesa de Cunha à denúncia feita pela PGR (Procuradoria-Geral da República) contra o parlamentar no STF. Ele é suspeito de ter recebido propina do esquema investigado pela Operação Lava Jato.

Mesmo sentindo-se à vontade o suficiente para sugerir teses à sua própria defesa, Cunha, segundo um advogado ouvido pela reportagem do UOL, mostra disposição a aprender. “Quando é uma questão do regimento interno, ele diz: ‘É isso!’. Mas quando é uma dúvida em relação a uma lei, ele pergunta: e esse artigo?”, diz um advogado. 

Na disputa com os advogados sobre qual a melhor estratégia jurídica para defendê-lo, a determinação de Cunha em afirmar seus pontos de vista é difícil de ser vencida. “Procuramos dar forma jurídica [à ideia de Cunha] para fazer o pedido.  Até porque, imagina se a gente não usa o que ele diz e depois perde na Justiça?”

Não é bem assim...

Para pelo menos dois opositores a Cunha, porém, o mito que se criou em torno do “rei da manobra” não se sustenta. “Ele conhece o regimento como qualquer um de nós. O que ele tem é poder político. Conhecer o regimento e não ter poder político não adianta nada. Ele só consegue fazer o que faz porque ainda tem um grupo que lhe dá suporte”, diz o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), um dos responsáveis pela ação que originou o processo no Conselho de Ética.

Outro opositor, o deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG), também desmistifica a aura de “mago”.

Ele não tem nada de gênio. O que ele faz é usar o seu poder político para se defender. Conhecer o regimento não faz dele um mago. O problema é ele usar isso para se beneficiar

Júlio Delgado, deputado e opositor de Cunha


A reportagem do UOL entrou em contato com a assessoria de imprensa de Eduardo Cunha. Por telefone, um de seus assessores informou que ele não iria dar entrevista sobre o assunto, mas disse que o presidente da Câmara “estuda bastante o regimento e as matérias que tramitam pela Casa”. 

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